ORGANIZAÇÕES RELIGIOSAS, UM SUSTO
Em
qualquer organização religiosa há a distinguir três tipos de pessoas, com
interesses bem distintos:
1
- os que constróiem o edifício
teológico, traçam as linhas ideológicas identitárias da organização, estabelecem
as regras de conduta, elaboram a orgânica administrativa – teólogos e
investigadores, elementos mais proeminentes da hierarquia sacerdotal e
professores universitários;
2
- os que zelam pelo cumprimento dos seus preceitos, por isso mais próximos dos
fiéis: elementos da base da hierarquia sacerdotal, acólitos, catequistas e
demais leigos, segundo a organização em causa;
3
– os fiéis em geral: seguidores, crentes, simpatizantes.
Vamos
debruçar-nos sobre os primeiros.
Entre
as organizações importantes, as religiosas são as mais importantes.
Devemos-lhes, entre uma multiplicidade de aspectos inerentes a cada uma de per si, a educação e respectivas
correntes pedagógicas, cuidados de saúde, de ajuda aos mais necessitados, e,
muito especificamente, o levantamento da fé como algo estruturante do indivíduo,
factor privilegiado de socialização. No entanto, dificilmente explicável, ou
não, falharam redondamente. Porquê?
Em
vez de traçarem um caminho dos fiéis rumo à felicidade, fizeram do sofrimento um
meio virtuoso de chegar a Deus; divindindo o panorama religioso em dois, o
pagão e o monoteísta, criaram dois tipos de crentes, dois tipos de fiéis, dois
tipos de pessoas, com dois graus de importância, com dois caminhos de fé, com
dois objectivos distintos, a saber, a felicidade na terra, para os pagãos, a
felicidade no céu, para os monoteístas.
Ao
imporem comportamentos que vão ao arrepio da natureza humana, construiram um
mundo à parte, isolaram-se, facto que se tem perpectuado até aos nossos dias.
Assim,
estabelecendo um paralelismo entre o mundo terreno e o mundo celestial, fizeram
daquele um mundo de malefícios e de vícios, incompatível com a boa-ventura do
mundo celestial. Criaram preceitos e práticas sacrificiais, supostamente
salvíficas, ritualística complexa para agradar a Deus/deuses.
Minimizando
o natural sofrimento do ser humano, ou enaltecendo-o, conforme os interesses,
excluindo-o, habitualmente, de uma abordagem espiritual, sobrepuseram a este um
segundo sofrimento, artificial, muito maior, o qual consiste na
descontextualização sociológica da existência humana, apresentando o mundo como
um palco de males a abater o que, naturalmente, culmina em comportamentos
alucinados.
A
felicidade neste mundo foi sempre encarada com temor e desconfiança, uma vez
que retira ao céu a primazia e a
exclusividade da mesma. Dito de outro modo, só no céu é que é possível ser-se
feliz.
No
entanto, esse céu exclusivista e ciumento mais não é que o prolongar dos
prazeres do inconsciente, no seu pior, tais como: sensualismo e machismo - um
mundo de orgasmos eternos, onde o fiel vive rodeado de virgens; avareza/egoísmo
- posse do mais fino ouro, numa riqueza sem fim; gula - um banquete farto de
excelentes iguarias; preguiça/ócio - um festim eterno, dança e riso
permanentes, onde ninguém trabalha; desprezo/não-perdão – os inimigos foram
destruídos para sempre; ignorância –
ausêcia de perspectivas intelectuais pois não faz falta estudar… e muitos mais
poderíamos citar, todos contrários à santidade e pureza espirituais.
Profundamente
conhecedoras das fraquezas humanas, mais especificamente com os seus fetiches, e
por isso mais ocupadas com estes do que propriamente com a salvação das almas, as
organizações religiosas têm mexido habilmente com os anseios mais profundos dos
seus fiéis: saúde, paz e prosperidade para sempre, sobretudo, prazer eteno. Nada
interessadas em tornar o mundo melhor, prometem tudo isso no além. O preço é cumprir
rigorosamente com as práticas impostas e desprezar o mundo.
De
tribais a ordens militares, impuseram-se pela força semeando terror. Foi assim
que impuseram os seus deuses, encabeçando o destino dos povos e, dessa forma,
desenvolvendo a subserviência, garantindo riqueza para si, honrarias, lugares
de destaque político. Hoje, não é diferente, apenas sociologicamente descontextualizado,
ou pelo menos deveria sê-lo.
Era
suposto a humanidade ter evoluído na sua fé e na sua religiosidade, só que as
organizações religiosas não o permitem. Cinicamente indo procurar na História os
seus piores momentos, há quem desculpe os actos violentos com os comportamentos
de outrora; uma espécie de pena de Talião, olho por olho e dente por dente, ou
pela lei do karma, “fizeste no passado estás a pagar no presente”. Ora a
História é uma ciência que nos descreve o nosso caminhar no mundo, a manifestação
da nossa espiritualidade no mesmo, rumo a nada mais importante que a
felicidade. As batalhas de ontem não são as de hoje. Convém dar essa impressão,
mas não é bem assim.
Estamos
a viver momentos históricos singulares, problemas acutilantes onde o principal é a sobrevivência da própria
humanidade. Isto é novo. Isto levanta questões como: Que humanidade estamos a
construir? Que influência terão os robots no seu percurso existencial? Qual o
seu real contributo? Por outro lado, os recursos naturais estão a esgotar-se, o
respeito pela Natureza desapareceu, a pessoa humana tem… outro valor: que outro
e que valor? As organizações religiosas não estão a dar resposta.
É urgente sensibilizar os fiéis para a mudança
de comportamentos de fé pois há que rejeitar os belos discursos. Há que agir em
prol de uma paz estável, o que já não significa apenas na Humanidade inteira,
mas abrange também a relação desta com a Natureza. Aliás, verdeiramente, nunca
deixou de o ser. Quem não estiver em conformidade com o mundo natural também
não está com o seu semelhante, e vice-versa. Nem com Deus.
É chegado o tempo em que as organizações religiosas têm que encarar este
mundo como uma das moradas do Pai, desenvolver esforços no sentido de criar um
céu aqui e agora, porque amanhã pode ser demasiado tarde. Praticar o bem é
sempre uma urgência.
Mas
se teimarem, cada uma por seu lado, a
impôr-se como verdades absolutas, então elas prolongam o desfazamento e
desconforto sociais nos fiéis, e estes, assustados com o diferente porque é mau,
agrupam-se, criando espaços/localidades exclusivamente deles, autênticos
guetos.
São
as micro-sociedades, com leis próprias, escolas e curricula particulares, não
raro a-científicos e com preceitos ético-axiológicos perigosos. A consequente desvaloração
deste mundo confere aos fiéis a ilusão de que dessa forma têm Deus do seu lado,
transformando-a em acto virtuoso.
Ora
o mundo é uma irmandade de gente filha do mesmo Deus. A dessocialização
cria o cancro do isolamento: a ilusão de que se é privilegiado por pertencer a
esta ou àquela congregação, o não-mundo porque este não presta e nós somos
bons, os bons, os melhores. A nossa escola é a que melhor prepara para a vida,
a mais intelectual, rumo aos campeões da ciência, a mais segura e longe de
todos os perigos, não interessando dar à sociedade sugestões para acabar com a
insegurança nas escolas públicas, nem traçar objectivos de vida aos jovens,
implicando os fiéis numa ressponsabilidade que é de todos.
Mas
onde estão, verdadeiramente, as causas de tudo isto? Como é que se chegou a este ponto, de tal
forma que gente com mais bases intelectuais tem comportamentos que supostamente
já não deveria ter? Como é que um pedreiro se iguala a um juíz? A natureza humana é permeável à subserviência, e
esse é que é o problema. A carência afectiva ou um grande problema existencial
podem conduzir a qualquer pessoa a actos da maior irracionalidade. No
sofrimento somos todos iguais, estamos todos em linha recta para o desespero,
logo todos igualmente expostos à manipulação. É tudo uma questão de tempo e de:
um rosto simpático que surge quando menos se espera; uma palavra acertiva nuns lábios risonhos; um rosto
de olhos brilhantes, um discurso bem elaborado....
Por
isso não é difícil às organizações religiosas manobrar o inconsciente
colectivo. Aguçar o narcisismo é fácil. Isolar a pessoa da família,
desmembrando-a, dos colegas de profissão, fazendo perigar o próprio posto de
trabalho e, consequentemente, conduzir à dependência e sujeição; excluir de
práticas desportivas e artísticas, de lazer, etc., chegando ao ponto de fazer
expulsar do lar os filhos indesejados, maridos/esposas que, por algum motivo,
deixaram de pertencer à organização religiosa da família.
A
rejeição dos filhos, por exemplo, está a tornar-se cada vez mais comum,
remetendo cidadãos equilibrados afectiva, psicológica e socialmente para os
insondáveis quão turtuosos caminhos da desilusão, do desprezo familiar, do
ateísmo pela falta de humanidade a que a família se votou, em nome de uma
organização que, tão vituperiante quão feroz, ensina a excluir tudo o que se
lhe oponha. Os fiéis, drasticamente hipnotizados pela promesssa da felicidade
no além e no suposto agrado a Deus, sempre as velhas promesssas, excluem de
suas casas o bem mais precioso que Deus lhes ofereceu e do qual são os
responsáveis por fazer cidadãos correctos e equilibrados, o maior amor das suas
vidas, e que passou para segundo plano.
Os
filhos passsam ao estuto de
representantes do maligno, diabos dentro de casa, infiéis malditos, o que há
que excluir definitivamente. E assim vão semeando a deshumanização. Dito de
outra forma, para o topo das organizações religiosas, ainda que muitas digam
que não é assim, e seria bom que de facto
não fosse, a humanidade reduz-se a um bando de infiéis. É pena.
Não
basta não usar armas de fogo ou outras. é fundamental enterrá-las, sejam elas
de que natureza forem.
(continua)
Margarida
Azevedo
Bibliografia consultada:
KARDEC,
A., O Livro dos Espíritos, CEPC,
Lisboa, 1984, Livro Terceiro, As Leis
Morais, cap. II, Lei de Adoração, pp. 275-284.
LE
BOM, Gustave, Psicologia das Multidões, Publicações
Europa-América, Mem-Martins, s/d.
Sites:
Father
George Coyne Interveiw (1/7) Richard
Dawking
Faith in the Future: The Promise and
Perils of Religion in the 21st Century
Marcelo
Gleiser – Ciência e religião: em busca do
desconhecido
Richard
Dawking:
Fala sobre religião e ateísmo
A força da religião
O que a religião pode fazer com alguém
R.D. e os perigos da Fé e das religiões
com suas crenças injustificadas
Deus, Um Delírio, o Vírus da Fé
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