JESUS,MESSIAS PARA OS CRISTÃOS,NÃO PARA OS JUDEUS
I
Entrar
no universo do messianismo é mergulhar num dos grandes mistérios do Antigo como
do Novo Testamentos. À partida, uma questão se impõe: Porquê a necessidade da
vinda de um Messias? Porquê a vinda de um líder superior, quer para o universo
do religioso, quer do político? Parece que tudo depende das condições
históricas que oscilam entre cativeiro e libertação, questões territoriais,
afirmação de uma espiritualidade baseada na crença num novo deus, abstracto e
imaterial. As crises sociais, guerras e epidemias, uma catástrofes naturais,
enfim, criam as condições para sobrevalorar a certeza de que um Messias é
efectivamente uma necessidade urgente, isto é, um Enviado que venha repor a
ordem.
O
Messias desempenha, assim, a esperança na reposição da ordem pre-estabelecida,
ordem toda de natureza divina. Dito de outro modo, se para os demais grupos
religiosos o crente eleva o seu pensamento à Divindade para receber a tão
desejada ajuda, geralmente baseada na negação da sua materialidade como um mal,
ideia sedimentada pelo o neo-platonismo, com o messianismo temos o contrário; é
imperioso que esse Deus sem nome nem forma, indizível e inefável, se mostre no
rosto e carne humanos através de um
Enviado. Isto implica que a os humanos não podem rejeitar a materialidade,
mecanismo complexo e instrumento das suas acções, porque é igualmente o meio de
adoração, paradigma de intensas vivências espirituais; é porque tem corpo que o
ser humano ora e adora; as subtilezas divinas, por sua vez, têm que descer dos
seus mundos de transcendência e virem à carne, pois que fora dela o humano
perde o sentido do divino (não para a maioria das correntes gnósticas). Eis um
dos paradoxos da fé.
Ora
a vida é um constante advento desta vinda, tão simplesmente porque o ser humano
é um ser de problema. Aprender, reflectir e superar são os meios ao seu
alcance. É aí que entram os profetas como vozes de uma fundura existencial,
conhecedora da natureza humana. Por exemplo, com Jesus temos uma selecção natural,
isto é, há uns e há os outros, há os pobres e os ricos, há os que aderem e há os que rejeitam, há os que aprendem e os
que não aprendem, há o sim e o não; não se trata da condição material do
humano, mas da sua natureza íntima, aquilo de que ele é portador.
Ao
estabelecer uma continuidade do Segundo Testamento face ao Primeiro, impõe-se um
princípio de superioridade de Jesus face aos profetas anteriores, reduzindo a
sua acção profética quase exclusivamente à pregação da sua vinda. Essa teoria
cai na sua base uma vez que as profecias não eram feitas para uma distância tão
grande no tempo. Por outro lado, as citações do Antigo Testamento na Bíblia
Cristã vão no sentido de justificar a importância dos profetas, e não de a minimizar. Lembremos duas
passagens em âmbitos diferentes, mas contíguos: 1.“(…)ide, antes, às ovelhas perdidas da casa de Israel.” (Mt 10: 6),
enquadrada imediatamente a seguir à eleição dos Doze, a quem foram distribuídas
as tarefas de curar os doentes, ressuscitar os mortos, purificar os leprosos e,
por fim, expulsar os demónios (v.8), e que remete o crente para o repensar o
ensino profético herdado; 2. o episódio da o mulher cananeia que, tendo uma
filha endemoninhada, lhe vem pedir misericórdia. Primeiro, Jesus não lhe
responde, depois, diz-lhe “fui enviado
apenas às ovelhas perdidas da casa de Israel.” (Mt 15: 24), episódio
enquadrado relativamente às questões sobre
o puro e o impuro. Isto significa que Jesus dirige-se a Israel, sem sombra de dúvida, querendo dar
continuidade a um universo de esperança, que não foi iniciado por ele.
Distante do evangelho judaico do autor de
Mateus, o autor de Marcos apresenta-nos um Jesus que se recusa a ser Messias: “E ele continuava a interrogá-los: “Mas vós,
quem dizeis que eu sou?”. Pedro responde-lhe:”Tu és o Messias.”. E ele admoesta-os: que a ninguém falem
acerca dele!” (Mc 8: 29-30 *). Segundo o tradutor deste evangelho, a recusa
de Jesus em ser o Messias deve-se ao facto de ele se recusar a ser um líder; o
messianismo era um campo perigoso política e religiosamente onde uma
multiplicidade de interesses se moviam de forma complexa e nebulosa.
Entramos,
assim, na complexa questão da identidade de Jesus. Os evangelhos não são nem biografias,
nem retratos, nem nos oferecem uma identidade uniforme de Jesus: quatro
evangelhos significa quatro representações diferentes. Daí sermos conduzidos, inequivocamente, a não
confundir o Messias com a identidade do homem que foi Jesus, tal como não se
confunde a profissão de uma pessoa com aquilo que ela é.
Entretanto,
vejamos, sumariamente, as questões relativas ao nascimento. Os grandes deuses
humanizados da bacia do Mediterrâneo, de influência mesopotâmica e egípcia,
eram, na maioria, filhos de um deus e de uma virgem, nasceram a 25 de Dezembro,
morreram e ressuscitaram. Ora, não fazia parte dos planos do Judaísmo que o
Messias fosse, semelhantemente, o filho de um deus e de uma virgem.
Demarcando-se de algumas influências pagãs, o Messias seria um directo
representante de Deus na terra, com funções precisas, quer no plano religioso,
quer político, apontando para uma praxis acima do entendimento humano. Só assim
faz sentido que a humanidade tenha que se
preparar para O receber. O Messias não cai do céu, não surge
repentinamente. O messianismo implica a existência de uma era diferente de
todas as vividas até então. Não surge num tempo qualquer. Igualmente, e numa
sequência lógica, os seres humanos têm que o merecer, sob pena de não ser reconhecido como tal. Esta preparação
tão importante é condição sine qua non
para que haja uma semelhança entre o humano e esta nova natureza, se assim nos
podemos expressar; estar preparado significa estar próximo.
Dissemos acima, “demarcando-se
de algumas influências pagãs”, referimo-nos ao facto de que as influências
pagãs mantidas situam-se ao nível das grandes temáticas helénicas, por um lado,
e das práticas face ao manuseamento dos elementos da natureza, por outro.
O
importante a reter é que o Messias é um enviado, aquele que liberta da
escravidão, da opressão do jugo pesado da dependência de outrem, é aquele que sedimenta
uma identidade e com ela a afirmação vitoriosa de uma fé. É isto, sumariamente,
em que consiste o Messias, para o Judaísmo. Pergunta-se: Jesus é isto?
(continua)
Margarida
Azevedo
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Bíblia consultada:
Bíblia,
Os quatro evangelhos e os Salmos, Conferência Episcopal
Portuguesa Lisboa, 2019.
*Trad. Prof. Doutor
Pastor Dimas de Almeida
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