quinta-feira, julho 09, 2009

MORTE É FELICIDADE XL


A PROBLEMÁTICA DA MORTE NO EVANGELHO

(CONTINUAÇÃO)

c) a matança dos inocentes

Este episódio é talvez dos mais problemáticos da temática em análise. Se o Evangelho é um corolário de perdão, se Jesus Cristo veio trazer uma noção de amor que passa pelo esquecimento das ofensas, por que não foram perdoados os que mataram tantas crianças, que provocaram tanta dor, tanto sofrimento àqueles pais que, de um momento para o outro, se viram sem os seus filhos de tenra idade?
Outra questão: Por que foi permitido, tendo como origem a realeza espiritual de Jesus, que fossem assassinadas tantas crianças? Como pode um ser que vem falar de amor, e ser o Filho de Deus muito amado, simultaneamente ser causador de tanto sofrimento, principalmente junto dos mais fracos, indefesos, pobres, isto é, aqueles que irão ser precisamente parte significativa do alvo da sua mensagem? Visto de outro modo, como é que para salvar Jesus, apenas uma criança entre muitas, se matam tantas outras? Isto não mancha a mensagem de amor? Isto não é uma forma de fazer justiça, duvidosa justiça, tendo como carrasco o poder do império romano na pessoa de Herodes? Não é uma forma de manipular a opinião do povo face ao grande império?
Vejamos como o Espiritismo responde a estas questões.
A vinda de Jesus envolve-se ela mesma nas teias do mistério, por meio dos próprios reis magos que seguiam uma hipotética estrela muito brilhante, a qual lhes indicava o caminho para o local onde Jesus nascera. Que estrela seria essa? É importante analisá-lo para melhor compreender a decisão de Herodes. Para isso, tomemos em atenção a seguinte passagem de Mateus:

“Tendo Jesus nascido em Belém da Judeia, no tempo do rei Herodes, chegaram a Jerusalém uns magos vindos do Oriente. ´ Onde está o rei dos Judeus que acaba de nascer ? _ perguntavam. Vimos a Sua estrela no Oriente e viemos adorá-Lo´. Ao ouvir tal notícia, o rei Herodes perturbou-se e toda a Jerusalém com ele.”(Mt 2, 1-3).

Pergunta-se: Terá sido mesmo uma estrela o que efectivamente apareceu no firmamento? Holger Kersten responde: “(...) se tivesse realmente surgido alguma constelação especial naquela ocasião, seria hoje detectada facilmente pelos computadores.” (1989, p.99). E mais adiante acrescenta: De acordo com a crença popular da época, no momento em que nascia uma pessoa, nascia também uma estrela no céu.” (ibid., p. 101).
De facto, no texto de Mateus é dito “vimos a Sua estrela.”, o que dá a entender que há uma certa familiaridade entre o nascimento e as estrelas, entre certos fenómenos do firmamento e a encarnação, facto que se tem perpetuado até aos nossos dias. Repare-se que as expressões “a minha boa estrela”, “a minha estrela protectora”, “há sempre uma boa estrela na vida”, entre outras, continuam muito comuns na vida quotidiana, como representativas da crença entre o sujeito e a sua relação com os aconteceres celestiais.
Se alargarmos este facto à crença nos astros, então estamos perante um fenómeno tão antigo que se perde na noite dos tempos. Digamos que Jesus também tinha a Sua protecção dos astros, nasceu em determinado signo do zodíaco, num momento, do ponto de vista estelar, crucial para a história da humanidade. Desta forma, marcou decisivamente o calendário, a contagem do tempo entre antes e depois da Sua vinda, retratou atitudes morais, alargou o nosso aparelho conceptual baseado em sentimentos relativamente ao modo como nos colocamos perante Deus, definiu o amor como sentimento da máxima transcendência, introduziu no coração dos homens o conceito de perdão como algo infinito, cultivou a fé, a esperança e a caridade como as grandes alavancas do Espírito, as únicas capazes de superar o sofrimento.
Mas tudo isto, que só viria a ser feito muito mais tarde, careceu ou foi previsto através de uma estrela no céu, indicadora do caminha para o Messias, o Grande Salvador? Kardec, numa outra perspectiva que não a do teólogo Kersten, mas perfeitamente complementares entre si, afirma: “O certo é que, naquela circunstância, a luz não podia ser uma estrela. Na época em que o facto ocorreu, era possível acreditassem que fosse, porquanto então se cria serem as estrelas pontos luminosos pregados no firmamento e susceptíveis de cair sobre a Terra; (...)
Entretanto, por não ter como causa a que lhe atribuíram, não deixa de ser possível o fato da aparição de uma luz com o aspecto de uma estrela. Um Espírito pode aparecer sob forma luminosa, ou transformar uma parte do seu fluído perispirítico em foco luminoso. Muitos fatos deste género, modernos e perfeitamente autênticos, não procedem de outra causa, que nada apresenta de sobrenatural.” (1977, p.312).
O que é o fluido perispirítico?
Para isso, tomemos em atenção o fluido cósmico universal, isto é, a matéria elementar primitiva a qual tem a capacidade de se transformar e modificar. Ora, este tem a capacidade de se apresentar em dois estados distintos: o de eterização ou imponderabilidade e o de materialização ou ponderabilidade. Cada um destes estados é responsável pelos fenómenos espirituais, os do mundo invisível, e o segundo aos do nosso mundo terreno. Estes pertencem ao mundo da Ciência, os primeiros ao mundo psíquico, sobre os quais o Espiritismo se debruça uma vez que se envolvem na vida do Espírito.
Quando estamos encarnados, estes fenómenos psíquicos apresentam-se “materializados”, não querendo com isso dizer que percam capacidades, que estejam mais limitados, mas apenas que usam o fluido perispirítico segundo uma apresentação que passa pelas leis naturais relativas ou particulares ao nosso planeta, como por exemplo a nossa capacidade mental. Sendo as ondas mentais a maior de todas as forças, nada é maior que a força do pensamento, o fluido perispirítico apresenta-se segundo os parâmetros dessa mesma evolução. Por outras palavras, um Espírito primário não pode usar o perispírito como um Guia orientador de um grupo de Espíritos.
No entanto, a diversidade evolutiva dos encarnados é responsável pelo que habitualmente se chama de milagre ou fenómeno incomum. Desconhecendo as leis que lhe estão de base, são tidos como extraordinários os fenómenos que apresentam nuanças que fogem da alçada da leitura comum da Ciência, mas que são tão corriqueiros como quaisquer outros, sujeitos às mesmas leis, sujeitos a experimentação, colocação de hipóteses, matematizáveis.
De tudo o que o fluido cósmico universal produz, o mais importante é o fluido perispirítico, ou corpo dos Espíritos. Ele é matéria como o nosso corpo carnal, apenas se trata de uma variante ou um estado diferente de apresentação da mesma. Segundo os mundo em que o Espírito vive, assim ele extrai o perispírito (corpo semi-material), dependendo do seu progresso moral. Podemos dizer que o fluido perispirítico extrai daí, igualmente, os elementos necessários para tomar as diversas aparências de acordo com a sua vontade. E assim toma as mais diversas aparências, consoante as necessidades. No caso de Jesus, a Entidade tomou a aparência de estrela pois que, desse modo, seria mais facilmente percebida,· dada a mentalidade da época.
Temos assim a perspectiva espírita, que podemos sintetizar deste modo, não apenas como interpretação pessoal da passagem acima referida da obra A génese, mas também com base nas comunicações espirituais recebidas em Centros.
Não houve qualquer fenómeno extraordinário no céu, a quando do nascimento de Jesus. É certo que, tratando-se de uma encarnação tão sublime, algo se supõe que deva acontecer para a receber. Todos nós, quando esperamos uma visita, preparamos as nossas casas o melhor que podemos. Compramos flores, preparamos uma refeição com mais aprumo, pomos sobre a mesa uma toalha mais bonita, no rosto um sorriso de felicidade.
O mesmo aconteceu com Jesus. Ele não veio à Terra por meio de alarido, nem com pompa. Preparou para nós a Sua casa de Amor, enfeitou-a com as Flores da Tolerância, convidou-nos para o Banquete da Palavra de Deus e sobre a Mesa da Paz dividiu o Pão e abençou-o. No rosto, o sorriso da Fé, Esperança e Caridade como os grandes estandartes do Espírito.
Quanto ao modo como foi recebido, nada tem a ver com fenomenologia mágica, apenas com o mais comum dos acontecimentos. Não foi o extraordinário que O marcou, mas o comum. Se por meio Dele o homem, tão fraco e tão ignorante, pode atingir Deus, de igual modo o comum que o caracteriza pode ser extraordinário. Numa simples manjedoura pode nascer um grande homem.
No entanto, a Sua vinda foi preparada como não foi a de mais nenhum dos grandes homens da Terra. Profetas houve que O antecederam e que tiveram como missão, entre outras, alertar para a vinda de um salvador, alguém verdadeiramente superior.
Por outro lado, a estrela a que se refere o texto mais não é que uma Entidade que tomou aquela forma. Todos temos os nossos Guias espirituais, as nossas companhias do Além. Jesus também as tinha. Aliás, a preparação para a Sua vinda, no Astral, foi exaustiva e demoradamente preparada. É natural que, ao encarnar, essa força permanecesse com Ele e se manifestasse, o que não choca a razão pois não são poucas as referências a manifestações de anjos, quer em sonhos, quer durante a vigília.
Todavia, sobre este ponto, cremos que não vale a pena perdermo-nos em questões sobre o modo como o Além se comportou face a esta encarnação tão sublime. Tudo o que disséssemos não passaria de mera conjectura. A sublimidade de Jesus é uma realidade que continua a escapar-nos. Apenas podemos falar do que se passou na Terra e para isso temos os magos. Sábios e versados em astrologia e matemática, eram igualmente exímios na magia. Foram eles que, na altura, melhor compreenderam a magnanimidade de Jesus. Saliente-se que a magia dos magos em nada tem a ver com o que entendemos hoje. Na altura, tratava-se de altos estudos através dos quais se conseguia prever acontecimentos, interpretar fenómenos, explicar ocorrências, isto é, ciência. Na época, os sábios eram chamados de magos, o que significava aqueles que detinham os conhecimentos profundas da Natureza. “No texto grego original, os sábios eram designados pelo nome de magoi ( magus refere-se a um sacerdote persa seguidor de Zoroastro; é aí que têm a sua origem os nossos termos mágico, magos).” (KERSTEN, H., o.c., p. 102. Sublinhado do autor).
Só por curiosidade, duvida-se que os magos tenham sido reis. Se hoje ainda chamamos bruxo a alguém que sabe muito, também chamamos rei ao que é detentor de alguma particularidade, nomeadamente artística: temos o rei da música rock, pop, etc. Desta forma, é natural que chamassem reis aos magos, isto é, àqueles que consideravam sábios. “Quem acrescentou, pela primeira vez, a palavra ´reis´ aos magos da história bíblica foi Cesário de Arles, no século VI.” (ibidem.)
Retomemos o fio da nossa reflexão. Diz o texto de Mateus que Herodes e toda a Jerusalém ficaram perturbados com a notícia dada pelos magos. Isto é indício de que ninguém sabia da natureza espiritual de Jesus e que, ao ouvir falar de um rei, o povo ficou incomodado e Herodes, segundo a lenda, sentiu receio que algum soberano lhe viesse tirar, ou disputar a coroa.
Do ponto de vista espírita, isto é mais complexo. Para o compreender temos de tomar como ponto de referência a seita judia, os essénios. Fundada no ano 150 a. C., no tempo dos Macabeus, era um movimento cujos membros viviam em mosteiros, tendo normas morais e religiosas muito precisas. Defendiam a imortalidade da alma, o amor eterno a Deus, criam na ressurreição, eram pacifistas e faziam votos de celibato.
De moral austera, eram o oposto ao comportamento e a tudo o que Herodes defendia Esperavam ansiosamente a vinda de um rei, isto é, um salvador para os libertar da tirania do rei. Este via-os como uma ameaça constante. “Hoje, sabemos que o mosteiro de Qumran, ao lado do Mar Morto, ficou abandonado durante dez anos, porque os seus habitantes foram banidos por Herodes, o Grande. Esta pode ser uma das causas do ódio do rei que o levou a ordenar a morte das crianças.” (KERSTEN, H., o.c., p.103)
Mas não só. Mandar matar as crianças até dois anos, concretamente, tem a ver com o facto de quando os magos chegaram a Jerusalém, Jesus deveria já ter uns dois anos de idade, “(...) Júpiter já deveria estar no segundo ano da sua conjunção com Saturno, e assim Jesus teria nascido provavelmente no ano 7 a. C.” (ibid, p. 101). Isto parece razão suficiente para que Herodes mandasse matar todos os meninos recém nascidos até à idade de Jesus idade.
Porém, isto é uma forma relativamente simplista de apresentar o ódio do rei pela seita essénia, profundamente reservada nos seus estudos, discreta nos seus saberes, iniciada nos mistérios ocultos. Ansiando e prevendo a vinda de um messias, juntamente com o alarido em torno das palavras dos magos, a Entidade com aspecto de estrela, ou do que fosse, incomodaram profundamente Herodes, que assim se via ameaçado no seu poder, mas também a própria seita que, impaciente, desejava ver-se protegida por alguém vindo do outro mundo e que a defendesse da mão do rei.
De facto, não era propriamente apenas contra Jesus que Herodes se insurgiu, mas também contra a ameaça que Ele representava pela voz dos essénios. Em verdade, eram estes o seu alvo, era em sua direcção que estava apontado todo o seu ódio. Quanto a Jesus, “É muito provável que a criança de quase dois anos, ao ser encontrada e visitada, estivesse sob a guarda de pessoas que sabiam a origem divina do menino.” (ibid., p. 102).
Posto isto, já temos a linha condutora da nossa reflexão: Será ou não este um dos episódios que poderiam manchar a mensagem de Jesus? As crianças massacradas, seriam mesmo inocentes? Este é um dos pontos capitais da leitura espírita desta passagem do Evangelho. A mensagem de Jesus não sai manchada, uma vez que Ele é parte significativa do alvo de perseguição, e porque as crianças não podiam ser inocentes. Quem era, então?
Seres portadores de um forte peso kármico, extensível às respectivas famílias. Lembremos que as crianças em nada são crianças, a não ser no corpo. O Espírito não é criança. O sacrifício dos “inocentes” é uma forma de pagamento de débitos passados como outra qualquer. Ela aconteceu, foi narrada num documento da época, por essénios contemporâneos de Jesus.
Espiritualmente, sabemos que nada acontece que tenha a ver com injustiça, mas com situações pontuais oriundas de acções praticadas no presente ou no passado mais ou menos remoto. Desencarnar na infância choca-nos sempre, principalmente quando em situações de guerra ou tortura, massacre, etc. No entanto, para o Espírito desencarnante isso é um alívio.
O modo ou processo de desencarnação é sempre mais ou menos doloroso para o Espírito consoante o progresso moral do mesmo, e isso independe da idade carnal. Saliente-se ainda que este ponto de vista é defendido, não apenas pelo Espiritismo, mas também pelas doutrinas reencarnacionistas em geral, com idêntica aplicação na passagem sobre a morte dos inocentes, no Evangelho.
Por fim, “Morto Herodes, um anjo do Senhor apareceu em sonhos a José, no Egipto, e disse-lhe: ‘Levanta-te, toma o Menino e Sua mãe e vai para a terra de Israel, porque morreram os que atentavam contra a vida do Menino’.” (Mt 2, 19-20).
O modo como a ocorrência está descrita dá a entender que houve uma vingança do Astral sobre os que atentavam contra o Menino. É muito possível que isso dependa da sensibilidade do leitor, mas há que perceber a passagem segundo um ponto de vista espiritual.
Dizemos comummente que os bons morrem mais cedo e que os maus cá vão ficando por mais tempo. Sem nos darmos conta, proferimos uma verdade insofismável. Os bons são os que já ultrapassaram a craveira espiritual do planeta, como tal vão encarnar em mundos mais evoluídos. Os maus são os que precisam de permanecer mais tempo nas teias da matéria, como processo depurativo, a fim de lhes ser prolongada a oportunidade que tiveram para vir pagar suas dívidas kármicas. Não se modificando com isso, são “puxados” do planeta, uma vez que de nada vale continuarem aqui.
Depois, após muito sofrerem no mundo dos Espíritos, e então tocados pelo arrependimento, regressam após uma preparação exaustiva, a fim de continuarem o processo que interromperam. Isto não significa que seja taxativamente assim, mas é isto que compreendemos das mensagens recebidas.
Assim, “morreram os que atentavam contra o Menino” não implica nem significaria nunca um acto de vingança espiritual, apenas que chegou ao fim o cumprimento kármico de uma etapa da vida social da comunidade, bem como a acção dos respectivos protagonistas ou agentes de sofrimento.
Quando nós falamos de vingança, esquecemo-nos de que só vamos até onde nos é permitido ir e que, portanto, a sua acção só recai naqueles que com esse sentimento se identificam. Os Espíritos superiores desconhecem a mesquinhez dos pensamentos turbulentos, e os inferiores só agem com a permissão dos superiores, segundo leis irrevogáveis. Podemos dizer que, em verdade, a vingança não é sua tarefa. São os seres encarnados que, na sua negatividade, afastam de si os bons Espíritos e chamam, com seus comportamentos e pensamentos trevosos, os de condição muito inferior, os quais, por sua vez, não querem por perto os superiores. No entanto, todas as acções e respectivas colheitas que implicam seguem sempre a lei dos afins e do merecimento.
Há que compreender que o Evangelho não é uma obra de magia, mas um texto cujo raciocínio é do foro do Espírito desencarnado e não do ser material que nós ainda somos. Percebê-lo na sua magnitude ainda não é para nós, muito embora os Espíritos estejam em contacto permanente com a Terra, no intuito de melhor nos esclarecerem quanto à profundidade de seus ensinamentos. Porém, não podem ir além das nossas capacidades cognitivas, ainda muito rudimentares.
· Ver: KARDEC, A., (1977), A génese, cap. XIV, pp. 273-288.

(Continua)

Barbara Diller

0 Comments:

Enviar um comentário

<< Home