sábado, abril 11, 2020

JESUS,MESSIAS PARA OS CRISTÃOS,NÃO PARA OS JUDEUS II




Fazer  de Jesus o Messias é atribuir-lhe uma identidade dependente de uma função sobre a qual jamais houve consenso entre os autores dos evangelhos, e simultaneamente onde coexistem uma multiplicidade de aspectos em confluência, vindos das diversas comunidades, nomeadamente pagãs. Trata-se de uma identidade construída sobre o quadro simbólico das doutrinas vigentes, com os seus interesses próprios; ergue-se igualmente enquanto processo interpretativo baseado em fé de raízes ancestrais.
 O que são, na verdade, os quatro evangelhos? Não são obras narrativas em directo, mas textos interpretativos, construídos para as respectivas comunidades, utilizados nas suas liturgias, póstumos, isto é, tardios face à crucificação, e que traçavam uma imagem de Jesus segundo as necessidades dessas mesmas comunidades.
Assim, dentro e fora do Judaísmo e do Cristianismo, o Messianismo levanta grandes questões existenciais: Para onde caminhamos, talvez a mais incisiva; por ouro lado, crer no messianismo o que acrescenta à nossa condição existencial de humanos finitos, limitados, dependentes da intervenção de forças superiores na nossa vida? De que forma o messianismo dispõe uma resposta ao dramático quão misterioso viver humano? Estamos no universo profundo da fundura antropológica, existencial, ontológica.
Para o crente judeu, abre brechas, desvenda qualquer coisa; maximizado, ele é voz da eternidade que desce para pôr fim ao jugo pesado da escravidão. O Messias, o seu agente directo, portador da força de Deus, faz parte de um processo escatológico. Por isso, a Páscoa tem uma dimensão muito profunda, responsável pela construção de um universo de esperança sem precedentes (ao tempo de Jesus, o grande episódio marcante da saída do Egipto tinha acontecido há mil anos). Do Egipto para o Monte Sinai constrói-se uma geografia teológica baseada numa libertação total, que, embora na Terra, é eterna, o que aconteceu  não vai voltar; o conceito de Terra Prometida impõe-se escatologicamente na medida em que o plano terreal é elevado ao estatuto e pertença de eternidade; o Messias virá quebrar o ciclo da vida; fim da História.
Para o crente cristão, o Messias é um Salvador. Mas de onde vem esta nova característica? O Messias Salvador não é judaico, mas pagão, de influências siríacas, gregas e egípcias: das religiões de mistérios, do helenismo; é libertador, o que lhe vem directamente do Judaísmo; tem características essénias, na crítica a determinadas práticas do Judaísmo, sobretudo do essenismo siríaco de Damasco, (cidade onde Paulo será convertido a Jesus), de essénios helenizados; influência de filosofias platónicas, como é o caso da escola de Fílon de Alexandria. A estes mistérios estão ligadas doutrinas de imortalidade e da vida eterna, isto é, ser iniciado, por exemplo, é garantir a eternidade numa felicidade sem fim, para a qual é fundamental a prática da virtude. O Cristianismo emergente da confluência destes grupos é uma religião sincrética. Porém, não é demais lembrar, não confundir o judeu Jesus com a religião que surgirá mais tarde.
Por outro lado, do mundo pagão faziam parte também os judeus da diáspora, helenizados, influenciados pelas teorias gnósticas e de mistérios e consequentes vivências. Só em Jerusalém vamos encontrar um Judaísmo puro, que se opunha vementemente às influências externas, sobretudo pela mão dos zelotas.
Assim, longe de anulada, a questão do mito está sempre presente nas influências e contágios religiosos, e hoje já poucos restam que persistam no contrário, felizmente, sejam elas judaicas, pagãs ou cristãs. O mito não é uma fraqueza, uma negatividade nem um mal a abater. O mito é uma narrativa que conta uma história das origens que de outra forma não se consegue contar. A mitologia pagã está tão viva nos primórdios do Cristianismo como hoje.
Do lado dos judeus, o Messias vinha da linha directa da casa de David, não era Deus em carne e osso porque Deus é uma transcendência, não se materializa, não pode descer à condição humana. Dos grupos zelota, farizaico, essénio, escriba, sobressaem os farizeus, grupo a que Jesus pertencia, desempenhando um importante papel cultural e de apoio social. É o Judaísmo que vai sobreviver ao dramático ano de 70, que se estendeu até aos nossos dias, sem terra (hoje já não), sem sacerdotes ( o rabino não é um sacerdote mas um mestre de doutrina, professor) e sem rei,
Do lado dos cristãos, a nova concepção de Messias sintetiza um novo sincretismo, a saber, a fusão do Judaísmo, um Libertador, quer  no sentido religioso como político (inseparáveis), e o do Paganismo,  um ser imaterial, filho de um deus e de uma virgem, um Salvador. Por outras palavras, estabelece-se uma relação de contiguidade, ou complementaridade, parceria, talvez mais correctamente, entre o monoteísmo e o politeísmo, o que não era nada bem visto pela comunidade de Jerusalém (principalmente Zelotas).
O Messias judeu não vem para santificar. Isso é trabalho dos crentes, o que significa que vem para os que se demarcarem na luta por um mundo melhor, à luz do cumprimento da Lei. Terá que haver uma melhoria das condições materiais de existência, progresso científico, literário, artístico e religioso.
Mas a História é a sequência de eras, tempos, momentos que se encadeiam numa trama que parece não ter fim. Em todas a humanidade espera uma mudança radical. Dito de outro modo, o humano vive apocalipticamente: a fé, os profetas, a Lei, a História, Deus, enfim, são apocalípticos; todos são portadores de um fim: da fé, dos profetas, da Lei, da História, de Deus. Apocalípticos porque há uma nova era messiânica esperada há muito: uma nova fé, uma releitura dos profetas, um outro entendimento da Lei, da História, um sentido novo de Deus, e isso só o Messias possui. Como chegar a esta nova vida, nova fé, novo Deus? O mesmo é perguntar: Como chegar ao fim?
Na continuidade da linha sapiencial, o Messias será alguém que fará descer algo para que algo suba. Quanto aos cristãos, vão introduzir a novidade de um Messias sofredor, um crucificado, impensável e inaceitável para os Judeus. Por outro lado, as comunidades grego-judaicas vão aderindo á nova religião, ressaltando o importante papel de Antioquia, de forma que os judaizantes, pagãos a quem era permitida a entrada nos meios judaicos, e que traziam consigo os conceitos poderosos de divindade e de espírito, de características universais, logo mais abertos que o Deus bíblico. Porém, as influências foram mútuas: as questões pagãs, filosóficas, passaram a fazer parte da abordagem teológica judaica; a retórica a grande disciplina, numa valoração da linguagem como mecanismo de fé, não apenas filosófico.
Assim, segundo o que foi dito anteriormente, é impensável que Jesus tenha vindo para remissão dos pecados do mundo, porque somos nós os responsáveis pelos nossos actos; que tenha encarnado segundo uma concepção virginal e que Maria tenha permanecido virgem após o parto (o que vai ser introduzido muito tardiamente). É igualmente impensável que Jesus seja o próprio Deus encarnado. Logo, nesta perspectiva, não é o Messias. Mas não só. Jesus não veio liderar politicamente, não se impôs incentivando os ouvintes a uma revolta contra a potência invasora, Roma; era leigo; recusou-se a ser encarado como líder religioso; não foi uma espécie de guru com resposta pronta para todos os problemas. Desta forma, a grande questão impõe-se veementemente: Quem é Jesus? Esta é que é a grande questão.
(continua)
Margarida Azevedo
Bibliografia consultada
ASLAN, Reza, O Zelota, a Vida e o Tempo de Jesus de Nazaré, Quetzal, Lisboa, 2014.
FAU, Guy, A Fábula de Jesus Cristo, Edições Delfos, Lisboa, 1969.
MEIER, John P., Un Certain Juif, Jésus, Les données de L´Histoire, I Les sources, les origines, les dates, Cerf, Paris, 2005.
MENDONÇA, J.T., A construção de Jesus, A Surpresa de um Retrato, Paulinas, Prior Velho, 2015.
PUIG, Armand, Jesus, Uma Biografia, Paulus, Lisboa, 2006.
SACHOT, Maurice, A Invenção de Cristo, Génese de uma Religião, Editorial Notícias, Lisboa, 2000.
SANDERS, E.P., A Verdadeira História de Jesus, Editorial Notícias, Cruz Quebrada, 2004.
VIDAL, César, Jesus, o Judeu, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2011.







































0 Comments:

Enviar um comentário

<< Home