sexta-feira, fevereiro 11, 2011

Ética e Educação (ethos e paideia)




Ao nosso olhar, porque nunca ou muito raramente objectivo e preciso, escapam múltiplas coisas para as quais só o outro nos consegue fazer despertar. Porque transmissor de outros conhecimentos, outros interesses, um outro historial, enfim. Desta forma se justifica o quanto é nocivo o isolamento, não apenas em termos de espaço físico, mas também psicológico.
A crítica, indispensável ao aprimoramento das ideias, baseia-se nessa troca de impressões para a qual é imperioso ter como ponto de partida determinados pressupostos: honestidade intelectual; respeito pelo outro; abertura a uma autocrítica sem ressentimentos; aceitação do seu próprio fracasso, encarando-o como ponto de charneira para o aprimoramento de metodologias e colocação de novas questões.
Esta paideia, baseada na vivência quotidiana da nossa capacidade de partilhar, pressupõe uma ética em permanente debate e à qual o movimento espírita não pode alhear-se. Porém, só poderá fazê-lo quando conseguir estabelecer a correlação entre a prática e aquilo que são os seus pressupostos teóricos. Enquanto isto não for feito, o Espiritismo continuará a ser excluído do debate inter-religioso, não só pela falta de conhecimento das matérias em questão, como também pelo facto de a emergência das mesmas lhe passar ao lado. Se acrescentarmos, ainda, a rejeição do outro, porque não espírita, logo portador de outra doutrina (ele está noutro caminho, sempre inferior, no dizer dos falsos espíritas), e consequentemente tido como ignorante quanto ao verdadeiro sentido da vida espiritual, temos implantado nos Centros um ambiente de autêntica xenofobia religiosa, mal disfarçada, pois que o outro, aquele que contribui para que vejamos com mais clareza, relembro, é olhado de cima para baixo, tanto ao nível das ideias bem como daquilo que para ele é importante. Tudo isso é, para o espírita de grandes convicções e de resposta pronta para tudo, assunto de menor importância, pois que o outro um dia virá ao verdadeiro caminho, que é o seu. Dito de outro modo, dia virá, poderá ser daqui a milhões de anos, mas virá, em que o outro falará também com os Espíritos, ouvirá pancadas secas nos móveis da casa, receberá psicografias, terá vidências, intuições, premonições, pintará quadros relativos ao além, escreverá histórias sobre os mortos…
Ora, se alguém pensa que o Espiritismo é isto, lamento. As comunicações fazem parte de todas as mulheres e de todos os homens enquanto tais, e não porque portadores desta ou daquela doutrina; não há modelos ou moldes pré-feitos, nem uma doutrina que, face a estes conteúdos, se sobreponha às outras. A diferença reside em cada um de per si, no aproveitamento que faz da sua experiência ou vivência mediúnica, no projecto educativo que se propôs.
É por isso que nos Centros espíritas fala cada um para o seu lado, diz o que lhe apetece, impõe as suas ideias como verdades incontestáveis, submetendo o ponto de vista da Doutrina à sua opinião pessoal, míope e maledicente: O caso mais premente verifica-se no campo da ética e da moral, (ainda que noutros aspectos também, infelizmente), que confundem de forma abissal, onde impõem regras de conduta fazendo tábua rasa dos pormenores individuais de cada pessoa. Assim, saltando por cima do psiquismo e da vivência material de cada um, dos traços do carácter, como se soubessem tudo e impondo uma solução que dizem ser, ou pelo menos simulam, definitiva, criam dependentes de tal forma que é vulgar a dependência, por exemplo, de passes magnéticos, não ensinando o outro a ser livre.
Desta forma, prevalece o senso comum entre a maioria dos trabalhadores dos Centros. Uns são supersticiosos, outros dão-se ares de fortes, outros, de “humildade”falsa e cínica, dão um aspecto de segurança que não têm e, portanto, doutrinariamente infrutífera. Acreditam em tudo, nomeadamente no sucesso de operações feitas por autênticos curandeiros, em psicografias sem conteúdo sério e cientificamente imprecisas e portanto erróneas, mas bem disfarçadas, outras nem tanto, algumas só porque vêm de psicógrafos de renome (não sei o que isso significa), culminando numa autêntica deificação ou endeusamento do médium. Para cúmulo, há os que fingem incorporar Entidades de luz, proferem discursos sem nexo, ofendem-se quando alguém os põe em causa. Para cúmulo, há os que afirmam que os discursos são da inteira responsabilidade de quem os faz, o que significa que, se alguém disser as maiores barbaridades numa mesa de trabalho, ninguém se sente com coragem de chamar à atenção o orador ignorante, porque ninguém quer assumir responsabilidades e ficar mal visto. Isto significa que, neste chorrilho de falta de educação, o mais importante para esses não é a Doutrina, mas a opinião que os outros têm a seu respeito, preferindo que passem ideias falsas para os que estão a assistir. Pior ainda, isso faz prova de que o mais importante é quem fala e não quem ouve, quando é o contrário que se deve verificar. Esta postura faz-me lembrar a de um rapaz, há dois mil anos, chamado Pôncio Pilatos, que também lavou as mãos, pois não quis ter a responsabilidade de tomar a posição mais correcta. E assim crucificou a Verdade e o Amor no olival da ignorância.
A falta de conhecimentos e a relação passiva para com a ausência de espírito crítico culmina na falta de ética. Esta, ausente dos Centros, que se perdem em moralidades vãs, enquanto não for posta no devido lugar e estudada como qualquer outra ciência humana, continuará a levar o Espiritismo ao silêncio por meios de discursos completamente fora da realidade.
Temos que perceber que ignorantes somos todos nós. Mas a ignorância nos Centros não se limita ao desconhecimento de conteúdos, (isso resolve-se muito facilmente, é por a falar quem saiba o que diz, é contratar quem saiba alguma coisa). Nos Centros é pior. Fala quem não sabe porque interessa que não saiba. Quanto mais limitado o discurso, mais garantida está a permanência de determinados indivíduos dentro da Casa Espírita, conduzindo-a a um lugar escuso dentro da própria Cristandade. Desconhecem, na sua maioria, que dentro de cada igreja ou associação cristã deve fazer parte, como principal objectivo geral, a transmissão missionária do exemplo de Cristo. É essa paideia, saber mais ética, que está a faltar. A Casa espírita existe para educar, por outras palavras, transmitir saberes e formação, caso contrário não faz o mínimo sentido, nem tem qualquer razão de existir.
O Espiritismo, enquanto movimento cristão, tem um compromisso com Jesus Cristo, na divulgação ética do amor e tolerância, a qual deve ser exposta com toda a clareza perante as outras organizações congéneres. Por outras palavras, há que dizer, ou ensinar, porque não?, em que medida o Espiritismo enriquece o Cristianismo.
Pergunto: Alguém, nos Centros, ou até dentro do próprio movimento espírita em geral, se colocou esta questão?
(continua)

Margarida Azevedo

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*Foto de Ji Li

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