terça-feira, abril 25, 2023

O PERDÃO DE JESUS



 

“E perdoa-nos as nossas dívidas,

tal como nós perdoamos aos nossos devedores;

e não nos leves para sermos postos à prova,

mas livra-nos do iníquo.” (1) (Mt 6: 13-15)

              “E Jesus, vendo a fé deles, diz ao paralítico: ’Filho, os teus pecados estão perdoados’.” (2)

(Mc 2: 5)

“Nem eu te condeno. Vai. A partir de agora não voltes nunca mais a errar.” (1) (Jo 8:11)

 

            Os espiritas vivem demasiado ocupados com a fé raciocinada. Tudo tem uma explicação, científica, já se vê, e só ela tem o domínio do conhecimento de tudo quanto nos acontece. Sofrer, significa, portanto, ignorar a culpa, desconhecer por completo a raiz de todas as coisas. Quando esta é revelada pela razão, tudo fica mais fácil. Se descobrirmos, por exemplo, que fomos nós quem escolheu a tortuosidade do nosso próprio caminho, então mais fácil ainda, porque não temos de que nos queixar. Dito de outro modo, explicar significa anular, ou pelo menos aliviar consideravelmente o sofrimento. Será?

            Diz-se habitualmente que nada acontece por acaso. Mas, como aceitar a culpa de um facto desconhecido? Como justificar que o presente é totalmente o rosto desse passado mais ou menos remoto? Pode ser verdade, mas também pode não o ser. É arriscado generalizar e conferir à razão a responsabilidade da chave-mestra que abre todas as portas da nossa vida. Lembremos que temos três formas de explicar o real: a razão, a fé e o mito. Conseguimos claramente separá-las? Eis o grande dilema.

Lamentavelmente, a frieza e a inconsistência do excesso de racionalidade tem levado a que a fé seja encarada como um pormenor técnico: acreditar significa saber que tudo se enraíza no passado; que fomos nós que escolhemos as nossas próprias provas; que a vida é um processo de limpeza que só o sofrimento consegue realizar; por outras palavras, quanto mais sofrer melhor. Porém, Jesus disse: “ … Vinde até mim, todos vós que estais esgotados e carregados, e eu dar-vos-ei descanso. Levantai o meu jugo para vós e aprendei comigo, pois sou gentil e humilde de coração e encontrareis descanso para as vossas almas. Pois o meu jugo é brando e o meu fardo é leve.” (1) (Mt 11: 28-30) Jesus convida-nos a aprender com ele que é gentil e humilde de coração, se quisermos o descanso para a alma. Dito de outro modo, o bem aprende-se, e o bem é a capacidade de nos aliviarmos dos nossos pesados fardos. Esta explicação pela fé liberta-nos igualmente do Jesus milagreiro e conduz-nos ao Jesus todo amor.

 

No entanto, os espíritas enfatizam este propósito: “Se alguém quer vir atrás de mim, renegue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me.” (3) (Mt 16: 24), numa espécie de viva tudo o que me dá dor de cabeça; viva o cancro, a casa a arder e viver na rua, viva não ter nada, viva estender a mão à caridade, viva a guerra, as torturas e tudo o mais. É que, falar de sofrimento é fácil, cair nos exemplos concretos é que é difícil.

A nossa cruz significa carregar o fardo pesado, mas ainda mais a luta contra nós próprios, contra as nossas vis tendências, a começar pela defesa do sofrimento como processo catártico (gr. κᾰ́θᾰρσῐς, kátharsis). Carregar a cruz é carregar o que nós somos e não conseguimos combater; suportar uma natureza que ainda é deficitária de fé, de conhecimentos, de desapego de nós próprios; a cruz é o medo do outro porque é diferente; a cruz chama-se egoísmo, banalidade, indiferença; a cruz é “quero lá saber!”; é “perdão, nem vê-lo”.

            Ora o cristianismo do sofredor é uma falácia que já não faz sentido nos tempos que correm. Ninguém está interessado em saber de onde vem o sofrimento, mas em combate-lo. Vão longe os tempos do amor e uma cabana para ser feliz. Os conceitos de felicidade e de amor expandiram-se. É de liberdade que o ser humano está ávido, de estabilidade familiar, laboral, social. O ser humano nunca desejou tanto perder o medo de viver como hoje. Temos a sensação que de um momento para o outro algo nos pode cair em cima e esmagar-nos num ápice. É disso que se teme. Já não é a Deus que se teme, o karma, os Espíritos, mas a vida na terra, que se tornou drasticamente complexa. Tudo está periclitante, até o amor, que se tornou fugaz, trágico, incompreendido.

Quanto ao sofrimento é bem visível até onde nos leva: problemas psicológicos, ruptura da fé, ou fé doente baseada na superstição e no castigo divino, um autêntico grilhão em vez de força libertadora; problemas sociais de toda a ordem (são cada vez mais refugiados), miséria monetária e humana, agressividade e violência. É o sofrimento a gerar sofrimento ainda maior, sem se saber como sair dele. As organizações de solidariedade social sentem-se impotentes para dar resposta a tão grandes necessidades e necessitados. A sensibilização para a prática do bem ao próximo está na ordem do dia com o número crescente de voluntários.

Em suma, o planeta é um palco onde se jogam duas forças contrárias: a da destruição em massa de pessoas e bens, e a da construção e defesa da vida. Mercê das novas tecnologias, o planeta está unido, como nunca, na grande luta contra o sofrimento. E não será isso o gesto mais válido, a razão da nossa existência: a luta pela felicidade? Aprendamos com o humilde e brando de coração, e o deus do olho por olho dará lugar ao Deus todo amor e misericórdia.

(continua)

 

Margarida Azevedo

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(1) Trad. F. Lourenço.

(2) Trad. Dimas de Almeida.

(3) Trad. Conferência Episcopal Portuguesa

 

 

 

 

 

 

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