domingo, maio 31, 2015

O LUTO QUE NINGUÉM VÊ



A perda de alguém é sempre uma dor que cai bem fundo e que não se explica. Sabemos que vamos morrer, sabemos que os entes queridos, um dia, partirão também. Espera-nos, portanto, alguma solidão, alguma saudade; aguarda-nos uma tristeza que pode ter repercussões inesperadas, imprevistas.
Por outras palavras, vivemos a permanente impotência contra a dor sentimental quando a morte arrebata, gloriosa, aquele ou aquela que nós pensamos que ela não tnha o diretio de levar. É a sensação de furto, uma invasão sem pudor, o ridicularizar de lutas e labutas na ânsia de uma vida com mais sentido.
No entanto, por uma razão qualquer, um fundamento que espelha a nossa deshumanidade, e não mais que isso, não lamentamos a morte daqueles que rotulamos de ignóbeis, aberrações frívolas do humano, “os que envergonham a nossa espécie!”, diz-se.
 Há os que merecem morrer, porque há os que não deviam ter nascido, os que estão a mais. E há os que felizmente morrem antes de nascer. Os abortados que viriam a dar grande trabalho aos progenitores, com as suas deficiências, as malformações. “Ah! Ainda bem que Deus se lembrou deles a tempo. Grande felicidade.”, diz-se também.
Tudo se passa como se viéssemos a um mundo que nos promete a imunidade à dor, que nos dota de poderes decisivos e selectivos, de tal forma que nos dá carta branca para seleccionarmos quem deve morrer, quem deve nascer, que mortos devemos chorar.
Os vivos têm-se por favorecidos ou privilegiados, os escolhidos de uma selecção rigorosa, apesar da mistura de caracteres tão diferenciados. Não importa.
A frieza da sociedade cria excedentários e limita a dor da morte aos que  julga merecerem-na. Que dirão os casais, que planearam um filho, que fizeram projectos para a sua vida, planos de educação, enfim, os cuidados que pais dedicados têm para com os filhos, e vêm o seu filho morrer ao terceiro ou quarto mês de gestação!? Que pensarão os pais dos que morreram em prisões, quantos na esperança na modificação do(a) seu/sua filho(a), e cuja tristza, o vazio, aquele abraço que se esperava acontecer impregnado de arrependimento, aquele abraço que morreu nas paredes frias e impesssoais da prisão e que jamais saíu de lá…
Tudo tem direito ao luto, porque tudo tem uma identidade; tudo acontece em comunidade, tudo é parte integrante do mesmo, responsabilidade do colectivo. São as famílias que choram em silêncio, ou na vergonha, ou na solidão, choram o desepero, a falta de amor, a indiferença; choram o seu não direito à dor, à perda, ao direito de dizer que amaram perdidamente aquele que não chegou a vir totalmente ao mundo, aquele que, embora nele, se recusou, por razões perdidas nos mistérios da vida, a aceitá-lo, experienciá-lo como fonte do indefinido.
A sociedade criou lutos clandestinos. Para esses e respectivas famílias, a nossa prece:

Lembra, Senhor, a esta humanidade os seus deveres para contigo
Somos homens e mulheres numa realidadde frágil e perecível
Estamos perdidos entre a transcendência e a imanência
Entre a vida e a morte, o visível e o invisível
Que não sejamos coniventes com a indiferença
Que nos sintamos existencialmente implicados na vida
Torna visível a estrada gloriosa que conduz ao Teu reino
Consola as famílias que choram os seus filhos perdidos
Os que não chegaram a nascer, os que nasceram e não souberam viver
Conduz ao arrependimento todos os que agiram contra a Humanidade e contra Ti
Liberta-nos da fatalidade do luto
Conduz-nos à graça da perpetuidade da vida
Aos esplendores da certeza do reencontro universal
Tu, que és puro amor, pura verdade, vida cósmica


Margarida Azevedo

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