terça-feira, dezembro 28, 2010

E QUE DEUS OS MANTENHA LÁ !



A forma como os Centros espíritas, no geral, ou alguns grupos, em particular, encaram o problema da pobreza, faz uma certa confusão a quem estiver um pouco mais atento.
Por esta altura de Natal preparam-se os bodos, um pouco mais recheados, felizmente, numa azáfama bonita de ver. No entanto, em virtude dessa azáfama, ou do frenesim com que dividem o arroz e a massa, as bolachas e as salsichas, e tudo o mais, esquecem-se dos compromissos que estão calendarizados. Assim, e foi esta a informação que nos deram, no dia 18 do corrente mês, os sem-abrigo que habitualmente costumam receber os lanches sabáticos, oferecidos por um dos Centros de Lisboa, vão ficar sem ele porque o Centro fecha. E porquê? Imagine-se, porque está a preparar o bodo de Natal para as famílias carenciadas, entre outros necessitados. Isto é, se por lado estão a preparar o Natal de alguns, por outro retiram o lanche de outros por não saberem gerir as duas tarefas em simultâneo. E não só. O problema é mais vasto. Para não porem a trabalhar quem não querem, pois nem os chamam, vamos lá nós saber por que razões, preferem deixar os necessitados sem o lanche.
Pergunto: Em que ficamos? O que é que tem mais peso? O que é que fala mais alto: a falta de respeito e de amor entre os espíritas, ou os que precisam? É cristão sacrificar os necessitados aos caprichos infundados, sempre infundados, dos falsos espíritas? Falsos sim, porque aprendemos em 1Cor.13, 1-13, que caridade não é dar, caridade é dar-se, é estar ido ao outro. Há muitas formas de dar uma maçã, mas só uma é a verdadeira, aquela que dá com amor.
Se a preocupação com os mais necessitados fosse sincera e verdadeira, e com tanta gente disponível, os sem-abrigo do costume receberiam os seus lanches, sem prejuízo de tudo o que, nesta quadra, pudesse estar planeado.
Que pobres são estes? Aquilo a que chamamos “bodes expiatórios, os marginalizados pelos próprios Centros, aqueles a quem se dermos damos, se não dermos não damos.” São os rostos sem cor, os que não são olhados nos olhos. Dão-lhes porque fora da caridade não há salvação, e assim, à procura de luz, lá vão dando. Que Deus os mantenha lá, pois que assim, à custa deles têm garantido um lugar no céu. Onde está a dignidade do outro? Nem se pensa nisso.
Se nos responsabilizamos com determinada tarefa é para a levar até ao fim, o melhor que pudermos, se não podemos, por qualquer motivo, delegamos em quem o possa fazer. Pobres daqueles que impedem outros de realizarem as suas tarefas nos Centros, ou em qualquer outro lugar; pobres daqueles que se julgam detentores dos desígnios das tarefas, dos discursos, de todas as actividades em prol da sua vaidade ridícula, da sua desconfiança e inveja, da sua maledicência, das suas tendências, exibindo-se, enaltecendo-se, espalhando mau estar, olhando com desconfiança para os que os desmascaram. Pobres, enfim, todos aqueles que produzem belos discursos, que abraçam e beijam toda a gente nos Centros, que se vestem com pele de humildade, mas que, ao mínimo contratempo, espalham o veneno.
Não sendo capazes de discernir entre pobres e pobreza (que falaremos noutra altura), remetem, como é habitual, para a tão confortável lei do karma, que tudo explica e a tudo responde, fechando a porta a outras explicações, plausíveis e ponderadas. E como em todas as coisas, quem puser em causa o chavão “Isso vem de outras vidas” , candidata-se a ser posto na prateleira, como se diz agora, ou é expulso do Centro com maior ou menor subtileza. É assim que as coisas funcionam por cá. Ninguém quer aprender, ninguém quer obedecer. Todos sabem tudo, todos querem mandar.
Ninguém se lembra de que os pobres são gente, e que somos todos nós, em potência. Não são os pobres, são pessoas com menos recursos. Alguns não tiveram oportunidades, outros as cunhas para angariarem os melhores empregos, outros por timidez não conseguiram fazer valer os seus propósitos, outros porque perderam os postos de trabalho, outros porque se entregaram aos desgostos que a vida lhes deu. Tudo isto e muito mais são causas reais, dolorosas e que devemos respeitar. Foi assim que aprendi. Mas os espíritas, quase todos, digo quase porque ainda há os que se atrevem a pensar por si próprios, culpam-nos impiedosamente, atribuindo-lhes os maus pendores, a falta de força para saírem das dificuldades; apelidam-nos de gente com falta de fé, egoístas, ignorantes da vida espiritual. Esquecem-se de que nem todos somos assim tão fortes, tão cheios de luz e de sabedoria, tão cheios de força psíquica.
Esta frieza, e é o que eu observo, tem custado um alto preço aos espíritas. É que, ainda que possa haver alguma razão naquilo que dizem, o modo como o fazem é tão frio que tarde ou cedo os leva a vivenciar situações que de karmicas nada têm, mas que estão plenas de lições de vida.
E sobre esta questão, vou contar muito sucintamente uma história que se passou num Centro, há mais de vinte anos, e que nunca consegui esquecer.
O grupo de trabalho reunia a um dia de semana. Fazia o Evangelho após o que dava passes numa salinha à entrada. Uma das oradoras comentava com doçura, falava ao coração, mas sempre num objectivo de culpar dos seus males aqueles que procuravam o Centro, como sempre no intuito de encontrar um refúgio.
Numa sapiência mais ou menos disfarçada, dizia que todos eram responsáveis pela sua situação. Certamente tinham cometido grandes erros no passado e que agora, graças a Deus, estavam a pagar por tudo isso.
Ora bem, um belo dia, a senhora não compareceu aos trabalhos. Toda a gente ficou preocupada, pois não era vulgar a senhora faltar sem avisar. Assim, um dos trabalhadores do Centro resolve telefonar para saber o que se passava. A resposta do outro lado da linha foi assaz triste, o marido da senhora havia falecido de repente.
Quando, passado algum tempo, voltou ao Centro, não conseguia fazer os trabalhos. “Não tenho coragem de falar às pessoas. Estou revoltada. Tudo perdeu o sentido. A vida como que se desmoronou sobre a minha cabeça. Não sei o que vai ser de mim.” - dizia muito chorosa.
Esta senhora percebeu, pelo menos assim penso, a nossa posição de seres humanos. É que, quando a dor vem, vem mesmo, independentemente de raças, credos, posições sociais, e, é claro, do saber de que cada um se diz portador bem como do registo de fé em que se coloca. É que todos nós somos portadores de novidade, até no modo de sofrer. Cada um é, por si só, uma forma de solução irrepetível, singular, profundamente única. Podemos encarar as dores de forma diferente, mas elas estão lá, é apenas isso.
Às vezes dou comigo em cogitações do género: o que sei eu das minhas dores? Se cá se fazem e cá se pagam, que sei eu de causas e efeitos nas suas mais legítimas razões? Que sei eu das razões de Deus? Deus não é do tamanho da nossa racionalidade, por acaso tão mesquinha, tão fria e tão ingénua.
Falar é fácil, dizer aos outros que “a culpa é sua”, para alguns espíritas é um bálsamo, principalmente quando se deparam com a estupefacção de quem ouve, mas quando tudo lhes cai em cima …
E já agora, se tudo se paga, qual é o papel do perdão? E o do arrependimento? Se Jesus perdoou a quem o matou, porque não sabiam o que faziam, então o peso da ignorância tem que ser repensado, uma vez que desempenha um papel decisivo nesta atribuição de culpas. Por outro lado, se nós, tão ignorantes e tão deficitários de amor, perdoamos aos nossos filhos, o que não fará Deus!? Não sabemos.
Por vezes, procuramos não tanto uma explicação, pois ela, por mais que alivie, não apaga a cicatriz, não tira a dor. Para alguns espíritas, tudo se resume a uma explicação, uma verdade suprema que pensam ter no bolso. A sua explicação é a súmula de tudo o que há para dizer face ao sofrimento, e ao facto de certas pessoas serem muito pobres. Mas o interessante é que há quem não queira explicações. Como pessoas, como homens ou mulheres, como cristãos, como pertencendo a outro qualquer dos credos que por aí há, o indivíduo tem o direito de não querer quaisquer explicações, principalmente se crer que a verdade é Deus, só Deus tem a explicação última, a razão última, o amor no seu sentido mais pleno, ou simplesmente nem quer nada disso, perguntando, em última análise “Prove”…
A história que vos contei resume-se nisto: a oradora, que certamente se julgava acima de toda e qualquer ocorrência mais desagradável, percebeu que há verdades que o nosso discurso não diz, há razões que se sobrepõem aos factos e há factos que vão para além de todas e quaisquer razões.
Viva a vida com amor. Procure a Deus acima de todas as coisas, vai ver que
o seu discurso muda,
a sua vida muda,
o seu olhar muda,
o sentido da vida muda
você muda
logo, o mundo muda também.
Seja feliz. A felicidade está ao seu alcance, é só amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.


Margarida Azevedo







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