PASCOA 2025
A LIBERDADE QUE NÃO VEM
A VOZ DE UM JUDEU QUE A HUMANIDADE
TEIMA EM NÃO OUVIR
UMA ESPIRITUALIDADE POR ACONTECER
            Porque ressurgem os faraós com os
seus poderes do mundo, com os seus escravos numerosos a picar pedra e a carregá-la
em ombros; rasgam-se as vias ápias, constroem-se calvários, carregam-se madeiros;
são cada vez mais os crucificados neste sofrimento em massa. 
            As ditaduras e as democracias estão
a aproximar-se. Quer pela via da intransigência, quer pela do voto manipulado, e
o resultado é o medo e a perda de direitos. Prometer e não cumprir, a perda do
valor da palavra de honra, o dúbio, o incerto, o mesquinho, o deitar abaixo
porque não se concorda, veio para ficar.
            A insegurança tornou-se no móbil do
poder sem fim. Regressou a genuflexão ao faraó super-poderoso. 
            Que sentido faz perguntar para onde
caminha a humanidade? Num mundo de fome, guerra e catástrofes, em que a miséria
espreita a todo o momento e em qualquer lugar; onde a falência de valores relativiza
a luta por um sentido para a vida, para onde caminhamos? 
            Não faltam os belos discursos, os
justificativos para tudo o que acontece, até para o furto, o roubo, o
assassínio; não faltam religiões, meditações perdidas em uma infinidade de
técnicas, apelos à oração colectiva, velas à janela; não falta o grito pela
salvação da Natureza, nada falta. Porém, o que é que está a falhar, o que é que
ainda falta? Eu diria, o principal: servir, porque servir a Humanidade é servir
a Deus. 
O mundo global não está a desenvolver
um conceito universal de irmão, parceiro, companheiro, amigo para todas as
horas. Na intenção de apagar identidades culturais, confunde partilha com
subjugação, tolerância com submissão, a História com vitimização; justifica o
injustificável fazendo submergir a justiça, o valor da vida, numa crescente
escravização levada a efeito pelo aumento das diferenças sociais, pela
ganância, pelo obsessivo desejo de poder. Tudo isto faz do passado um panteão
de fantasmas bélicos dos quais pretende fugir, conferindo ao presente uma
fragilidade obtusa, esmagando-se redondo nas promessas falsas de uma vida
melhor que não está a acontecer.
Cada vez mais silenciados, estamos a
viver a temeridade do livre pensamento, quer no interior de uma mesma
organização, quer entre as múltiplas organizações. Pensar tornou-se uma
afronta. Ir ao arrepio do convencional, cada vez mais implacável, tornou-se
sinónimo de desviante, psicótico, esquizofrénico. A Humanidade está a
apresentar-se como um rio que corre sem afluentes.
Temos de ter a coragem de querer o bem
pelo bem, criarmos a necessidade de sermos felizes porque queremos ver os
outros felizes; que a infelicidade ou felicidade do outro é a minha e
vice-versa. Precisamos de nos interceptarmos, de nos cruzarmos no caminho que é
longo. Há que perceber que sem o outro nem tampouco há caminho.
A Páscoa precisa de acontecer no
coração dos homens e das mulheres. Uma passagem do medo, a grande alavanca do
negativo, para a coragem do empenho na nossa modificação interior. Isso
significa servir, estar presente, ser útil, isso é Vida.
São inúmeros os que oram a Deus para
que esmague o inimigo, que traga a força da vingança, porque um dia serão todos
verdes ou amarelos. Esse deus terrível, que é só meu, um deus de posse,
tendencioso, esmagado nos confins de corações de pedra; esse deus que pisa
mulheres, crianças e idosos, adultos, natureza e tudo o que lhe aparece pela
frente; o deus da morte. Esse deus não é o libertador do Egipto nem da Cruz.
Precisamos de pôr termo a esta loucura. Vamo-nos comportar como irmãos e irmãs,
verdadeiros/verdadeiras.
            Temos de acabar com os demónios, os
fantasmas, as negatividades a fazerem-se passar por Deus. Com os seus devaneios
e comportamentos obsessivos, tornaram-se os grandes virtuosos dos nossos dias. Não
podemos continuar a permitir tal coisa. A Páscoa somos nós, o Reino de Deus
está dentro de nós, o oculto e o desoculto, o visível e o invisível são
criações nossas. Deus está aí, sente-se, vê-se a cada passo, é impossível
ignorá-Lo. Mas, pergunta-se: Como é isso possível? Sempre que servimos,
seja em que circunstância for, aqui e agora, na força esmagadora da
gratuitidade, Ele está presente.
Como em Lucas (17:20-25), podemos
perguntar: quando é que o reino de Deus virá? Quando os nossos corações
se libertarem da servidão que rebaixa e do calvário que envergonha, quando
servirem a Deus representado em cada irmão/irmã. O Reino de Deus virá quando o
Homem se abrir à fé libertadora. É quando irá acontecer a grande revelação: o
Reino de Deus está, efectivamente, dentro de nós.
            Que conceito de passagem nos traz o
ano de 2025? Se fosse neste ano, como seria a saída do Egipto, para que
montanha seríamos levados; como seria a crucificação de Jesus, quem seriam os
seus carrascos; onde receberia Moisés as tábuas que nos deixaria para a
posteridade? Que Moisés e que Jesus passariam, hoje? 
            E nós? Qual é a nossa passagem? Para
onde vamos, o que é que queremos para nós e para a Humanidade? Queremos coisas
diferentes, ou temos o privilégio de perceber que há um só desejo: a paz
universal na harmonia dos diferentes. Apraz orar e reflectir assim:
            “Ó
SENHOR, meu Deus, em ti me refugio.
               Salva-me de todo o que me persegue e
liberta-me.
            Que
ele não desfaça como um leão a minha vida,
 
            dilacerando-me, sem que ninguém me liberte.
            SENHOR,
meu Deus, se algum mal eu fiz,
              se nas minhas mãos há maldade,
            se
paguei com o mal aquem me fez bem,
              se despojei o meu adversário sem motivo,
            então que o inimigo me persiga e derrube,
              calcando por terra a minha vida,
              e faça com que a minha honra vá morar no pó.”
                                                                                                                                            (Sl
7:1-6) *
            “Quando
chegaram ao lugar chamado Calvário, aí o crucificaram. E <crucificaram>
também os malfeitores, um à direita e outro à esquerda. Jesus dizia: “pai,
perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem.” Depois, dividindo entre si as suas
vestes, deitaram sortes. O povo permanecia ali, observando. Os chefes
escarneciam, dizendo: “Outros ele salvou; salve-se a si mesmo, se é o Cristo de
Deus, o Eleito.” Os soldados também troçavam dele, aproximando-se para lhe
darem vinagre e dizendo: “Se és rei dos judeus, salva-te a ti mesmo!” Havia uma
inscrição por cima dele: 
            “Este
é o rei dos judeus.”
                                                                       (Lc
23:33-38) **
            Sejamos
portadores de esperança, de perdão e de humildade. Queiramos o bem acima de
todas as coisas. Façamos de cada dia uma festa da vida na alegria de estarmos
presentes sempre. Que Deus seja o nosso guia.
            Santíssima
Páscoa no muito querer o Bem.                    
            Margarida Azevedo
*Trad. Fundação Secretariado Nacional
da Educação Cristã, Conferência Episcopal Portuguesa, Bíblia, Os Quatro
Evangelhos e os Salmos, Lisboa, 2019.
**Trad. F. Lourenço, Bíblia, Novo Testamento,
Os Quatro Evangelhos, Lisboa, 2016.











 
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