CARNAVAL, O RESCALDO
Não estava a pensar escrever sobre este tema, mas depois de tudo o que se tem dito, acho-me no dever de não deixar passar em branco algumas coisas, que sobre a matéria em questão, se têm afirmado.
Em primeiro lugar, nada tenho contra o Carnaval. Eu própria já participei em desfiles, por conta de escolas onde leccionei, subordinados a temas muito diversos, entre eles os Descobrimentos Portugueses. Sou uma apreciadora das máscaras, algumas autênticas obras de arte. Estou a lembrar-me do Carnaval de Veneza, um verdadeiro hino ao bom gosto, sem depreciar os Carnavais de outros países, nomeadamente o do Brasil.
Porém, é de singular mau gosto misturar práticas religiosas e espirituais com festas de mascarados. Até porque a máscara carnavalesca, pagã, e nada tenho contra o paganismo, tem como finalidade mudar o rosto, escondê-lo. Tribos há, e o Brasil não lhes é alheio, em que o rito passa pela máscara, seja por meio de pinturas faciais, seja por meio de ornatos tais como ossos, penas, folhas. Assim, o corpo, e muito concretamente o rosto, são decorados conforme os objectivos do rito. Há máscaras de casamento, guerra, etc. Mas também as há para afugentar os maus espíritos.
Nas lides do Espiritismo, muito concretamente, aprendi, e muito bem, que no carnaval Entidades zombeteiras e malévolas aproveitavam a efeméride para perturbar, num gesto de loucura, aproveitando-se de uma época onde tudo, digamos, cá em baixo, é permitido. Em trabalhos mediúnicos fomos muitas vezes avisados de que os Centros deviam mesmo fechar, sendo recomendado aos trabalhadores que permanecessem vigilantes dos seus pensamentos e actos, a fim de não caírem em situação de possíveis obsessões. Isto dito de uma forma um tanto simplista para que entendêssemos. E nós assim fazíamos.
Volvidos alguns anos, é com grande espanto que verifico que a festa carnavalesca se tornou numa espécie momento alto para o Espiritismo, no dizer, e perdoem-me, de espíritas deturpadores da Doutrina, a ponto de afirmarem que o que aprendemos anteriormente é agora entendido como misticismo.
Cabendo-me, no bom uso das minhas faculdades mentais, dar algum esclarecimento dentro dos meus grandes limites, tenho a dizer o seguinte:
É de profundo mau gosto defender que uma escola de samba desfile representando sessões de espiritismo kardecista, simulando contactos mediúnicos ou sessões de evangelização. Por esta ordem de ideias, para o ano teremos uma escola a representar uma missa, com um indivíduo mascarado de sacerdote, a simular converter o pão e o vinho nos símbolos Corpo e Sangue de Jesus, as oferendas a Shiva, uma meditação Zen, e assim sucessivamente. Lembro aos incautos que todas as religiões têm os seus interditos, os seus ritos, as suas Entidades protectoras, desde as das tribos índias às orientais. Estou certa de que um Chefe Índio não gostaria de ver achincalhado o seu Totem, o seu rito da chuva, ou os seus louvores ao Grande Espírito. Isto não é para brincar. E se eu, na qualidade de espírita não gosto de ver o Espiritismo em maus lençóis, na qualidade de ecuménica não desejo igualmente ver desrespeitar as outras religiões. Chegou-nos, penso que o ano passado, a informação de que uma escola de samba queria fazer um desfile alusivo ao Judaísmo, e que a comunidade Judaica se insurgiu contra. Estou plenamente de acordo, pois não estou a ver que a saída do Povo Hebraico do Egipto faraónico, cuja Páscoa é celebrada com todo o respeito que a situação, duplamente histórica e religiosa, merece, seja representável carnavalescamente, ou então as leituras sabáticas da Tora.
Como é sabido, pelo menos assim penso, muitas Entidades pertencentes a esses movimentos ficam perturbadas com o desrespeito pelas suas doutrinas. Com isso, aqueles que o fazem expõem-se a grandes perturbações espirituais.
Acrescente-se que misturar espiritualidade com carnavais, e particularmente o Espiritismo, defendendo que O Livro dos Espíritos, nos cap.2.º, 7.º, 8.º, 9.º, 11.º, ou O Livro dos Médiuns, cap. 1.º e 2.º e, o que consegue ser ainda superlativamente pior, O Evangelho Segundo o Espiritismo no cap. 27.º, justificam que o Espiritismo seja passível de ser tema de uma escola de samba, é a maior aberração que já li em toda a minha vida.
Se não contente com isto, ainda acresce o facto de defender que a concretização do desfile alusivo ao Espiritismo já é sinónimo de permissão espiritual, tenho a dizer que também aconteceu Auschwitz, a Inquisição e todas as demais barbáries que ensanguentaram a nossa História colectiva, e que por vírgulas a mais ou a menos, se fizeram guerras, que ainda hoje acontecem pelos mesmos motivos. Não se confunda o livre arbítrio dos homens com permissão espiritual. Também aprendi que somos livres de fazer o que quisermos, mas depois somos responsáveis pelo que daí advier. Os Espíritos não são perdidos nem achados nos nossos desaires nem nas nossas loucuras.
Se o cinismo vai ao ponto de desculpar o facto porque o carnaval dá emprego a muita gente, e contribui para grandes obras sociais, pois ainda bem. No entanto, mercê da sua própria natureza, o Espiritismo não precisa do carnaval para ajudar quem quer que seja, pois tem os seus próprios meios. Não misturemos as coisas. Por essa ordem de ideias teríamos que concordar com a guerra, uma vez que o fabrico de armamento dá trabalho a muita gente.
Em suma, a continuar assim, bem doente ficaria a Doutrina. Graças a Deus que há quem não confunda o que não é confundível. Tal como as outras doutrinas, também o Espiritismo tem os falsos praticantes. Só precisamos de estar atentos à batota de alguns que pretendem denegrir a imagem de quem seriamente tem como alvo o progresso espiritual.
O meu apelo à oração, ao recolhimento e à vigilância, que é sempre pouca, pois que o traidor é aquele que mete connosco a mão no mesmo prato.
Muita paz e muita luz.
Margarida Azevedo
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