A DIABOLIZAÇÃO DISFARÇADA DAS COMUNICAÇÕES ESPIRITUAIS
“Tu que amas a
Deus, mantém viva e atenta a tua inteligência! Bem precisas disso, pois ao
viveres a profundidade da oração, ao te sentires, como orante, profundamente
imerso nesse mundo espiritual, pode acontecer-te ver uma luz, ou um fogo (fora
de ti ou dentro de ti) ou até mesmo a assim chamada figura de Cristo, ou a de
um anjo, ou a de um santo – pois bem, quando isso te acontecer, rejeita o que
vês.”(!)
Falar de falsos profetas já não
resulta, remeter para o Evangelho ou para os profetas, a mesma coisa. Fechados
no seu casulo, os grupos espirituais, que deviam ser uma lufada de ar fresco no
actual contexto socio-político, pelo contrário, dão largas ao egoísmo das suas
práticas, desculpando-se com o karma ou com o merecimento sequencial a vidas
passadas.
Este círculo fechado, com resposta
para tudo e mais alguma coisa, considera-se a chave-mestra que abre todas as
portas deste labirinto que é a vida humana. Ao invés de apelar à modificação
interior e esquecer de vez o pretérito, agradável e necessariamente esquecido
por misericórdia divina, estão a inventar-se, mediante um fanatismo exacerbado,
seres de carne e osso tão superiores e tão conhecedores do seu passado, com
tanta certeza e afinco que nem têm a noção do ridículo.
O que é que vem acrescentar à
humanidade saber que um homem que viveu na terra há bem pouco tempo foi Platão,
Descartes, Francisco de Assis, e de mais umas quantas celebridades deste belo
planeta? E ainda que fosse verdade, tornar-se-ia imperioso silenciar, aquele
silêncio que só a humildade conhece.
É que não basta estar em oração. Muitas
vezes, o recolhimento e a introspecção (se é que isso existe ou é possível),
enganam-nos. Um grupo em que todos dizem o mesmo não significa um grupo unido
pelo mesmo ideal. O mesmo ideal é a confluência de uma multiplicidade de
ideias, o contrário de um bando de papagaios.
É bom lembrar que o espelho engana-nos, é
assim na dança e é em tudo na vida. Nós só vemos o que queremos ver, geralmente
o que nos agrada. Os grupos de trabalho espiritual estão cheios de armadilhas, algumas
até relativamente disfarçadas, bem formuladas, cheias de lógica, léxico do mais
fino gosto, como: paz, muito amor (isso não pode faltar), muito Jesus, muito
Deus, enfim. Porém, há sempre um que, nesses grupos, habitualmente fala, fala e
fala, psicótico e narcísico quão enraivecido, ou muito santinho de voz turva de
emoção, que gosta muito de se ouvir e de se impor. É o iluminado, director
espiritual lá do sítio, de tal forma que, se alguém o contrariar, aqui d´el-rei,
cospe veneno ou deita com as chaves do centro espírita ao chão, como já
aconteceu.
Ora
podemos estar sós em grande momento de meditação e oração; podemos estar
acompanhados, unidos em um mesmo ideal e a partilhar idêntica perspectiva,
porém, isso não garante sucesso, libertação das negatividades, espiritualidade
assertiva. Aquilo que não se vê, o pensamento, a intenção, o objectivo, enfim,
são decisivos para o desfecho dos trabalhos.
Torna-se imperioso perceber que é na
diferença que encontramos a verdadeira reflecção. O outro é sempre a maior
riqueza para uma vivência rumo a uma sociedade mais espiritualizada, e a um
consequente alívio do sofrimento.
É bom ter presente que não são as
palavras da oração que nos trazem a boa companhia espiritual que tanto se
deseja, mas o coração que as pronuncia. Para Deus não há deuses, nem Espíritos,
nem homens nem mulheres à parte, superiores e alvo de especial atenção. A
dificuldade em viver uma espiritualidade igualitária tem sido a maior barreira
ao triunfo de uma espiritualidade libertadora. O ser humano persiste nesta
dualidade escravizadora de bons versus maus, classificação traçada à luz dos
seus parcos recursos tanto de fé como de razão.
Tomemos o exemplo de Jesus: as suas
referências, os seus paradigmas, os seus modelos são os rejeitados da
sociedade; as suas multidões eram plurais. Isto significa o contrário do
secretismo humano, da implementação do delírio, do ilusório, do fantasioso. As
palavras de Jesus, os Evangelhos e os profetas são agentes do futuro, não do
passado. O passado já lá vai. Ele não é um justificativo, uma desculpa, uma
origem para tudo o que fazemos e dizemos. O passado é uma interrogação sem
resposta porque esta anda perdida nas teias do esquecimento.
Os crentes falham não apenas porque
estão dependentes dos sacerdotes, pregadores, mestres, místicos,
ancestralidade, etc., porque acreditam que eles são pessoas especiais, dotadas
de capacidades sobre-humanas a quem tudo é possível, porque estão numa relação
directa com Deus. Só que em relação directa com Deus estamos todos, basta
queremos.
Quanto ao esquecimento, muitos não
querem aceitá-lo. Parece que há uns mais esquecidos do que outros. O pior é que
há quem acredite. Estamos na antítese da Doutrina Espírita. É deplorável.
Margarida Azevedo
Referências:
(1)
Pequena FilocaliA; Paulinas, Prior
Velho, 2017, S. Gregório, O Sinaíta,
§ 10, pp.717-718, trad. Dimas de Almeida.
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