domingo, abril 20, 2025

PASCOA 2025



A LIBERDADE QUE NÃO VEM

A VOZ DE UM JUDEU QUE A HUMANIDADE TEIMA EM NÃO OUVIR

UMA ESPIRITUALIDADE POR ACONTECER

 

            Porque ressurgem os faraós com os seus poderes do mundo, com os seus escravos numerosos a picar pedra e a carregá-la em ombros; rasgam-se as vias ápias, constroem-se calvários, carregam-se madeiros; são cada vez mais os crucificados neste sofrimento em massa.

            As ditaduras e as democracias estão a aproximar-se. Quer pela via da intransigência, quer pela do voto manipulado, e o resultado é o medo e a perda de direitos. Prometer e não cumprir, a perda do valor da palavra de honra, o dúbio, o incerto, o mesquinho, o deitar abaixo porque não se concorda, veio para ficar.

            A insegurança tornou-se no móbil do poder sem fim. Regressou a genuflexão ao faraó super-poderoso.

            Que sentido faz perguntar para onde caminha a humanidade? Num mundo de fome, guerra e catástrofes, em que a miséria espreita a todo o momento e em qualquer lugar; onde a falência de valores relativiza a luta por um sentido para a vida, para onde caminhamos?

            Não faltam os belos discursos, os justificativos para tudo o que acontece, até para o furto, o roubo, o assassínio; não faltam religiões, meditações perdidas em uma infinidade de técnicas, apelos à oração colectiva, velas à janela; não falta o grito pela salvação da Natureza, nada falta. Porém, o que é que está a falhar, o que é que ainda falta? Eu diria, o principal: servir, porque servir a Humanidade é servir a Deus.

O mundo global não está a desenvolver um conceito universal de irmão, parceiro, companheiro, amigo para todas as horas. Na intenção de apagar identidades culturais, confunde partilha com subjugação, tolerância com submissão, a História com vitimização; justifica o injustificável fazendo submergir a justiça, o valor da vida, numa crescente escravização levada a efeito pelo aumento das diferenças sociais, pela ganância, pelo obsessivo desejo de poder. Tudo isto faz do passado um panteão de fantasmas bélicos dos quais pretende fugir, conferindo ao presente uma fragilidade obtusa, esmagando-se redondo nas promessas falsas de uma vida melhor que não está a acontecer.

Cada vez mais silenciados, estamos a viver a temeridade do livre pensamento, quer no interior de uma mesma organização, quer entre as múltiplas organizações. Pensar tornou-se uma afronta. Ir ao arrepio do convencional, cada vez mais implacável, tornou-se sinónimo de desviante, psicótico, esquizofrénico. A Humanidade está a apresentar-se como um rio que corre sem afluentes.

Temos de ter a coragem de querer o bem pelo bem, criarmos a necessidade de sermos felizes porque queremos ver os outros felizes; que a infelicidade ou felicidade do outro é a minha e vice-versa. Precisamos de nos interceptarmos, de nos cruzarmos no caminho que é longo. Há que perceber que sem o outro nem tampouco há caminho.

A Páscoa precisa de acontecer no coração dos homens e das mulheres. Uma passagem do medo, a grande alavanca do negativo, para a coragem do empenho na nossa modificação interior. Isso significa servir, estar presente, ser útil, isso é Vida.

São inúmeros os que oram a Deus para que esmague o inimigo, que traga a força da vingança, porque um dia serão todos verdes ou amarelos. Esse deus terrível, que é só meu, um deus de posse, tendencioso, esmagado nos confins de corações de pedra; esse deus que pisa mulheres, crianças e idosos, adultos, natureza e tudo o que lhe aparece pela frente; o deus da morte. Esse deus não é o libertador do Egipto nem da Cruz. Precisamos de pôr termo a esta loucura. Vamo-nos comportar como irmãos e irmãs, verdadeiros/verdadeiras.

            Temos de acabar com os demónios, os fantasmas, as negatividades a fazerem-se passar por Deus. Com os seus devaneios e comportamentos obsessivos, tornaram-se os grandes virtuosos dos nossos dias. Não podemos continuar a permitir tal coisa. A Páscoa somos nós, o Reino de Deus está dentro de nós, o oculto e o desoculto, o visível e o invisível são criações nossas. Deus está aí, sente-se, vê-se a cada passo, é impossível ignorá-Lo. Mas, pergunta-se: Como é isso possível? Sempre que servimos, seja em que circunstância for, aqui e agora, na força esmagadora da gratuitidade, Ele está presente.

Como em Lucas (17:20-25), podemos perguntar: quando é que o reino de Deus virá? Quando os nossos corações se libertarem da servidão que rebaixa e do calvário que envergonha, quando servirem a Deus representado em cada irmão/irmã. O Reino de Deus virá quando o Homem se abrir à fé libertadora. É quando irá acontecer a grande revelação: o Reino de Deus está, efectivamente, dentro de nós.

            Que conceito de passagem nos traz o ano de 2025? Se fosse neste ano, como seria a saída do Egipto, para que montanha seríamos levados; como seria a crucificação de Jesus, quem seriam os seus carrascos; onde receberia Moisés as tábuas que nos deixaria para a posteridade? Que Moisés e que Jesus passariam, hoje?

            E nós? Qual é a nossa passagem? Para onde vamos, o que é que queremos para nós e para a Humanidade? Queremos coisas diferentes, ou temos o privilégio de perceber que há um só desejo: a paz universal na harmonia dos diferentes. Apraz orar e reflectir assim:

            “Ó SENHOR, meu Deus, em ti me refugio.

               Salva-me de todo o que me persegue e liberta-me.

            Que ele não desfaça como um leão a minha vida,

              dilacerando-me, sem que ninguém me liberte.

            SENHOR, meu Deus, se algum mal eu fiz,

              se nas minhas mãos há maldade,

            se paguei com o mal aquem me fez bem,

              se despojei o meu adversário sem motivo,

            então que o inimigo me persiga e derrube,

              calcando por terra a minha vida,

              e faça com que a minha honra vá morar no pó.”

                                                                                                                                            (Sl 7:1-6) *

 

            “Quando chegaram ao lugar chamado Calvário, aí o crucificaram. E <crucificaram> também os malfeitores, um à direita e outro à esquerda. Jesus dizia: “pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem.” Depois, dividindo entre si as suas vestes, deitaram sortes. O povo permanecia ali, observando. Os chefes escarneciam, dizendo: “Outros ele salvou; salve-se a si mesmo, se é o Cristo de Deus, o Eleito.” Os soldados também troçavam dele, aproximando-se para lhe darem vinagre e dizendo: “Se és rei dos judeus, salva-te a ti mesmo!” Havia uma inscrição por cima dele:

            “Este é o rei dos judeus.”

                                                                       (Lc 23:33-38) **

 

            Sejamos portadores de esperança, de perdão e de humildade. Queiramos o bem acima de todas as coisas. Façamos de cada dia uma festa da vida na alegria de estarmos presentes sempre. Que Deus seja o nosso guia.

            Santíssima Páscoa no muito querer o Bem.                   

 

            Margarida Azevedo

 

*Trad. Fundação Secretariado Nacional da Educação Cristã, Conferência Episcopal Portuguesa, Bíblia, Os Quatro Evangelhos e os Salmos, Lisboa, 2019.

**Trad. F. Lourenço, Bíblia, Novo Testamento, Os Quatro Evangelhos, Lisboa, 2016.

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