domingo, março 02, 2008

MORTE É FELICIDADE I


Começamos hoje a publicar uma série de artigos aos quais demos o titulo genérico de Morte é Felicidade. Todos os espíritas e aqueles que acreditam na chamada Teoria das Reencarnações sabem que este titulo não é um paradoxo.


INTRODUÇÃO

Os próximos meses não se avizinhavam nada promissores. Absortos nos motivos de lágrimas e dor profundas, de certeza que iríamos ter momentos de pesar, de receios próprios do sinistro que é a morte, do luto, do preto fero de quem é caminheiro no sofrimento. De facto, semelhante reflexão não parecia a ocupação mental mais agradável. Por certo iria mergulhar no lamaçal escuro de imagens feéricas, nos silêncios medonhos e penúmbricos, nos corpos dançantes no vazio, ou descer ao mundo terrífico dos infernos onde lutam sem cessar gigantes e anões, cada um reclamando para si a mão da menina bela superprotegida por uma fada de grandiosos poderes. Na verdade, havia mesmo o receio de uma perda do sentido, quem sabe, trambolhão no próprio nada.
Porém, lenta e gradativamente damo-nos conta de que a morte, muito embora voraz e vencedora, não é nada disso. Não porque o provemos tipo preto no branco, mas por um ímpeto resplandecente da maximização da nossa sensibilidade, e porque além disso os sentimentos não se provam nas profundezas da matéria, não tão pouco porque a definamos (a morte) ou mesmo a representemos com a fidelidade dos nossos ideais infantis. De facto, o carácter de definição de certas coisas ainda não nos trouxe, até hoje, a segurança ou a fidelidade romanesca aos nossos pensamentos cheios de ilusões, donde a morte, felizmente para nós, ainda não é, nem ao menos remotamente, passível de semelhante loucura.
Habituados que estamos a deambulações metafísicas, pensamentos ríspidos de quem pretende impor um conhecimento que não possuí, (somos sempre ríspidos quando queremos fazer parecer o que não parece que fazemos, menos ainda o que não possuímos), falamos analogicamente da morte como uma supervida onde misturamos actos de uma grandeza colossal com gestozinhos cobertos por boa vontade onde não falta o ridículo.
Depois, num quadro de grande cepticismo, interrogamos os nossos ideais repletos de metáforas e símbolos, perdidos em discussões que vão terminar em afirmações do género: “Quando eu morrer, gostaria que toda a gente cantasse.” Ao que alguém responde: “Eu cá preferia rosas brancas.” Mas outro contrapõe: “Pois eu, não. Cravos azuis. Sempre é mais, mais, como direi... Mais agradável, desinibido.” E toda esta reflexão iluminada, filha das mentes mais viris, termina na questão sublime: “Para quê tanta preocupação se um dia, quando menos esperar, morro?”
Mas esta pergunta é incomodativa e fugaz. Nascemos com ela, por isso de nada nos vale mencioná-la. Basta-nos ligar a televisão, em um dos nossos muitos rituais diários, para nos darmos conta de que outras preocupações se tornam mais importantes. É o novo sabonete que torna a pele mais macia e perfuma durante um dia inteiro; é o antigo detergente da roupa que tem uma nova fórmula mais eficaz, ou então a compra de chicletes para ruminar todo o dia sem que percam o paladar.
Com ou sem esses asseios, ou sem essas ruminações filosóficas (especialmente para quem gosta de roer durante um dia inteiro um pedaço de borracha, como há outros que gostam de estar sempre a pensar no mesmo) a morte é uma objectividade que escapa, experienciada pela Humanidade com e sem corpo físico, lágrima ou sorriso com que todos maquilhamos o Espírito por brevíssimos momentos na Eternidade. Passagem, desencarnação, mudança de estado, e tudo o mais que se queira inventar, tudo é dor, saudade, fraqueza, rendição incondicional, isto é, morte.
Vivemos munidos de um postiço grosseiro que arrastamos pesadamente durante uns escassos anos, corpo carnal ao qual atribuímos a causa da morte. Não queremos perdê-lo, ai Jesus, como viver sem este corpo!? Mas nem ele nos pertence, nesta vida onde nada é nosso, nem os grandes ideais, nem os valores, nem a força e a coragem, os expoentes mais altos que produzimos. Tudo será apagado da mundivivência que nos caracteriza para entrarmos na luz, esperemos dentro dos próximos milhares de anos. Temos tudo isso em nós, somos isso que ainda não somos, temos o que ainda não temos, eternidade luminosa de um dia na País da Luz.
É como se a vida exercesse sobre nós uma qualquer perseguição, nos amedrontasse com o insólito provido do adeus definitivo. A temeridade da saudade do que de mais caro a vida nos presenteia, durante as escassas dezenas de anos que por aqui passamos, ou a mágoa de sabermos que somos acompanhados desde o nascer por uma certeza fria e incisiva, talvez tudo isso, no seu conjunto, nos leve à raiz causal das nossas meditações, a uma ânsia profunda de querer fugir a essa realidade que nos espera.
Somos morte, fenómeno de passagem, ponte entre os visíveis e os invisíveis, os muitos muitíssimos que já nos antecederam. A morte é causa incondicional de um desejo profundo de querermos impor todos os mecanismos possíveis que nos ponham em contacto com esses que nos observam, assim o dizemos assim o sentimos, e nos ensine como a vida se transmite, propaga, continua, em uma palavra.
Mas falar de morte também é recordar. É como sentir que, há muito tempo, perdidos no vazio do esquecimento, uma qualquer experiência tenta falar connosco, comunicar-nos qualquer coisa e inculcar-nos uma ideia de sobrevivência que não rejeitamos, mas que não nos é de todo simpática.
A morte despe-nos, não apenas do corpo mas de todos os dogmatismos e simbologias, e das infinitas coisas que a ignorância e este ver distorcido criaram para dizer que falam de algo. Ao longo deste trabalho iremos ver como a morte nos é tão querida, tão necessária, que o nosso psiquismo não suportaria por muito mais tempo uma vida tão repleta de códigos, sinais e signos a fim de caminharmos portas dentro do invisível.
Ansiamos por essa nudez, o ver o outro a claro. Precisamos de nos enfrentarmos na escassez de informações que temos a nosso mesmo respeito, queremos saber como é na verdade a nossa natureza, a daquele que amamos; precisamos saber porque vivemos desejando uma entrega, ainda que ao ilógico, ao menos lícito, ao que nos causa uma dor profunda. Precisamos de saber porque é que tudo isso tem uma beleza que nos envolve no fantástico.
A morte faz de nós magos, agentes de transformações profundas e radicais. Tornados invisíveis, há um viver que ainda não dominamos. Ao longo deste trabalho, vamos tentar levantar-lhe o véu. Talvez nas derradeiras páginas esse viver tome uma nesga de sentido.

Barbara Diller












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