sábado, fevereiro 24, 2007

FLORES DE SILÊNCIO VII


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Era uma vez um menino que chorava porque a mãe não lhe comprava o brinquedo que ele queria. Ela tentava fazê-lo compreender que, além de ser demasiado dispendioso, não era um brinquedo bonito, que tinha um aspecto desagradável, que era agressivo e que tinha cores muito escuras e tristes.
Mas o menino não queria saber. Apesar de crescidinho, não compreendia os desvelos da mãe. Afinal era um simples brinquedo, daqueles que todos os meninos têm. Por isso, não conseguia compreender por que é que logo a sua mãe havia de embirrar com ele?
Os vizinhos, e até a professora, achavam que a mãe estava a ser muito ríspida, que se devem fazer algumas cedências, caso contrário as criancinhas sentem-se discriminadas pela sociedade, principalmente quando não possuem o mesmo que as outras crianças.
Mas a mãe estava intransigente: _ O meu filho não brinca com isso! – exclamava peremptória.
Um dia, a professora avisou a classe para que trouxesse os materiais de trabalhos manuais, pois que no dia seguinte iriam executar o brinquedo da sua predilecção. Além dos que já estavam guardados no armário desde o início do ano lectivo, pediu-lhes que trouxessem barro, cartolina, madeira de pinho e, sobretudo, muita imaginação.
E assim foi. As crianças compareceram na escola com os materiais solicitados mas, por espanto da professora, não conseguiam fazer nada. Umas diziam que não tinham vontade de fazer trabalhos manuais porque é uma actividade chata, outras queriam ir brincar para o recreio, outras, mais obedientes, tentavam mas afirmavam desiludidas: _Ò professora, eu tenho quase todos os brinquedos que há no mundo: tenho jogos, caixinhas com palhaços e com música, tenho jogos de computador, bonecas que andam, e falam e dizem papá e mamã, comem, fazem xixi... Não me apetece estar a fazer isto. Diz-nos para fazermos outra coisa!
A professora começava a desesperar, embora o disfarçasse, sem sucesso, frente às crianças. Pensava para consigo mesma que talvez aquela tarefa estivesse pedagogicamente defasada face a uma infinidade de situações: a época do ano em questão, a idade, o progresso das crianças nas matérias, o seu interesse, enfim, chegou mesmo a pensar no que diriam os inspectores se, de repente, aparecessem na escola.
No entanto, uma criança, sentada silenciosamente na sua carteira, mostrava-se bastante interessada nas tarefas. Nos pedacitos de pinho mais pequenos colou flores de papel celofane, cujas pétalas havia recortado com mil cuidados, nuvens e o sol; com outros fez casinhas, desenhando na madeira as portas e as janelas, e colando no topo outros pedacinhos, previamente pintados de vermelho a fazer de telhado.
Às suas casinhas não faltara nem chaminés, nem varandas, nem flores. Por fim, disse à professora:
- Agora só preciso de um estrado para colocar as peças, areia para fazer o chão e, se a minha mãe deixar, trazer uns bonequinhos de plástico, muito pequeninos, para povoar a minha aldeia!
A professora estava radiante, e pensou: _ Porque não fazer um concurso inter-escolas, por exemplo distrital, subordinado ao tema As aldeias de Portugal?! Seria uma boa ideia.
Se bem o pensou, melhor o fez. Expôs a sua intenção à directora da escola, à qual a referida senhora não deu muito apreço. _ Faça o que quiser, colega. Deixo ao seu critério. Mas aviso-a, se as coisas correrem mal, não se venha queixar. – dizia com ar importante, de quem já sabia tudo de tudo.
Falou com os pais, que não acharam graça nenhuma à futura efeméride, pois seria naquela escola que o acontecimento iria Ter lugar, o que era justo para a professora uma vez que a ideia havia partida dela; não para os pais porque afinal os meninos iriam perder um dia de aulas, o que para eles era gravíssimo.
Obviamente que o nomeado para representar a escola era o menino cuja imaginação havia inspirado o tema do trabalho à professora.
Chegado o dia do concurso, todas as escolas do distrito se fizeram representar, pois todas haviam acatado a ideia com muito entusiasmo. Trouxeram as mais diversas aldeias, executadas com os mais diversos materiais, cheias de cor, como só os meninos sabem ver, exibindo, cheias de orgulho, os seus artistas de palmo e meio.
Mas uma delas era, de facto, a preferida. Pela simplicidade, pela objectividade, pelo jogo de cores, pelo celofane que lhe conferia por entre o pinho, a areia e o vermelho dos telhadinhos um arzinho místico de Natal, sonho, magia. Os bonequinhos, minorcos, de plástico rematavam o idílio como uma verdadeira aventura infantil, conferindo a graciosidade e a mansuetude de quem ainda é criança.
O júri não teve dúvidas. Aquela foi a vencedora.
Ao receber o prémio, uma visita à fábrica de brinquedos do distrito, o presidente do júri disse ao menino que, uma vez na fábrica, poderia escolher um brinquedo qualquer, do seu agrado. A criança, num ímpeto misto de felicidade, loucura e alegria, respondeu prontamente, mas olhando para a mãe que chorava de tanta felicidade: _ Quero um carro telecomandado!!! Mas não sei se a minha mãe deixa, - dizia, apontando na sua direcção – ela não gosta desses brinquedos. Diz que fazem mal às crianças, que não as deixam estudar, nem concentrar na tabuada, ou nos verbos...
Todos riram com o desabafo da criança, todos à exepção da mãe que continuava emocionada. E como a olhavam, desejando estar no seu lugar, pediu, humildemente, a palavra.
_ Meus amigos, hoje é para mim um grande dia. Sinto orgulho no meu filho _ disse pondo-lhe a mão no ombro e beijando-o, com ternura, na testa – e pelas lágrimas que por amor o fiz chorar. Nunca lhe dei tudo o que ele quis, dei-lhe sempre o que considerei ser o melhor para ele. É certo que por vezes poderia Ter cedido em algumas coisas. Mas não! Sei que fui intransigente, suavemente intransigente. Perdoa-me, querido – e apertava-o contra si, junto ao peito – a mamã fez o que é melhor para ti! Agora sim, mereces o carrinho telecomandado, porque este é diferente dos outros. Este, tu ganhaste-o com o teu talento.
Fez-se um breve silêncio na sala, tão breve que pareceu uma eternidade. Os corações estavam enaltecidos. A escola acabava de dar a maior das lições, e a professora sabia-o, mais, sentia-º
Após os parabéns, que nunca mais acabavam, e depois jogarem o menino ao ar dezenas de vezes, em sinal de vitória, a professora e a mãe receberam as maiores ovações.
Passados uns dias, após a visita de estudo, o menino apareceu na escola com o seu carrinho telecomandado, que emprestou a todos, até à directora que estava mortinha por experimentar.
Quanto à fábrica, mudou a cor aos brinquedos. Passaram a ter as cores da aldeia do menino, isto é, dos sonhos das crianças.

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