domingo, junho 08, 2008

MORTE É FELICIDADE XIV


A COMEMORAÇÃO DOS MORTOS


O Funeral (Continuação)


“ Na tradição pagã, faziam-se oferendas aos mortos para os acalmar e impedir de voltarem para o seio dos vivos. As intervenções dos vivos não se destinavam a melhorar a sua estada no mundo atenuado dos Infernos.” (ARIÈS, P., 2000, P.174).
E de facto é isto que nos parece que continua a prevalecer, a ser um dos objectivos principais do funeral. Resta sempre um medo de que a cerimónia fúnebre não seja do agrado do falecido. As oferendas posteriores, a que alude o autor, hoje bastante simplificadas, não deixam de encerrar os mesmos objectivos, e ser um complemento do funeral: o morto não pode voltar, ele não pode perturbar a vida dos que estão em carne e osso.
Muitas pessoas, quando se vêem perturbadas e julgam que o facto se deve à presença de um ser invisível, dizem com frequência para o ar, pensando que estão a falar com a alma do outro mundo que supostamente os está a perturbar: “Diz o que queres e deixa-me em paz.” Há sempre uma identificação entre o sofrimento sem sentido ou sem razão aparente, e a presença de algo misterioso ou desconhecido, logo qualquer coisa oriunda do além.
Por outro lado, Deus também pode não estar satisfeito. Agradar às almas é garantir o agrado e as benesses de Deus. Quiçá alterar o Seu juízo a nosso respeito. Orar pelo morto, ofertar-lhe flores e acender-lhe velas por alma (hoje), é conquistar um espaço mental aproximativo de Deus, como era nos tempos medievais. É o medo de arder no fogo do inferno, das penas infinitas, de um Juízo Final intransigente e definitivo. Por isso, os mortos são seres sagrados assim como o espaço onde estão enterrados. “Um autor do século XVI reconhece que ‘os cemitérios não são simples sepulturas e reservatórios de corpos, mas antes são lugares santos ou sagrados, destinados às orações pelas almas dos falecidos que aí repousam’: lugares santos e sagrados, públicos e frequentados, e não impuros e solitários.” (ibid., p.55).
Esta concepção de morto e respectivo espaço onde jaz, o cemitério, não é partilhada pela Doutrina Espírita. Para o Espiritismo, sagrado é tudo quanto existe, vivente na vida terrena ou não, em idêntico grau de importância. E a razão é simples: o inferior caminha para o superior, expondo a perfeição de que é portador. Ele não acrescenta nada a si mesmo, apenas se despoja do que lhe causa sofrimento e dor.
Aliás, o conceito sagrado está praticamente excluído do léxico espírita, designando apenas o Universo no seu todo. O mundo é a comunidade dos filhos de Deus, e estes são tudo quanto existe.
Face ao exposto, urge reflectir mais seriamente sobre o que é um funeral?
Para o Espiritismo, é o momento da última prece ainda neste lado da vida, a primeira para a Entidade recém desencarnada. Momento de meditação, recolhimento e silêncio. A hora da grande reflexão, das lágrimas de saudade e também de esperança, palavras arrumadas nos recantos escondidos dos sentimentos mais puros. São os funerais marcos de reflexão profunda e exame interior ao que verdadeiramente nós somos nesta ilusão, apesar disso tão cheia de amor e que constitui a complexidade de toda a Criação.
Podemos dizer que o funeral, dentro dos moldes do respeito (prece e amor) é determinante para os momentos que se seguem ao desencarne. Ele vai contribuir para o alívio espiritual do desencarnado, a maior ou menor consciência da experiência que está a viver.
“ O Espírito assiste ao seu enterro?
_ Muito frequentemente o assiste. Mas algumas vezes não percebe o que se passa, se ainda estiver perturbado.
Fica lisonjeado com a concorrência ao seu enterro?
_ Mais ou menos, segundo o sentimento que provoca essa concorrência.” (KARDEC, A., o.c., p. 177, questões n.ºs 327-327-a).
Isto significa que, segundo o Espiritismo, o funeral é parte de uma despedida momentânea, nunca um adeus definitivo. Aquilo que desperta a tenção do desencarnado não é o ritual que lhe preside, mas os sentimentos que os participantes por ele manifestam.
Além disso, não se trata de uma entrega da alma ao mundo do Além, mas de uma despedida acompanhada de votos de progresso e luz. Tudo o resto está a cargo do desencarnado, o qual nunca dispensará o pensamento brando da prece.
Para ele, o número de pessoas no funeral não significa nada. Apenas o tipo de pensamento que estas nutram por ele. Não falta quem julgue que os grandes funerais são encontros mais conseguidos. Só o seriam se, na multidão, houvesse um silêncio profundo e, numa prece em uníssono, orassem com fervor pela alma do falecido. Aí, sim, quanto maior o número, maior a força.
Em suma, o funeral deve obedecer a regras espirituais muito precisas. Sintetizemo-las deste modo:
· estar em silêncio absoluto na sala mortuária;
· não falar do falecido, mesmo fora da mesma, pois isso perturba-o;
· orar pela alma do falecido bem como pelos amigos e inimigos do mesmo, principalmente no que se refere aos desencarnados;
· pedir a Deus para que os seus Guias espirituais estejam muito atentos, sempre presentes e nunca se afastem dele;
· não ter pensamentos rancorosos face a algum problema que tenha acontecido entre si e ele;
· ter um total espírito de perdão;
· torne a orar antes do corpo ser cremado, lançado à terra ou depositado no jazigo.
Embora dito de modos relativamente diferentes, é isto que o Espiritismo defende face à problemática em questão. Quanto mais simples o funeral, isto é, quanto mais desritualizado, por vezes fastidiosamente moroso, mais conseguido em seus objectivos espirituais. Tudo o que nos cansa a nós, simples encarnados, cansa igualmente, e muito mais, aos Espíritos.
Além disso, os Guias espirituais dos falecidos acompanham-nos no desencarne. Como se sabe, são Entidades muito ocupadas, que exercem um sem número de actividades, dão assistência a muita gente, quer do nosso plano terreno, quer espiritual, e, portanto, não têm o dia inteiro para estar ao nosso dispor. Por outro lado, o tempo de duração da cerimónia fúnebre não é representativo do amor que os familiares e amigos tenham por com ele. A nossa capacidade de amar não se mede à hora.

Barbara Diller

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