segunda-feira, janeiro 07, 2013

DEVOLVAM-NOS A FAMÍLIA


Já tivemos várias fases. Aquela em que os mais velhos eram os grandes transmissores de saber e conhecimento, porque os mais respeitados pela idade, sinónimo de experiência; depois passámos à parentalidade representada na figura do pai, chefe da família, cabeça de casal; seguidamente entrámos na fase da mãe, a progenitora, aquela que sabe coisas que mais ninguém sabe; por fim coube à infância a noção de que esta também é transmissora de conhecimento e saber, não importando se é capaz de o transmitir ou não, isto é, adivinha-se que a criança é possuidora de conhecimentos que a família não ensinou, e, portanto, não nasce tábua rasa.

Com tudo isto, e parece óbvio, a noção de conhecimento e de saber sofre profundas alterações e com elas o nível de importância que lhes é atribuído. Vejamos:

Ao destronar o idoso do podium de um saber de experiências feito, o que não significa necessariamente analfabetismo, perde-se a noção de que a vivência de uma vida inteira é rica de situações que, independentemente da época, se repetem eternamente. É disso exemplo a ponderação nas opiniões, o saber ouvir o outro atentamente, por outras palavras, o ensinar da vida a levar a água ao moinho. Assim, há que ter a noção de que essa experiência não pode ser equivalente a zero, pois há que perceber que ela está para além da tecnologia.

Por outro lado, aqueles que confundem analfabetismo com ignorância estão a esquecer-se de que a forma não escrita de transmissão de saberes vale tanto como a escrita. Até porque desenvolve a importância da palavra oral como representativa de moral e ética. A palavra de honra é isso mesmo. O que é dito não está escrito mas vale pelo que o proferiu. Estamos a falar de tempos em que “palavras, não as levava o vento”.

Além disso, o idoso letrado trás aos jovens colegas todo um saber exercer profissional cujas arestas foram limadas pelo tempo. Por exemplo, os jovens juízes precisam, e muito, de ouvir os colegas mais velhos, com mais experiência no terreno. Se os não ouvirem, e do alto dos seus naturais ímpetos juvenis, alguns deles ditam sentenças verdadeiramente catastróficas. Precisam de aprender que há uma bitola, mas que nem todos podem ser medidos pela mesma, pois que a singularidade do indivíduo, ao passar ao crivo universal da Lei, também deve ser salvaguardada.

O pai, como representante do lar, numa família que passou a ser o casal e os filhos, excluindo os avós, ou, ainda que estes vivam na mesma casa, são habitualmente segregados, também já não é um exemplo para os filhos. Este novo modelo de pai, desligado do seu progenitor, quebrou a linha de afecto que congregava a família. Sozinho no seu lar, enterrado em preocupações e inseguro no seu posto de trabalho, a despender mais energias em mantê-lo do que na progressão da carreira, sem o apoio incondicional e sempre presente do seu próprio pai e mãe, é um pai sem história e sem histórias para os seus filhos. Estes, por seu lado, assustados e desiludidos, temem que a mesma sorte um dia lhes bata à porta. O pai tornou-se representante de temeridade, insegurança, fracasso apesar das lutas, de todos os esforços, persistência e coragem.

A mãe, igualmente ausente e por isso frustrada, tem hora marcada para acariciar os filhos e dar atenção ao marido. De um modo geral inventa desculpas para justificar a não presença quando é mais necessária. Ela vê os filhos serem tratados por outras mulheres, as educadoras do diversos graus até chegar ao Primeiro Ciclo de escolaridade. A mãe é uma mulher que traz parte do sustento para casa, parte das lutas por uma vida melhor, mas também traz a ausência, o tempo reduzido para a família, a permanente ocupação mental com o que não pertence ao lar.

É neste contexto desastroso que a criança, cujos direitos são recentes, ocupa o primeiro lugar. Na sua aparente fragilidade, representa o futuro, o afecto, a incerteza, a docilidade e uma lufada de ar fresco nas preocupações. Porém, com tão pouco tempo para filhos, numa sociedade em que dar à luz tornou-se pecado e ter família cadastro, há os que preferem investir tudo isto num cão ou num gato, sempre estão livres da mudança de fraldas e de preocupações com a educação.

Perante este cenário, perguntamos: O que é que as religiões têm feito para mudar a situação? O que é que as igrejas cristãs têm feito do alto da sua cátedra de amor ao próximo? O que é que elas mudaram nos comportamentos, nos hábitos, nos usos e costumes? Que Deus transportam consigo? Que mensagem e que universo de esperança?

Parece que o factor religioso mais não tem feito que pactuar com a situação pois não conseguiu impor-se, e uma religião ou igreja que não sabe impor a sua humanidade é uma fraca representante dos desígnios de Deus.

Não queremos caridadezinha para com as famílias, queremos famílias, tão simplesmente. Não queremos filhos de pais incógnitos, mas pais que sejam ajudados, quando e sempre que necessário, para que os filhos conheçam os pais e estes possam amá-los incondicionalmente.

Não podemos continuar a permitir que a sociedade assente em órfãos de pais vivos. O trabalho não é uma religião, nem uma família, nem pode ser uma ocupação a tempo inteiro. O trabalho é o contributo de todos para o bem-estar da sociedade. É um dever cívico e simultaneamente espiritual.

O que somos nós sem o amor da família? Sem raízes, sem uma referência, sem um ponto de origem de forma a podermos dizer “eu venho dali!”?

Os distúrbios psicológicos, nalguns casos irreversíveis, resultantes dos problemas em torno da família, são a causa de uma sequência infindável de actos violentos, de desespero, de falsa religiosidade, de falso profissionalismo, de conflitos interiores inultrapassáveis.

Queremos uma sociedade em que homens e mulheres possam amar-se, viver unidos, respeitar-se e, assim, desfrutar da vida em plenitude. Precisamos das histórias para adormecer dos avós, de lhes conhecer a vida de ponta a ponta.

Uma sociedade que aposta na ausência da família é uma sociedade que caminha para o abismo. Contrariá-lo é uma luta de todos, uma oração pelo mundo.

Pai nosso, que estais em todo o Universo, escutai a nossa voz e, sem ofensas, que ela se espalhe a todas as almas pensantes. Ámen.
Margarida Azevedo

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