sexta-feira, abril 03, 2020

JESUS,MESSIAS PARA OS CRISTÃOS,NÃO PARA OS JUDEUS



I

Entrar no universo do messianismo é mergulhar num dos grandes mistérios do Antigo como do Novo Testamentos. À partida, uma questão se impõe: Porquê a necessidade da vinda de um Messias? Porquê a vinda de um líder superior, quer para o universo do religioso, quer do político? Parece que tudo depende das condições históricas que oscilam entre cativeiro e libertação, questões territoriais, afirmação de uma espiritualidade baseada na crença num novo deus, abstracto e imaterial. As crises sociais, guerras e epidemias, uma catástrofes naturais, enfim, criam as condições para sobrevalorar a certeza de que um Messias é efectivamente uma necessidade urgente, isto é, um Enviado que venha repor a ordem.
O Messias desempenha, assim, a esperança na reposição da ordem pre-estabelecida, ordem toda de natureza divina. Dito de outro modo, se para os demais grupos religiosos o crente eleva o seu pensamento à Divindade para receber a tão desejada ajuda, geralmente baseada na negação da sua materialidade como um mal, ideia sedimentada pelo o neo-platonismo, com o messianismo temos o contrário; é imperioso que esse Deus sem nome nem forma, indizível e inefável, se mostre no rosto e carne  humanos através de um Enviado. Isto implica que a os humanos não podem rejeitar a materialidade, mecanismo complexo e instrumento das suas acções, porque é igualmente o meio de adoração, paradigma de intensas vivências espirituais; é porque tem corpo que o ser humano ora e adora; as subtilezas divinas, por sua vez, têm que descer dos seus mundos de transcendência e virem à carne, pois que fora dela o humano perde o sentido do divino (não para a maioria das correntes gnósticas). Eis um dos paradoxos da fé.
Ora a vida é um constante advento desta vinda, tão simplesmente porque o ser humano é um ser de problema. Aprender, reflectir e superar são os meios ao seu alcance. É aí que entram os profetas como vozes de uma fundura existencial, conhecedora da natureza humana. Por exemplo, com Jesus temos uma selecção natural, isto é, há uns e há os outros, há os pobres e os ricos, há os que aderem e  há os que rejeitam, há os que aprendem e os que não aprendem, há o sim e o não; não se trata da condição material do humano, mas da sua natureza íntima, aquilo de que ele é portador.
Ao estabelecer uma continuidade do Segundo Testamento face ao Primeiro, impõe-se um princípio de superioridade de Jesus face aos profetas anteriores, reduzindo a sua acção profética quase exclusivamente à pregação da sua vinda. Essa teoria cai na sua base uma vez que as profecias não eram feitas para uma distância tão grande no tempo. Por outro lado, as citações do Antigo Testamento na Bíblia Cristã vão no sentido de justificar a importância dos profetas,  e não de a minimizar. Lembremos duas passagens em âmbitos diferentes, mas contíguos: 1.“(…)ide, antes, às ovelhas perdidas da casa de Israel.” (Mt 10: 6), enquadrada imediatamente a seguir à eleição dos Doze, a quem foram distribuídas as tarefas de curar os doentes, ressuscitar os mortos, purificar os leprosos e, por fim, expulsar os demónios (v.8), e que remete o crente para o repensar o ensino profético herdado; 2. o episódio da o mulher cananeia que, tendo uma filha endemoninhada, lhe vem pedir misericórdia. Primeiro, Jesus não lhe responde, depois, diz-lhe “fui enviado apenas às ovelhas perdidas da casa de Israel.” (Mt 15: 24), episódio enquadrado relativamente às questões sobre  o puro e o impuro. Isto significa que Jesus dirige-se  a Israel, sem sombra de dúvida, querendo dar continuidade a um universo de esperança, que não foi iniciado por ele.
 Distante do evangelho judaico do autor de Mateus, o autor de Marcos apresenta-nos um Jesus que se recusa a ser Messias: “E ele continuava a interrogá-los: “Mas vós, quem dizeis que eu sou?”. Pedro responde-lhe:”Tu és o Messias.”. E ele admoesta-os: que a ninguém falem acerca dele!” (Mc 8: 29-30 *). Segundo o tradutor deste evangelho, a recusa de Jesus em ser o Messias deve-se ao facto de ele se recusar a ser um líder; o messianismo era um campo perigoso política e religiosamente onde uma multiplicidade de interesses se moviam de forma complexa e nebulosa. 
Entramos, assim, na complexa questão da identidade de Jesus. Os evangelhos não são nem biografias, nem retratos, nem nos oferecem uma identidade uniforme de Jesus: quatro evangelhos significa quatro representações diferentes.  Daí sermos conduzidos, inequivocamente, a não confundir o Messias com a identidade do homem que foi Jesus, tal como não se confunde a profissão de uma pessoa com aquilo que ela é.
Entretanto, vejamos, sumariamente, as questões relativas ao nascimento. Os grandes deuses humanizados da bacia do Mediterrâneo, de influência mesopotâmica e egípcia, eram, na maioria, filhos de um deus e de uma virgem, nasceram a 25 de Dezembro, morreram e ressuscitaram. Ora, não fazia parte dos planos do Judaísmo que o Messias fosse, semelhantemente, o filho de um deus e de uma virgem. Demarcando-se de algumas influências pagãs, o Messias seria um directo representante de Deus na terra, com funções precisas, quer no plano religioso, quer político, apontando para uma praxis acima do entendimento humano. Só assim faz sentido que a humanidade tenha que se  preparar para O receber. O Messias não cai do céu, não surge repentinamente. O messianismo implica a existência de uma era diferente de todas as vividas até então. Não surge num tempo qualquer. Igualmente, e numa sequência lógica, os seres humanos têm que o merecer, sob pena de  não ser reconhecido como tal. Esta preparação tão importante é condição sine qua non para que haja uma semelhança entre o humano e esta nova natureza, se assim nos podemos expressar; estar preparado significa estar próximo.
         Dissemos acima, “demarcando-se de algumas influências pagãs”, referimo-nos ao facto de que as influências pagãs mantidas situam-se ao nível das grandes temáticas helénicas, por um lado, e das práticas face ao manuseamento dos elementos da natureza, por outro.  
O importante a reter é que o Messias é um enviado, aquele que liberta da escravidão, da opressão do jugo pesado da dependência de outrem, é aquele que sedimenta uma identidade e com ela a afirmação vitoriosa de uma fé. É isto, sumariamente, em que consiste o Messias, para o Judaísmo. Pergunta-se: Jesus é isto?
(continua)

Margarida Azevedo
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Bíblia consultada:
Bíblia, Os quatro evangelhos e os Salmos, Conferência Episcopal Portuguesa Lisboa, 2019.
*Trad. Prof. Doutor Pastor Dimas de Almeida


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