O QUE VÊM OS ESPÍRITOS CÁ FAZER?
Mercê dos devaneios de cada qual, as missões dos
Espíritos são portadoras de objectivos que vão desde grandes revelações do que
se passa no Além a não menos grandes consruções de normas moralistas e
intransigentes face aos nossos deploráveis comportamentos.
Porém, se isto ficasse por aqui, ainda que seja muito
mau, só aceitaria tais incongruências quem muito bem o entendesse, ainda que a
navegar por caminhos escusos. O pior é que quem assim pensa quer impô-lo aos
outros, justificando-se com o facto de terem sido os Espíritos a dizê-lo.
Esquivando-se de abordar a Codificação, substituem obras
como o Evangelho por psicografias, textos de um português arrevesado que não há
quem entenda, ou então por uma ladainha de moralismos incongruentes,
impraticáveis e avaros. Os conteúdos mais comuns, de há uns anos a esta parte,
são as grandes revelações do que se passa no outro mundo, como se isso nos
interessasse, como se fossem verdade.
Dependentes do momento histórico-político da época em que
foram escritos, e pretendendo dar uma resposta aos problemas existenciais do
ser humano, apelam a vivências descartáveis no lado de lá. Isto significa que,
ao desencarnar, todos passaremos por uma espécie de triagem em que uns irão
para um mundo, outros para outro, segundo comportamentos avaliados por esses
Espíritos de grande saber e dos respectivos mediuns que os recebem.
Esta loucura, numa autêntica fascinação colectiva, tem a
finalidade de projectar o humano para a irrealidade, o desinteresse por este
mundo, classificando-o de mar de sofrimentos e de desilusões, criando um delírio colectivo na
esperança de que tudo o que padecemos aqui será magicamente anulado no lado de
lá.
Quem os ouve e os lê fica deliciado com as revelações de
mundos que mais lembram o mito do paraíso perdido, um Éden de prazer eterno
onde há de tudo para todos. É urgente compreender que os espíritos que nos
rodeiam são, na sua maioria as almas dos que por cá andaram, que não sabem mais
do que nós, que a Ciência é trabalho nosso e que o mundo que habitamos é, ele
próprio, o nosso grande desconhecido. Aliás, se nos colocarmos a questão do que
é ver, facilmente nos deparamos com a dificildade extrema da nossa resposta, ou
seja, não sabemos.
A missão dos Espíritos é essencialmente, e já não é
pouco, virem junto de nós para trabalharem connosco, ajudarem-nos a transportar
o fardo da nossa ingnorância, mãe de todos os erros; tendo em conta a nossa
individualidade, intuirem-nos favoravelmente para as decisões da vida,
apoiarem-nos nos nossos desaires. Foi essa a missão dos profetas, Espíritos de
grande elevação que povoaram este planeta em nobres missões mas que, nenhum
deles, veio com a incumbência de dizer fosse o que fosse sobre o outro lado da
vida. Não o temos em Jesus, não o temos nos profetas do Antigo Israel, não o
temos nos do Oriente, em ninguém. Jesus veio pregar o reino de Deus. Disse como
é esse reino? Jamais.
Este mundo é tão mundo de Deus como os outros. Tão
magnífico seria percebê-lo e lutar por ele com verdadeiro espírito de
entre-ajuda, altruísmo e amor ao próximo. Mas não. A fascinação que os
Espíritos menos sérios desenvolvem junto dos humanos é de tal ordem que muito
facilmente os desviam do verdadeiro caminho.
Não é fora deste mundo que devemos procurar a paz, Deus
ou o Bem de que necessitamos. É dentro dele e nos nossos corações. Ao vestirem a roupagem intectual deste mundo e
falseando-a, de falas mansas e de racionalidade oca, vão enganando os mais
incautos.
Quando se comprender que no Espiritismo ninguém é
importante, que não há médiuns importantes, que nenhum tem ao seu dispôr e em exclusivo
Espiritos sejam eles de que tipo forem, que ninguém possui um saber que chega até
aos mais altos confins do universo; quando se perceber que o ser humano não tem
uma consciência lúcida e objectiva do mundo que o rodeia, a começar por aquele
em que habita, que vive limitado pelos sentidos enganadores e tem uma razão
falível; quando se aceitar que a fantasia, o imaginário e o delírio são aquilo
que melhor caracteriza o humano, então perceber-se-á que “mais vale rejeitar nove verdades do que aceitar uma mentira.”
Quem quiser que se ocupe com o que se passa nos outros
mundos, a psicologia de Jesus Cristo ou as colónias de veraneio dos Espíritos;
que fiquem com as cidades inter-estelares, os micro-organismos de Saturno; a
descrição pormenorizada dos espectáculos fascinantes, tão impensáveis para os
humanos que nem os mais sonhadores conseguem vislumbrar. Que fiquem com tudo
isso e muito mais, mas, por favor, não imponham tais leviandades a ninguém.
Pergunta-se:
Se assim é, como é que eles sabem isso? Só há duas hipóteses: Não sabem, inventaram,
ou foram os Espíritos brincalhões e muito divertidos que lhes sopraram tais
“revelações”.
Assim,
não são apenas os Espíritos que nos enganam com as falsas identidades, isso
seria muito fácil de desmascarar, tendo em conta as advertências da Doutrina. São
os de carne e osso que trocam os nomes às coisas, que dizem dos Espíritos o que
eles não são, ou que se deixam arrastar pelas negatividades. Unidos pelos laços
da semelhança entre si, não usam nomes pomposos, isso daria muito nas vistas,
optam por abordar assuntos de que só os cientistas de gabarito percebem com o
objectivo de enganar os ouvintes/leitores dando a entender que recebem
espíritos de luz com grandes revelações. Que pobreza. Quanta falta de oração.
Os
Espíritos só vêm a este mundo, só é
como quem diz, já é bastante, ajudarem-nos nos rebuscados caminhos da fé rumo a
Deus.
Muito
cuidado, meus irmãos. Estamos todos no fio da navalha.
Margarida
Azevedo
Bibliografia consultada:
KARDEC,A.,O Livro dos Espíritos,CEPC, Lisboa,1984,
Livro Segundo, cap.IX, Intervenção dos Espíritos no Mundo
Corpóreo, I – Penetração do nosso Pensamento pelos Espíritos, pp.217-220;
Livro Terceiro, cap.VI, Lei de
Destruição, I – Destruição Necessária e
Abusiva, pp. 301-302; II – Flagelos Destruidores, pp. 303 – 305; III – Guerras, p. 305.
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