domingo, fevereiro 16, 2020

VOLTANDO AO GÉNERO





 O problema é vastíssimo. Senão vejamos. Muito longe de ficar circunscrito a questões de natureza sexual, até bem há pouco tempo identitárias de homem e de mulher, masculino e feminino, ou conflitos psicológicos, afirmação de propósitos de vida considerados desviantes, o género bípede primata homem/mulher vai mais longe. O processo em curso, de empobrecimento do ser humano mas cheio de virtuosismos para muitos, com o nome de liberdade de identidade de género, contempla também uma identificação  com o reino animal.
            Cansado de ser humano, desgostoso com a sua espécie e/ou com a sua geração, quem o desejar tem o direito de rejeitar a idade, ou de se identificar com o animal da sua eleição. Assim, se um dia alguém chegar ao seu posto de trabalho e disser aos colegas, contente e feliz da vida: “ A partir de hoje sou uma centopeia!”, não se admire nem julgue que está perante um distúrbio mental, um desajuste nervoso, ou um impulso neurótico. Não é esquizofrenia, nem bipolaridade, nem qualquer outra coisa com nome pomposo. Não, não. Está perante uma nova apresentação de um qualquer género masculino ou feminino, muito feliz porque já tem liberdade, finalmente, de se apresentar como verdadeiramente é. Muito curioso, de facto.
            O contrário também se verifica. Um homem pode, a dada altura, dizer que é uma menina de cinco ou seis anos e comportar-se como tal. Pedir para ser adoptada, querer um papá ou uma mamã porque está sozinha no mundo. E não falta quem a adopte. Há sempre alguém que, por saudosismo ou por outra coisa qualquer, esteja ansioso de pôr lacinhos no cabelo de alguém muito pequenino, ainda que com bigode,vestidinhos airozinhos, ou calções com pistolas à cintura para brincar aos cowboys, e levar a passear ao parque e comprar um gelado à criancinha que até já pode ter maminhas. Pois é, a menina que vai pela mão pode ser um homem de quarenta anos ou um idoso de oitenta e tal, ou então uma jovem de vinte. Isso não quer dizer nada porque estão todos muito felizes.
            “Como definir ou distinguir o patológico da sanidade mental?” Por outras palavras: O que é estar bom da cabeça? Se esta questão foi sempre difícil, agora é intransponível, porque se o factor socialização foi uma das determinantes para a inteligibilidade da complexa definição, agora é o social que se por ventura não aceitar tal comportamento está em situação de exclusão, logo, doente.
 Se o mal está em quem o vê, diz-se com algum acerto, a distinção existencial entre o patológico e o saudável está em quem a vê, naturalmente. Andar vestido de burro passeando-se pelas ruas é tão natural como andar de fato ou de t-shirt e calças de ganga. Quem fôr contra isto, evidentemente, não se diz que é fascista porque a palavra caiu em desuso e seria muito forte, diz-se antes que é xenófobo, ou então que sofre de um desajuste sociológico de propensão separatista e desintegracionista, do tipo psicótico, defensor do passado, logo um perigo para a sociedade, um maluco qualquer. Numa palavra, estupidificante.
            Dizem por aí os entendidos nesta matéria, que se uma pessoa cumpre os objectivos laborais, se faz o que lhe é pedido, se cumpre as regas do trabalho, então é porque está bem, isto é, está bom da cabeça, muito embora se diga uma aranha ou um crocodilo, isso não interessa para nada. Se, contrariamente, não se identifica com nenhum animal, se se afirma como homem ou mulher, sexo feminino ou masculino, no sentido tradicional dos termos, arcaico, portanto, mas não cumpre os requisitos laborais, então ter-se-á que investigar o facto pois é-se bem capaz de estar em presença de uma pessoa que não regula bem. Por outras palavras, a preguiça ou a incompetência passaram para o estatuto de género, animal homem/mulher indefinidos que subverte(m) as leis e as boas práticas do trabalho. .
            Este expoente máximo de democracia, este podium de valoração do humano, este problema característico do Primeiro Mundo, pode muito bem chegar à tabela salarial. Assim, o cavalo é pago a fardos de palha, o caracol a folhas de alface, o canário a alpista.
            Dirão os espiritualistas convictos, no alto da sua sapiência, que tudo isso pode ser muito natural pois os seres humanos estão ainda muito ligados ás suas origens ancestrais do reino animal. Assim sendo, ter-se-á muita dificuldade em distinguir a burrice do burro, isto é, aquilo que faz com que o burro seja burro, questão de raízes aristotélicas, mas deturpada, animal sóbrio e inteligente, que pasta pelos campos, do colega de trabalho que com ele se identifica e firma o nariz, perdão, o focinho ou o bico, no monitor. Qual dos dois é mais burro, ou o que é que há do burro no indivíduo que está um dia inteiro ao computador, num banco, por exemplo, e que o identifica com o que se passeia pelos campos? Imagine-se um frente ao outro.
            E com isto se vão passando os dias e as noites, num mundo de contrastes cada vez maiores, de escravatura no pico mais alto de sempre, segundo antropólogos alemães, de miséria a crescer, de riqueza desmesurada e doentia de uns quantos, esses sim, humanos que envergonham a própria espécie. Assim se vai vivendo, criando falsos conceitos de tolerância, falsos direitos, e assim se vai fazendo das mentiras verdades e das verdades mentiras.
            É a falta de objectivos sãos e altruístas, o desgaste de quem não espera mais nada da vida, o rebentar do balão da exploração humana, mas é, lamentavelmente, e acima de tudo, o grande falhanço das religiões, que não souberam impôr-se como forças ao serviço da humanidade mas dos seus interesses económicos e das políticas interesseiras.
            São os dirigentes religiosos, fanáticos e intolerantes, que sempre espalharam violência e agressividade, alucinados e a falarem em nome de deus, esse deus miudinho e incongruente, des-humano, um deus que não interessa a ninguém.
            Quem assume esta loucura? Quem fabrica a intolerância ao crescimento do humano como o maior dos valores? Quem responderá pelos crimes de fé? Quem assume a responsabilidade das loucuras religiosas? Ergueram-se sociedades cada vez mais complexas e elaboradas. Desenvolveu-se a Tecnologia, a Ciência trouxe novas respostas, mas o ser humano continua nas cavernas, territorial e  animalesco, de falsa fé continuamente à procura de milagres.
Onde está a fé libertadora? Se a fé não olhar para a Natureza como a sua mãe, fonte de adoração/oração, caminho sem fim, obra-prima do Criador, ela estará perdida. Podemos ler os textos reveladores desse Criador Supremo, podemos esmerar-nos em exegese, teologia, saber línguas, decompor, agrupar, reagrupar, interpretar, ler e reler, mas se o amor pela Vida não for prioritário, é tudo como o sino que tine.
É chegado o momento de perguntar: O que é que o homem fez de si mesmo? Onde está o seu universo de esperança e de glória? O que é que verdadeiramente quer? São passageiras, é um facto, mas as religiões têm que se impor, aqui e agora, como canais de ligação entre o homem e os seus desejos de felicidade. Se as religiões não mudarem de rumo, quanto às suas práticas de fé, numa resposta contígua à Ciência, geradas pelo mesmo ser, o Homem, deixarão de crescer perdem o comboio do desenvolvimento e caiem no ram-ram do ritual estéril.
O Homem não é um animal qualquer, é um ser humano, centelha divina, um ser deslumbrante. Que Deus tenha piedade dele e o ampare nas suas fragilidades de fé.


Margarida Azevedo
           
           
           
             

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