quarta-feira, maio 01, 2013

IMPOSIÇÃO DAS MÃOS EM ESPIRITISMO

Esta temática é demasiado extensa, conduz facilmente a alguma confusão e requer, por isso, uma atenção especial. Assim sendo, vamos abordá-la segundo uma única perspectiva, a saber, o modo como deve ser exercida, no entanto superficialmente, dada a extensão do próprio item.

Antes de mais, à imposição das mãos se chama, em Espiritismo, passe de limpeza psico-magnética ou, simplesmente, passe. O médium que a exerce chama-se médium passista, muito embora possa exercer outros tipos de mediunidade.

O modo como o passe é exercido depende do médium: do seu magnetismo, da forma de orar e de estar na vida, dos ambientes que frequenta, da linguagem que utiliza no dia-a-dia, do maior ou menor empenho na sua modificação interior, da sua maior ou menor capacidade em abstrair-se da sua vida pessoal, isto é, da capacidade de concentração na actividade mediúnica; mas depende, principalmente, da sua fé, pois é ela que define o tipo de influência espiritual que o assiste. A fé é o grande educador do Espírito pois concentra em si todos os outros aspectos.

Por mais cuidadoso que o médium seja, na sua vivência quotidiana, sem fé inabalável o passe não surte o efeito desejado; mas também sem uma vida regrada que a alimente, por mais fé que tenha, o efeito é idêntico. Assim, o passista tem que conjugar todos estes aspectos para que o passe seja eficaz.

Podemos dizer que o passe retrata o médium na sua relação afectiva com o outro, assim como o seu modo de vida pessoal. Ele é um gesto de grande dádiva e respeito pelo outro, na sua dor e no seu sofrimento, humilde contributo para a superação do que o perturba.

Por outro lado, o próprio passe já é, por si só, uma prece pela humanidade representada naqueles dois seres, o que dá e o que recebe. Podemos ainda acrescentar que, mais que caridade, o passe é amor, pois é um gesto que se espelha na vivência espiritual do outro para sempre, ainda que não surta o efeito desejado.

Porém, com o passar dos anos, muitos espíritas têm vindo a preocupar-se com questões tecnicistas. Já ouvimos dizer que “os passes, agora, já não se dão dessa maneira”. Nós perguntamos, “Porquê?” E a resposta, deveras curiosa, é esta, “Porque já não se usa.”

Ora, o passe não é uma questão de moda, mas de eficiência afectiva. Os nossos afectos são curadores, nem nos apercebemos o quanto. O bem-querer é incomensurável, a nossa vontade e pensamento, aliados, são poderosas alavancas para a realização do bem. É verdade que o passe é uma imposição magnética, mas se o reduzirmos a essa pobreza, então estamos a fazer qualquer outra coisa, Reiki, gestos técnicos mecanizados, etc.

Sem uma prece verbal e sem que se encare o passe como uma outra forma de prece, não-verbal, ele já não é passe, mas todas essas coisas que para aí se fazem. E como o amor não tem moda, o passe obedece ao modo como o passista sente que o deve dar. Felizmente não há técnicas universais de dar passes, tal como não há preces pré- estabelecidas. Cabe ao médium passista escolher as palavras da sua oração e o modo como vai impor as mãos. É sempre o coração que dita as regras e não os modos; é ele e só ele o responsável pela sua eficácia.

Assim, há que perceber que não são as modas/técnicas que dão passes, mas os médiuns, que dispõem do seu magnetismo em prol do bem-estar do outro. Nem Jesus impôs técnicas, limitando-se a pedir “Curai os enfermos, ressuscitai os mortos, limpai os leprosos, expeli os demónios; dai de graça o que de graça recebestes.” (Mt 10: 8). Como?... Tal como não disse que os apóstolos estavam à mercê de forças ocultas. O trabalho de Jesus não foi impor métodos nem dar respostas, mas abrir caminhos, alargar os horizontes de esperança.

Lamentavelmente, e descurando o que a Doutrina ensina, muitos encaram o passe como uma comunicação com o além, de forma que é o “outro mundo” que dita as regras. Ora, o além não dita coisa nenhuma, nem nós devemos obedecer aos Espíritos. Estes também precisam de trabalhar connosco para evoluir, e nós não somos infalíveis para nos depositarmos incondicionalmente nas suas mãos, igualmente falíveis como nós, e por vezes até mais. O nosso discernimento é débil, a razão enganosa, os nossos cálculos estão dependentes de uma infinidade de factores, a maior parte passando-nos completamente ao lado, e os Espíritos são “(…) as almas, despidas do seu invólucro corporal, daqueles que viveram na Terra ou em outros mundos..” (O que é o Espiritismo, p. 153). E, mais à frente, o codificador acrescenta, “Não sendo mais que as almas dos homens, os Espíritos não adquirem a perfeição logo que deixam o envoltório terrenal. Seu progresso só se faz com o tempo, e não é senão paulatinamente que se despojam das suas imperfeições, que conquistam os conhecimentos que lhes faltam.” (idem, p.157).

Os Mentores dos grupos espíritas não são agentes ao serviço dos passes, mas trabalhadores como nós. Não temos acesso às altas falanges, esses Espíritos também não. Logo os passes são assistidos por Entidades em tudo semelhantes a nós. E se assim for já temos muitas graças que dar a Deus. Se com tão pouco discernimento já se faz o que se faz, não conseguimos imaginar as maravilhas dos mundos acima do nosso.
Verificamos também, com grande pesar, que, antes de iniciarem os trabalhos, não apenas mediúnicos, mas também as sessões de evangelização, os trabalhadores oram às Entidades da sua afeição. Eis um indício de situação obsessiva. Evocar os Espíritos, pronunciando os seus nomes, é expor-se a ser enganado. Qualquer Entidade relativamente séria alerta o grupo de trabalho para que não o faça, até para salvaguardar o grupo de cair em vaidosismos perigosos, pondo em risco a eficácia do passe.

Nem em Kardec, nem nos evangelhos é feito o apelo à oração a quem quer que seja. Somos herdeiros da mensagem de Israel, não o esqueçamos: o Deus único, sem representação figurativa, que alertou para não termos outros deuses além Dele, isto é, libertarmo-nos de subjugações/orações a outras divindades. Isto significa que não há força alguma que se Lhe imponha. Tudo o que precisamos só a Deus devemos pedir, só a Ele devemos orar, só a Ele devemos agradecer as dádivas maravilhosas que recebemos, entre elas a Vida.
Consideramos uma obsessão perigosíssima, uma descrença e mesmo uma heresia, começar os trabalhos com orações a Francisco C. Xavier, Bezerra de Menezes, aos Mentores da Casa, só para citar as Entidades/formas mais conhecidas e mais evocadas. O resultado é o que se vê. Cada vez mais os trabalhos mediúnicos estão a perder qualidade. Os médiuns estão cada vez mais fascinados, embevecidos com as suas capacidades mediúnicas e respectivas assistências espirituais. Assim, os passes estão cada vez mais ineficazes e os grandes casos ficam por tratar. É claro que não nos referimos aos poucos que ainda primam pelo kardecismo/cristianismo na sua versão mais pura, isto é, os que lutam por um trabalho dignificante, aquele em que muitas vezes temos de abdicar de nós mesmos.

Por outro lado, não devem acreditar nos bons resultados do passe. Os maus também fazem grandes prodígios. As evocações tenebrosas também surtem os seus “bons efeitos” para enganar. Há que saber discernir dos Espíritos pois “Amados, não creiais em todo o espírito, mas provai se os espíritos são de Deus. Nós somos de Deus; aquele que conhece a Deus ouve-nos; aquele que não é de Deus não nos ouve. Nisto conhecemos nós o espírito da verdade e o espírito do erro.” (I Jo 4: 1; 6) Seja qual for a mediunidade, estas passagens do Evangelho têm que estar sempre presentes. Até porque, dada a suma importância de que se reveste, o novo Testamento presenteia-nos com mais três passagens, (Mt 7:15-20; Mc 13: 5-6; Lc 6: 43-45). O leitor é livre de escolher o teólogo de que mais gosta, pois que os textos são diferentes e referem-se a públicos distintos. Pode também escolhê-los todos, pois no Evangelho as “contradições” são complementaridade. No passe, há que saber o que é o Bem, pois ele nem sempre está onde parece.

Cuidado com a vaidade mediúnica de que a fascinação é uma filha. Somos nada, tudo o que somos é passageiro, mutável, fugaz. O passe é trabalho purificador para quem dá e para quem recebe. Não há grandes passistas, mas gente que dedica com mais veemência o seu tempo e a sua prece em prol do bem-estar do outro. O médium é sempre um servidor, e isso é uma grande honra espiritual, uma graça de Deus. Manter esse merecimento, eis um grande desafio à nossa capacidade de persistência.

Em suma, na nossa opinião, falar de passe e de oração é a mesma coisa. As Entidades são necessitadas das nossas preces. Não são só as perturbadas, mas também aquelas que foram nossas companheiras de vida e que ficaram do outro lado, as que não conhecemos, as que estão neste mundo, o universo, enfim. É o que lemos, o que aprendemos, o que defendemos. Não há melhor saudação que uma prece. A sua maior ou menor abrangência é ditada por um coração que se universaliza em cada palavra de bem.

O passe é um simples contributo para o aligeirar das dores da caminhada, que é longa, mas que pode ser aliviada com uma gota de água de um pensamento fluidificado no recolhimento de uma prece a Deus Todo Poderoso.
Senhor, que as nossas mãos sejam bálsamos para quem delas necessita

Que as nossas preces sejam palavras benditas que conduzam ao Teu Reino

E que tudo o que fazemos seja em Tua honra Glória. Ámen
Margarida Azevedo.

Bibliografia

KARDEC, A., O que é o Espiritismo, FEB, RJ, 1987, pp. 153; 157.
Não citada

KARDEC, A., O Livro dos Espíritos, CEPC, Lisboa, 1984, p.219, q. n.º469.

__________¬_, O Evangelho Segundo o Espiritismo, CEPC, Lisboa, 1987, caps. XXI; XXVII, pp. 263-273; 309-321.

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