terça-feira, setembro 09, 2008

MORTE É FELICIDADE XXIII


A IMPORTÂNCIA DOS MORTOS NA VIDA DOS VIVOS (Continuação)


3. O medo dos mortos

Desde tempos imemoriais que os encarnados demonstram ter medo dos mortos. Qualquer acontecimento mais estranho era tido como resultado da sua influência, que por sua vez era consequência do cumprimento, ou não, dos preceitos culturais para com eles.
Isto porque era(é) suposto que eles sejam muito exigentes para com os seres de carne e osso, exigindo-lhes complicados ritos a fim de não serem esquecidos. Daí que medo e memória nos sejam muito próximos, a ponto de o medo trazer sempre presente ocorrências já passadas há muito tempo, mas que, pela via da rede complexa de superstições, se foram perpetuando.
Um dos pontos onde isso muito se nota, em Portugal, reside no complexo culto aos mortos dentro dos cemitérios, de tal modo que os túmulos têm uma identificação perfeita, disciplinada, isto é, munida de uma organização complexa onde se coaduna reza, espaço e ornamentos, desde os arranjos florais ao tipo de pedras usado nas campas.
O retrato do falecido na campa, por exemplo, não visa apenas a sua identificação a fim de o Espírito não se perder no meio de todas as outras campas. Trata-se de uma identificação para a família de modo a que a Entidade possa mais facilmente aceder à prece por sua intenção, igualmente para melhor identificar o corpo, pois é defendido, tradicionalmente, que no dia do Juízo Final (Ressurreição), os Espíritos retomam os corpos. Assim, o Espírito não poderá enganar-se e tomar um corpo que não é seu. A oração visa precisamente ensinar o morto a destrinçar o seu corpo do dos outros. O eterno descanso é parte dessa identificação, pois é suposto que o falecido só tenha descanso quando encontrar a sua identidade física.
Por outro lado, rezar frente à fotografia do falecido, no cemitério ou em casa, tem como objectivo acalmá-lo, tranquilizá-lo, mas igualmente convidá-lo a participar na vida dos vivos. Essa participação é tanto mais benéfica quanto mais discreta for. Falar com o morto assusta, ele pode vir exigir coisas impossíveis ou muito difíceis, dádivas caras, práticas mais ou menos estranhas.
Assim, a participação dos mortos na vida dos vivos deve ser suave, imperceptível, perto e distante. Além disso, os mortos têm razões que os vivos desconhecem. Como supostamente estão em contacto directo com as forças divinas, sabem coisas que os vivos não sabem e, por isso, podem mais facilmente interceder contra ou a favor deles. Assim se justifica a crença de que os mortos têm poderes ocultos, perseguem os vivos, tomam partido de uns ou de outros, têm uma moral estranha.
O Espiritismo afirma exactamente o contrário de tudo o que acabamos de dizer. Reflictamos então a partir da Doutrina.
Manifestar a uma Entidade que se tem medo dela é a pior coisa que podemos fazer. Ela toma-nos de tal modo que, porque trevosa, exige-nos obediência cega. Diverte-se a assustar, manifesta-se intempestivamente, provoca sensações desagradáveis. São disto exemplo as tão conhecidas possessões, muitas delas caracterizadas pela mania da perseguição, cujo estudo exaustivo encontramos na Psiquiatria.
O vulgo chama-lhes demónios, e aos doentes por eles afectados gente do diabo. Ora, “a palavra demónio não implica ideia de Espírito mau, a não ser na sua acepção moderna, porque o termo grego daimon, de que ela deriva, significa génio, inteligência, e se aplicou aos seres incorpóreos, bons ou maus, sem distinção.” (KARDEC, A.,. o c., p.106, questão n.º 131. Nota e sublinhado do autor). Além disso não há gente do diabo. “O diabo somos todos nós enquanto não formos santos”, como dizia o saudoso Eduardo de Matos, grande mestre de Doutrina Espírita.
Ter consciência de que os mortos não sabem mais do que nós e, como tal, não ter medo deles, não significa que nos exponhamos a eles ou meçamos forças. Em termos de comunicações todo o cuidado é pouco e, por isso, devemo-nos proteger das suas más influências.
Devemos dar a entender aos que nos rodeiam que o corpo físico é nosso, a vontade é nossa, a vida carnal é nossa. Igualmente devemos perceber que as Entidades têm vontade própria, são muito ignorantes e manifestam-se porque precisam, essencialmente, e não porque tenham saber profundo. Só acredita no contrário quem for crédulo.

Barbara Diller

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