terça-feira, abril 19, 2011

A MUNDIVIVÊNCIA DOS NOSSOS AFECTOS

(Continuação)
Estar neste mundo é senti-lo enquanto meio para um fim mediante um colorido que não é de todo daqui. Por outras palavras, o conjunto de todas as pessoas é a pluralidade dos mundos afectivos, jogo convergente de infinitas casas mentais, projecto do Espírito que pretende superar-se.


É pelo afecto que nos tornamos semelhantes e diferentes, primeiro pelo muito querer, segundo pelo modo de querer.

A afectividade remete-nos ainda para uma questão, a saber: Como equacionar o problema do amor? Tudo o que sentimos é amor. A amizade, o sentimento profundo da alma, o desejo inexplicável que manifestamos por alguém, aquela luta contra a solidão. Até o ódio, a inveja ou o ciúme, o desprezo, a ira... Tudo são formas de manifestar amor, ainda que algumas se encontrem nos trilhos amargos de quem por hora tece os primeiros raios do sentimento todo luz.

O amor implica um desdobramento, o mesmo é dizer, revela ao homem um conceito de pessoa sem dúvidas nem incertezas. Não duvidamos de que somos focos de amor. Que sentido tem falar de um homem à margem do amor? Isso não tem nem faz qualquer sentido.

Pelo amor, o homem desvincula-se da realidade que o circunda e realiza-se. Somos o que somos, seremos muito mais, infinitamente mais, na medida em que desmesuradamente amarmos. O amor é uma forma de reacção às coisas assente em uma outra forma de sentir, ou na única forma de sentir.

Habituámo-nos a ter o amor como uma realidade à parte, como se fosse possível viver fora do amor, ou existir o que quer que fosse fora dele. Aliás, o trabalho das religiões e de toda a mística em geral consiste precisamente em conduzir o homem ao encontro dessa suposta realidade à parte. Talvez por isso a missão veio a falhar, culminando em descrença, dúvida e cepticismo, materialismo e “ateísmo”.

Não há qualquer realidade à parte. O Espiritismo ensina a construir um paraíso aqui, que o amor não é do lado de cá, nem de lá. O amor não tem lados, porque não há dentro nem fora do amor. Tudo o que construirmos aqui, será uma benção no mundo dos Espíritos, resultado de actos que têm o mesmo impacto e a mesma força, estejamos nós onde estivermos.

Que representação temos do amor? O amor é uma perspectiva. O cosmos, povoado de uma infinidade de astros, representa a perspectiva em face de uma ordem pré estabelecida, uma ordem prática que encerra os segredos do universo, do sentido que possuímos das coisas. E desse sentido, o mais importante consiste em termos a noção de que existir é transportar a experiência desses astros para a nossa memória. Só ela é fonte de racionalidade, noção de ordem e de lei. É pelo amor que sabemos que racionalidade, ordem e lei presidem a todas as coisas, geram todas as coisas por todo o sempre.

O amor tem a sua própria fenomenologia. Por isso nos modificamos na medida em que desejamos com fervor. O amor é o vazio porque nada o preenche, nada o satisfaz, nada o sacia. O amor é ele mesmo sem mais. Adaptamo-nos ao desejado, queremos agradar-lhe porque o vemos eivado de luz. O amor é um desejo deslumbrado para o qual os sentidos são meros sentidos.

A teoria das reencarnações ensina que o amor também é reminiscência, não apenas futuro. Pelo amor lembramo-nos ou rememoramos parte de um passado do qual ainda não fomos de todo protagonistas de paz. Por essa reminiscência nos damos conta do essencial da alma, que viver é algo que cresce à medida que a vida se revela toda amor, sem reservas nem recordações de tempestades perdidas nos confins das lágrimas do sofrimento. Aliás, a vida é a mor a des-cobrir-se, sentimento que nos mostra a nossa natureza de deuses no embrião de um amor ainda infantil, tão carente de amparo e tão frágil. É pelo afecto todo amor que estabelecemos a ponte entre o presente e o passado rumo a um futuro todo luz.
(Continua)
Margarida Azevedo

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