sexta-feira, março 14, 2008

MORTE É FELICIDADE III


O QUE É A MORTE?

De algo trevoso e assustador, espécie de pena de talião, a uma graça infinita, a morte tem definições de todas as sensibilidades. As religiões, as escolas secretas e ocultas, as correntes filosóficas que as apadrinham ou delas emergem, todas, sem excepção, adiantam definições mais ou menos aceites, onde misturam pensamentos de alguma espiritualidade a noções vagas tocando a ingenuidade e o bizarro.
A morte, todos o sabemos, não se define, não se representa, mas pensa-se e medita-se. Tudo o que não tem definição, por vezes não significando indefinível, mas adefinível por não existir simplesmente, constitui-se como parte considerável do nosso sistema meditativo. Isto é, sempre que meditamos tocamos com a mente na morte, subimos tanto quanto possível a um plano que não significamos mas que nos causa segurança, bem estar que de alguma forma nos situa em um lugar que desejamos.
Assim, encaramos a morte como uma passagem de um estado a outro para o qual é exigida uma mudança radical da estrutura corpo. Isto significa que, ao deixar o corpo físico, o Espírito ingressa em outra realidade de modo a revestir-se dos elementos materiais do plano em que ingressa, a fim de continuar a evoluir.
Mas a morte não é apenas uma passagem radical acompanhada de mudança de corpo. Contrariamente aos animais, parece, o homem não experimenta apenas uma morte ao longo de uma reencarnação, mas sim uma sequência de mortes com um fim determinado e extremamente preciso. Por exemplo, quando abandona uma ideologia, um preceito moral; quando desiste da prática de certas atitudes; quando envereda por um trabalho diferente; quando decide mudar de país. Mais, essa sequência de mortes que ao longo dos anos constituem a personalidade do homem, cimentando-lhe a individualidade e fazendo-o crescer e desenvolver-se com sentido a uma independência que tem que se afirmar, são uma resultante da interrogação pertinente: “O que estou concretamente a fazer aqui?”
O nosso crescimento dá sinais de evidência quando justamente nos colocamos a questão de saber se queremos continuar ou mudar. Em Espiritismo, a mudança é sempre uma atitude positiva, isto é, ir de um menos para um mais uma vez que não contempla nem aceita a regressão. As teorias regressionistas são encaradas como redutoras da vontade, excluindo a importância do eu singular e consequente construção de “um mundo” em que o individual permaneça distinto.

Daí, em Espiritismo, a mudança não ser uma fábrica de iguais, sujeitos aos mesmos castigos, penas e gozos, às mesmas vitórias e derrotas. O progresso, filho legítimo da mudança, remete para uma necessidade de cada um e cada qual se encontrar na casa do amor, único sentimento capaz de unir os diferentes e torná-los co-criadores com Deus. Mudança é progresso, pois, mesmo que ao vulgo pareça que tudo se encaminha para pior, isso é mera ilusão. Ainda que haja uma revisão do já vivido, isto é, um marcar de passo na mesma estrutura axiológica, a repetição, em verdade, não existe. A pessoa já está preparada, já consegue prever o desenrolar de algumas situações que se lhe tornaram familiares, pois está a reviver situações idênticas para as quais simplesmente aplica o que aprendeu a novas situações.
Por isso o homem é feito de mortes, e não de morte, umas que lhe são impostas, outras sugeridas, ambas construídas pelo natural impulso da vida e com um fim comum, o Bem. É nessas formas ou vivências de morte, não mais que salutares impulsos de mudança, que ele encontra o convívio com o Além. Toma consciência da manifestação de alguma coisa que o observa secularizando os seus pensamentos, que doma o que de mais disforme o seu pensamento ainda produz, complementa a sua existência material com uma outra que lhe é arquetípica, informando-o sobre outras realidades.
Daí nos advém a linguagem, tudo o que dizemos para além das palavras: o sentido, a intensidade, a direcção, o peso, a forma, e tantas infinitas coisas que nos fazem colher na experiência diária o que mentalmente semeamos nos nossos dizeres, ainda que muito íntimos. Assim representamos a beleza e todas as coisas que nos causam espanto e admiração, é igualmente desta forma que erguemos a lucidez necessária que nos faz dotar a vida do tal sentido que não somos capazes de definir. Pela morte tocamos o Perfeito em suas manifestações de beleza inefável.
“Os céus elevados são a pátria da beleza ideal e perfeita em que todas as artes bebem inspiração. Os Espíritos eminentes possuem em grau superior o sentimento do belo. Este é a fonte dos mais puros gozos, e todos sabem realizá-lo em seus trabalhos, diante dos quais empalidecem as obras-primas da Terra.” (DENIS, L., 1989, p.223).


1. Preocupação com a morte

No entanto, por que há uma tão grande preocupação com a morte? Porque a tememos? Estas questões parecem evidenciar uma consciência de alguma forma atormentada, pesada nos seus intentos e saturada de incertezas.
Sobre este ponto, e tentando tranquilizar os mais inseguros, O livro dos Espíritos (1984) esclarece que “É errado que tenham essa preocupação. Mas que queres? Procuram persuadi-las, desde cedo, que há um inferno e um paraíso, sendo mais certo que elas vão para o inferno, pois lhe ensinam que aquilo que pertence à própria Natureza é um pecado mortal para a alma.” (KARDEC, A., p. 376, questão n.º 941).
Isto significa que no referido autor a preocupação com a morte é uma forma de consciência atormentada, como outra qualquer, a qual já foi por nós indiciada em anteriores trabalhos. Mas não só. Além de desnecessária, está apoiada, geralmente, em preconceitos, e o preconceito é o maior inimigo da razão. Ora, a morte é o momento máximo da razão, discurso todo verdade, todo certeza, momento clímax do sentido da existência.


Barbara Diller

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