quarta-feira, fevereiro 20, 2013

O SENSO COMUM COMEÇA A DAR OS SEUS FRUTOS I

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Espiritismo e Evagelismo

Temos visto, de forma cada vez mais freqüente, no meio Espírita, apelos e defesas para que se “evangelize” o Espiritismo, bem como se encontram ferrenhos defensores do Espiritismo como “religião”. Vêem-se mesmo colocações do tipo “...necessitamos é de evangelho....”.

Em minha opinião, o religiosismo e o "evangelismo" acabará por destruir o Espiritismo, pois se está abandonado a "...filosofia com base científica e conseqüências éticas e morais..." preconizada no Livro dos Espíritos, para um “evangelismo” exacerbado, transformando muitas Casas Espíritas em "igrejas", onde o ouvir palestras e tomar passes passam a ter “status” de rito religioso.

Nessas Casas, não se aprofunda e se discute mais a Filosofia Espírita de Vida, e não se discute como transforma-la em aprendizado, em habilidade, em aptidão.

Passamos a ter "estrelas" que ministram palestras, mais preocupados com a própria imagem, com o falar empolado, com técnicas avançadas de oratória, mas incapazes de serem animadores e promotores das mudanças pessoais e sociais.

Kardec nunca deu um aspecto religioso ao Espiritismo. Mostrem-me isso nas obras básicas! Isso não existe.

Não podemos abrir mão da Doutrina Espírita em nome de uma "religião espírita", acreditando que isso se "...corrige mais tarde...". Um edifício mal construído acabará desabando. Um alicerce mal feito não suporta uma obra de grande porte.

Kardec estabeleceu um tripé didático para a Doutrina Espírita: Filosofia, Ciência e Ética/Moral (e não religião).

A Ética e a Moral adotadas são a do Cristo, brilhantemente descrita no Evangelho Segundo o Espiritismo. Mas é ética e moral, aplicada em uma filosofia de vida, embasada em conhecimento científico.

O aspecto religioso do espiritismo, tal como concebido por Kardec, é íntimo, pessoal e individual. Não precisamos transformar as Casas Espíritas em "igrejas espíritas", pois isso nada acrescenta, só atrapalha.

Em "evangelismo", temos que reconhecer que existem algumas religiões muito eficientes nisso. Se vamos seguir por esse caminho, vamos aprender com elas.

Mas essa não será a minha opção. Não abrirei mão da pureza doutrinária estruturada por Kardec.

Assusta-me uma colocação como essa: "...precisamos é de evangelho...". Isso é quase um discurso do neo-evangelismo, das "modernas igrejas evangélicas".

Não é isso que precisamos. Precisamos de amor em ação, de caridade em ação, de ética em ação, de pensamento construtivo em ação, de efetivamente nos tornarmos criadores de uma nova realidade.

Precisamos é de Filosofia Espírita, de Moral Espírita, de Ética Espírita, e isso já está contido no Livro dos Espíritos, a principal obra do Espiritismo (e poderia até ser a única).

Precisamos transformar as Casas Espíritas em oficinas de aprendizado, em "fábricas" de habilidades e aptidões éticas e morais, em não em púlpitos de discursos e pregações, esteticamente lindas, belas, mas inócuas por não estimularem a evolução individual.

Cristo como modelo. Claro que sim. Somos todos admiradores desse ser. Mas procuremos conhecer o Cristo Histórico, O Cristo Humano, o Cristo Revolucionário, o Cristo que não tinha uma religião, que não fundou uma religião, que não se entregou as religiões, que VIVEU sua pregação, que tentava transformar ensinamento em aprendizado. Que seja ele o nosso modelo de construção de vida e de sociedade. O Cristo Vivo, não o Cristo das Igrejas e Religiões. O Cristo em nosso coração e nas nossas ações, e não no evangelismo pobre e limitador.

Esta é uma opinião pessoal, mas mais que isto, é uma crença pessoal, uma diretriz de minha conduta dentro da Doutrina Espírita. Compreendo e respeito quem pensa diferente. Reconheço-lhes esse direito. Mas lutarei tenazmente pelo Espiritismo Filosófico, Científico, Ético e Moral. E para evitar que nos transformemos em Igreja

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O artigo que se segue é um comentário ao texto que antecede e que nos foi enviado pelo dirigente de um grupo espírita que, amavelmente, solicita o nosso parecer. É claro que o que se segue tem o valor disso mesmo, mera opinião. Porém, tentaremos ser o mais esclarecedores possível. Quanto ao título, pensamos que o conteúdo que se segue o justifica com relativa clareza.

I

É facto que o Cristianismo está a viver uma das suas piores crises. Confrontado com um impulso técnico e científico imparável e ao qual sempre se opôs com veemência, que inaugura novas e mais profundas reflexões, vê-se a braços com um factor sociológico à escala planetária, a globalização, perante o qual se sente impotente para continuar a impor as suas perspectivas.

Do nosso ponto de vista, com alguma relutância o Cristianismo está a aprender a adaptar-se e, consequentemente, a aceitar os novos rumos da História. Se até agora foi um conquistador de almas, não está em causa os processos, velozmente passou a conquistado. As outras religiões, mercê da novidade dos seus discursos, para os cristãos, vão junto destes buscar os novos crentes, atraindo-os pela doçura de promessas no além, pela ausência de castigos terríveis, garantindo que ninguém arde no fogo eterno, tornando a salvação ao alcance do mais ignoto como do mais elevado. Quanto aos povos conquistados, por sua vez, estão a emergir no seu natural e legítimo grito de liberdade, fazendo ressurgir antigas formas de fé.

Este facto retoma a questão fundamental da inter-acção entre fé e cultura. O Cristianismo pode e deve espalhar-se pelo mundo, mas respeitando sempre identidade cultural dos povos. É preciso aferir os seus elementos constituintes para que a evangelização seja encarada como a entrada pacífica de uma outra doutrina num universo de sentido religioso já formado, com a sua escala de valores própria, os seus interditos, as suas epifanias, os seus ritos.

Ora, podemos dizer que o móbil da auto-reflexão do Cristianismo não é a sua mesma doutrina, não são as suas hermenêuticas nem a exegeses tão trabalhadas, nem tão pouco a sua evangelização, mas as outras confissões que, rejeitando-o nos seus processos de divulgação, têm vindo a introduzir-se no seio dos cristãos. Estes, saturados do medo do Inferno e de processos catárticos impraticáveis, porque socialmente isoladores, impõem noções de fé e vivência religiosa transversais e mediatizadas por um impulso de liberdade que lhes é completamente novo.

Porém, olvidando, por seu lado, que essas mesmas religiões estão em profundas convulsões e que, para elas, o Cristianismo é uma influência a reter, mercê de um evangelho perene e pluralista quanto às suas teses e diversidade literária, os cristãos aceitam-nas como um substituto de uma vivência que de intolerante passou a obsoleta.

Assim, os cristãos de hoje não perderam apenas o medo do Inferno. Os castigos de Deus também abrandaram. Nos novos tempos são os crentes que chamam à atenção o próprio Deus, impondo-Lhe novas formas de encarar os pobres seres falíveis, criação Sua, acrescente-se. Já não são os crentes que acreditam em Deus, apenas, é a Deus que é exigido que acredite nos homens/mulheres. A luz que estes tanto almejam já não é solicitada a Deus pela via do milagre. A luz significa trabalho, dedicação, persistência, victória, mas também cooperação da parte de Deus. Subentende-se que se os homens/mulheres precisam de Deus, Este precisa dos homens/mulheres. É por seu intermédio que enviou profetas para dar conhecimento de Si próprio e de um mundo, que é o Seu, todo beatitude, paz, amor e fraternidade.

O Deus da sociedade global é um Deus partilhado, ajustado à dimensão dos homens/mulheres e respectivas necessidades. Fala-se de Deus quando e porque é útil. O mistério que envolve a existência de Deus já não tem que ver com uma dimensão oculta, à qual só uma espécie de casta ou sobredotados da fé tinha acesso. O mistério deslocou-se para o próprio ser humano. Porque é que eu existo? Para quê? Qual a minha substância? O que sou e quem sou? Sou alguém ou sou o quê? O crente, mais racional, já não quer uma resposta mediatizada pela fé. Mais entregue às suas forças (intelectuais, éticas, morais, etc.), desocupa/liberta Deus do processo evolutivo, remetendo tal responsabilidade para os seus ombros. Esta nova concepção de crente, não mais que um trabalhador ou um profissional do espírito, impõe a si mesmo uma resposta que passa inevitavelmente pela sua força intelectual.

Mas aqui surge um problema: as nossas barreiras linguísticas mostram-nos a nossa impermeabilidade a outras vivências do Espírito, quiçá ao próprio Reino de Deus que, talvez por isso, esteja tão simplesmente dentro de nós. É que nós carregamos os nossos próprios mistérios, o nosso desconhecido bem como uma racionalidade limitada e limitadora. Mas tal não é pacífico. Pelo contrário, deixa-nos perdidos na perplexidade do desconforto vivencial do nosso acontecer diário, do Reino de Deus que, mesmo dentro de nós, não está mais perto pois que nenhum de nós se sente conforme com tal mercê. Talvez por isso ainda sejamos demasiado exigentes para com Deus: queremos a perfeição, mas só a Ele é devida. A linguagem da fé nunca foi tão incisiva, nem a de Deus tão doce.

Ele já não pode exigir longas preces. O mundo global apressou-se e precipitou-se nas lides do economicismo. Viver com Deus é viver bem, na paz do conforto. Contudo, nos extremos da pobreza e da riqueza a fé é idêntica. Ambas fazem perigar o discurso apelativo à oração e à prece nos seus fundamentos beatíficos. Não solicitam a paz e o amor, nem tão pouco a luz, mas a estabilidade social que tanto almejam e que tão cara lhes é.

(Continua)
Margarida Azeevedo

1 Comments:

At 8:15 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Estimada Margarita. Le hablo en mi idioma natal, pues el portugués lo entiendo más no lo domino. Estoy totalmente de acuerdo con el primero de los textos, el que hace referencia a un exceso de "evangelización" en la doctrina espírita. El pensamiento que aquí en Europa tenemos, no es acorde 100% al que hay en América, Brasil es la cuna del espiritismo actualmente, como en su día lo fuera Francia y después España. Hemos de ayudar con aportaciones propias coherentes con nuestras realidades sociales los postulados de Kardec, porque no podemos huir a ellos. En Europa desarrollaremos un sentir más filosófico, y en América unos más religioso, pero con la misma base doctrinaria, para que más adelante se enriquezcan el uno del otro. No hay una solución fácil, ni mucho menos rápida, por tanto plantearla sería por mi parte jactanciosa, pero sí es verdad que dicho afán de "evangelización" a mí personalmente me recuerda al fanatismo que rechazo en otras religiones.

Reciba un cordial saludo.
J.G.L.

 

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