domingo, abril 03, 2011

A MUNDIVIVÊNCIA DOS NOSSOS AFECTOS

(Continuação)
Não será isto, por acaso, uma dupla fatalidade, uma ilusão, um jogo que parece estarmos condenados a perder, inventado para divertir quem parece que não tem mais que fazer? Por que somos programados para não ver? Por que somos investidos de um sentimento que, por sua própria natureza, exige o olvido de tudo, porque adjectivado como pernicioso, sabendo que tal existe, mas que sabendo ignora?


E que natureza ou realidade é a desse inconsciente? Não será, porventura, que ao não aceitarmos uma consciência infantilizada, por vezes mimada, frágil e insaciável, atemporal e deslocada do espaço, remetemos para a única instância que parece desculpar-nos, o inconsciente? Dá tanto jeito falar de inconsciente; dá tanto jeito falar do que ninguém sabe, do que ninguém pode provar. Quem e atreve a dizer sim ou não a actos e pensamentos supostamente oriundos do inconsciente? Quem se atreve a dizer que a infância não teve seu peso nas decisões sentimentais ou afectivas do sujeito que se diz apaixonado? E o papel do pai e da mãe, quem se atreve a por em causa? Quem diz que a família não tem seu cunho de culpa quando alguém afirma ter sido induzido em erro a quando da experiência amorosa? O inconsciente é a confortável e desculpante casa de onde são oriundos os nossos desejos, do nosso aparato axiológico-pedagógico, de um padrão intencional de comportamentos que nos define como seres singulares. É mais aconchegante sermos quem somos pela força do desconhecido, do que aceitando as fraquezas de quem não pode viver sem afectividade, mas que por meio dela se expõe aos maiores dissabores da vida, simultaneamente e por ironia, aos maiores prazeres.

Por outro lado, será que podemos considerar a afectividade uma atitude narcísica? Isto é, um excessivo culto do eu, paradigmático das sensações do mundo, em sua totalidade? Não será que a afectividade pode tornar-se um acto sádico em virtude do culto do personalismo pragmático intolerante e tão profundamente enraizado neste nosso estar social com “qualidade”?

O domínio da nossa afectividade remete-nos para reflexões nada pacíficas porque incoerentes, analógicas a atitudes dos animais, paradoxos de quem pretende à viva força tornar-se gente em um cosmos onde enxameiam miríades de inteligências que desconhecemos, e consequentemente com outras noções ou níveis de afectividade.

Que sabemos de nós mesmos quando amamos e só vemos qualidades desejadas, oníricas, inconscientes, orgásmicas? Que forma de ver é essa, deturpante da mais complexa inteligência, enganadora e tão cheia de desejo, repleta de prazer fantástico sedutor e inebriante?

Que sentimento é este que nos expõe aos mais ardentes desejos de e do saber, desbrava a animalidade e torna o mais obscuro em luz divina? Este trabalho, longe de dar respostas, é uma reflexão dirigida a quem, pelo desejo de muito querer amar, sente que nem sempre o seu coração foi preenchido e saciado com os requintes objectivados pela natural qualidade com que o amor, e só ele, pois nada o substitui, pode com propriedade saciá-lo. Para já, assinalamos três objectivos fundamentais dos capítulos que se seguem: defender um ideal de amor e de paz; combater a solidão; não ter medo de amar. Para isso, defendemos a tese de que quanto mais educado um ser, mais e melhor consegue amar, pois o máximo amor é a máxima educação.

Em que nos baseamos para concretizar estes objectivos? No Evangelho de Jesus a partir deste preceito: “Tudo o que pedirdes ao Pai em Meu nome, crede que Ele vo-lo dará.” Efectivamente, se for amor e paz o alvo dos nossos pedidos, é isso que receberemos. De certeza absoluta.
(Continua)
Margarida Azevedo

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