domingo, abril 26, 2009

MORTE É FELICIDADE XXXVII


A PROBLEMÁTICA DA MORTE NO EVANGELHO


O complexo quão vasto edifício espiritual do ocidente assenta em pressupostos espirituais cuja finalidade consiste num conceito de felicidade que se traduz por vitória sobre a morte. Demonstrando que morrer não é acabar mas começar, ou melhor, continuar na vastidão do imenso uma existência cuja evolução vai ao infinito, a morte de que Jesus Cristo é o exemplo significa alívio, exortação a todos os homens e mulheres, independentemente do seu modo de vida, a fim de que acreditem que não há fim.
Enquanto no oriente a felicidade, o nirvana·, isto é, a extinção de vontades e sensações, só é conseguida no mundo deslumbrante fora da influência da Terra, e consequentemente do corpo carnal, no ocidente ela é possível dentro de preceitos estruturais para os quais o corpo é elemento fundamental, para algumas correntes ele próprio sujeito à ressurreição. Isto significa que, no seio do mundo cristão (grupos católicos e protestantes e Testemunhas de Jeová), os justos serão aqueles que herdarão a Terra depois do Juízo Final, reerguendo-se de suas tumbas e simplesmente voltando a habitar os mesmos corpos.
Estas correntes mágicas, entendendo por mágicas as formas de pensamento que aceitam a existência de ocorrências contrárias às leis imutáveis de Deus, isto é, milagres, defendem ainda que a Terra será povoada por animais que, independentemente dos géneros e espécies a que pertençam, serão todos igualmente mansos de tal modo que lobo e cordeiro, homem e fera viverão em estreita relação, sem se agredirem. Por outras palavras, a Terra será um mundo de sempre vivos, felizes e amigos.
Para estes grupos, o Evangelho está assente numa circularidade da qual o ponto de partida é o corpo, seguindo-se a morte, que não é libertação do corpo, mas tão somente sono profundo, culminando, por fim, no despertar nesse mesmo corpo, em plenitude ou graça espiritual. É nisso que consiste a justiça e a fraternidade divinas. A humanidade será então a comunidade dos eleitos, assente na vontade directa de Deus. Foi isto que, sucintamente, nos ensinaram nos bancos da escola.
Não sendo esta propriamente a nossa linha de raciocínio, defendemos que Jesus Cristo é o grande pregador da presença do Invisível no mundo terreno, não em sua oposição, mas numa relação de contiguidade. Ele mesmo encarna essa presença, mostrando aos homens que, uma vez tornado imperioso, o Invisível tornou a carne a fim de lhes mostrar mais enfaticamente como é que estes devem caminhar para Deus, em estreito cumprimento do que havia sido profetizado.
São disso exemplo os diversos tipos de morte que o Evangelho apresenta, das quais, como é óbvio, campeia a morte de Jesus como o expoente máximo do triunfo do bem sobre o mal. No entanto, as outras mortes também são pedagogicamente importantes, sendo elas o episódio do Martírio dos Inocentes, a morte de Herodes, a execução de João Baptista e o suicídio de Judas.
A primeira representa o homicídio por ambição: irracionalidade descontrolada que leva, friamente, ao assassinato de crianças; a segunda surge como uma espécie de pena de talião, ou mais seguramente a mostra de uma justiça observadora atenta que comanda os humanos: recebemos na proporção do que merecemos, isto é, do que praticamos; a terceira é resultante de uma brincadeira: aqueles para quem a vida humana se joga, manipula e dispõe como uma coisa qualquer; a quarta não mais que o resultado de maus actos, perda do controlo, arrependimento qual trambolhão na realidade: é o suicídio quando o homem se sente encurralado, quando parece que já nada tem conserto.
Em comum têm o facto de serem resultantes kármicas de vidas ainda muito complexas. Elas representam o lado fraco do homem, são o rosto das suas intemperanças, imprudências, condutas à revelia da vontade de Deus.
Jesus Cristo, ao morrer também, mostra que há o outro lado da morte, o outro rosto do sofrimento, o seu real significado. Com Ele, a morte não é o castigo pelos erros cometidos, mas a coroação de uma vida inteira ao serviço do sofrimento. Pela Sua morte, Jesus Cristo ensina que o sofrimento é o maior valor da alma humana, o seu concreto burilamento libertador.
Aprende-se assim que Jesus não anula a crise da morte, pelo contrário, acentua-a. Com Jesus há mortes felizes e infelizes, consoante aquele que morre é ou não passivo ao sofrimento, é ou não passivo ao arrependimento.
Os que se candidatam a morrer como Jesus, e não como os outros, recebem como benção a dor, a desonra e a incompreensão do mundo, mas de Deus o ingresso no paraíso. Os que morrem como os outros são os que atribuíram a esta vida o exclusivo da realidade espiritual, aqueles para quem este mundo é o único mundo. Esses já receberam, portanto, a sua recompensa.

· Para o bramanismo, o nirvana é a união da alma individual à universal. Significa que há uma fusão do particular no todo, perdendo-se enquanto tal, (é este o sentido explícito do texto).
Para o jainismo, sendo a alma e a matéria eternas, o nirvana significa separação definitiva entre elas, dando assim origem ao equilíbrio.
Para o budismo, o nirvana consiste no fim do ciclo de reencarnações.
(Ver ARVON, H., s/d, cap.II, item O nirvana, pp. 49-52).
(Continua)

Barbara Diller

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