terça-feira, maio 17, 2011

A MUNDIVIVÊNCIA DOS NOSSOS AFECTOS


(Continuação)
I


“A época actual representa a vitória do involuído, isto é, da força, da rebelião, da desordem. Mas ele também, embora rebelde, não passa em última análise de servo da Lei. Em face de seu método negativo de revolta, seu desenvolvimento e suas vitórias acabaram em destruição, quer dizer, em sofrimento e humilhação de que nascem o entendimento e a ascensão.”

Pietro Ubaldi

A nova civilização do terceiro milénio
No presente capítulo, partimos de uma observação e análise naturalistas de alguns dos aspectos mais comuns relacionados com a educação. Indubitavelmente, defendemos como princípio básico que a família é o grande baluarte da educação, insubstituível e, consequentemente, fundamental para o equilíbrio de uma sociedade, qualquer que ela seja.

Filha da tradição, da estabilidade dita emocional e económica, como se isso alguma vez tivesse existido, dizem os saudosistas que a família de hoje está a viver a maior crise de sempre. Esquecendo-se do silêncio das mulheres e dos filhos, vítimas da prepotência de homens que eram tudo menos maridos e pais, ela foi o calar durante séculos a fio de adultérios, maustratos, falta de amor, diálogo e compreensão.

Poucos se gabam de ter feito parte de uma família que primou pelo diálogo e cooperação, valorando e respeitando os gostos dos outros membros, independentemente do sexo e da idade.

Fechados no silêncio, a aparência era de que tudo estava bem, mau grado os filhos de pai incógnito, o suportar criadas-mães dos outros filhos do marido “dedicado”, as bebedeiras e os gastos nos vícios do sensualismo de vidas escusas, faltando, por egoísmo, com o necessário para sustentar a família, onde a mulher, além do trabalho doméstico e educação dos filhos, ainda arranjava tempo para alguns trabalhos a fim de angariar algum dinheiro para superar as carências advindas pelo chefe de família.

A família de hoje está longe de ser o grupo dos indivíduos que defendem sensivelmente os mesmos princípios, religiosos ou políticos. Ela já não surge como uma união estável em que há uma luta por interesses idênticos, encabeçada por um chefe, marido e pai, e único ou principal garante do seu sustento. A família tornou-se um espaço pluralista em que são partilhadas ideias diferentes, por vezes opostas, e em que cada um dos seus membros tem interesses bem definidos.

Esta realidade implica um vasto jogo de interesses manipulados por gostos e conceitos, bem como por toda uma forma de estar que, se for bem explorada, conduzirá a um enriquecimento da própria sociedade em si mesma.

Obviamente que, nesta situação de novidade, falta a experiência do diálogo aberto e franco que ainda não faz parte da tradição familiar, mas que só agora começa a dar os primeiros passos. Estamos habituados a uma estabilidade muda, preferindo o silêncio de um prato de sopa seguro, pagando o preço da indiferença e da ausência de direitos, acatando e admirando a experiência do Pai, como se o mundo fosse redutível à experiência de um só homem. Não podemos cair no fundamentalismo da família. A admiração que podemos nutrir por ela não pode ser confundida com sentimentos cegos e acríticos. É no seio familiar que se deve começar a aprender que o mundo é o conjunto de todas as famílias, e que um dia, pela ordem natural da vida, todos faremos parte de uma outra, pela via do “casamento”, situação que exigirá preparação para amar, respeitar e honrar aqueles que não são do mesmo sangue.

Se é certo que o pai ensina comportamentos, regras de conduta e transmite valores, não é menos verdade que ensinar a ser independente, livre, autónomo e responsável é o maior ensinamento que pode transmitir. Enfim, é o receio de sair do ninho e voar por si mesmo, com todos os prós e contras que acarretam sempre as tomadas de decisão. A família só agora começa a fazer filhos pródigos, ávidos por conhecer o mundo por si mesmos, desejosos e curiosos por descobrir as patranhas da sociedade na qual nascerem e da qual serão, um dia, membros activos.

O mundo lá de fora é sedutor e enganoso, mas necessário, tal como a família. Seduz-nos possuí-la, porém sentimo-nos enganados por ela quando não corresponde às nossas expectativas sentimentais. No entanto, ela é necessária ao nosso equilíbrio psicológico e espiritual. Ela é raiz, causa e fonte, princípio; é nome, semelhança, parecença ou parentela. A família dá-nos os ares que nos caracterizam. E isto, no conjunto, ergue-se enquanto estabilidade, tábua de salvação face aos desajustes da vida em sociedade.

A boa educação é a que prepara para a selecção, a escolha e consequente responsabilidade dos actos que irão ser praticados ao longo da vida. Mas a educação plena é a que projecta tudo isso em um para lá, que faz transcender tudo o que fazemos remetendo-o para a nossa essência. Ela ensina que não são os outros que têm culpa dos nossos falhanços. É a nossa pouca evolução que não nos permite ir mais longe.
(Continua)
Margarida Azevedo

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