terça-feira, fevereiro 11, 2014

BLA...BLA...BLA...

As técnicas de persuasão, aplicadas aos discursos religiosos, têm uma história negra, tão negra que transformaram a fé em psicose, a vida em sociedade num manancial de discriminação culminando em morte e destruição em massa. Não vale a pena fazer uma listagem de guerras santas, de lutas contra os infiéis, da implementação da loucura e cegueira colectivas, onde o ser humano se tinha como investido de forças superiores que o conduziam a expoentes de violência e agressividade de tal forma bélicos que não olhavam a meios para atingir os fins.
                Essas técnicas de persuasão impuseram o medo, a tortura, manipularam consciências, desenvolveram o sentimento de culpa, que não raro conduziu ao suicídio, criando, como se tudo isso não bastasse, a ideia de que este mundo é mau, apesar de feito por um Ser sumamente bom e poderoso.
                Jamais foi ensinado que o poder é proporcional à bondade, que o bom é o poderoso porque é criador, porque perdoa e é compreensivo, porque é feliz; poder sem bondade é ditadura, bondade sem poder é fraqueza.
                As religiões de hoje, tal como dantes, filhas de si mesmas, herdeiras da sua ambição, desde as igrejas, seitas, ou ao mais pequeno grupúsculo parece que ainda não se mentalizaram de que não vendem mercadorias, não são lojas de electrodomésticos, não disputam qualidades nem quantidades de vendas, não são máquinas lucrativas. Porém, é isso que elas fazem, é isso que continuam a fazer, é nisso que são especialistas.
                No mundo global, onde tudo é de todos sem o ser, onde todos se parecem sem se parecerem, onde tudo se compra e se vende mesmo o que não está à venda e está para além de todo o preço, o fenómeno religioso continua a ser uma fonte de riqueza, ganho fácil, uma forma de ser o que não se é, de viver como se não deve viver. Que o digam os oradores espíritas que por aí andam, que falam, e falam, e falam, mas na maioria não dizem nada. Todavia, o auditório aplaude-os de pé, em ovação embevecida, tendo-os como privilegiados na inspiração do mais puro divino. Como?
                Conhecedores, tal como os seus congéneres dos outros grupos religiosos, das técnicas de persuasão americanas, muito em voga e muito utilizadas em marketing, falam do seguinte modo:
                -deslocam-se de coluna bem vertical, mas não de forma ostensiva, simulando confiança absoluta, mas não de forma a enfatizá-la para não chocar o auditório; o caminhar descontraído é fundamental;
                -sorriem sem exuberância, espalhando simpatia;
                - enquanto se deslocam para o palco onde vão discursar, vão cumprimentando alguns elementos do público: palmadinhas afáveis nas costas ou apertos-de-mão aos homens, beijinhos discretos às senhoras; alguns passam a mão pela cabeça das criancinhas em jeito de bênção.
                Quanto ao conteúdo dos discursos, que não interessa para nada, processa-se do seguinte modo:
                - o tom de voz é enfático, claro e preciso, ou seja, é imperioso que os ouvintes não pensem por si mesmos, não reflictam, não ponham em causa absolutamente nada do que estão a ouvir. “Tudo é muito evidente, tudo é assim mesmo, nada poderia ser de outro modo”.
                O orador, tendo consciência de coisas tão elementares como o sofrimento da humanidade, a crise económica, o desemprego, a insegurança no trabalho, a crise da família, a desigualdade no acesso aos bens de primeira necessidade, tais como à saúde, educação, cultura, níveis mais altos da actividade profissional e salarial; a discrepância religiosa, as suas escalas militaristas, os bons, os maus e os assim-assim, e tudo o mais que venha a talhe de foice, usa termos que vão ao encontro do que o auditório quer ouvir, criando-lhe falsas espectativas, dando a entender que tem a solução para os seus problemas, ou incutindo-lhe a ideia de que os devem aceitar sem tugir nem mugir, do tipo “Que feliz que eu sou por estar mal! Ainda bem, pois vou ganhar o céu. Os ricos vão ver o que os espera!”, alimentando, sub-repticiamente, o espírito de vingança, a inveja de quem vive melhor, e desenvolvendo a ideia de que é na miséria, sem nada fazer para a combater, que está a felicidade num futuro que ninguém pode, em absoluto, dizer como é, se assim não fosse não teríamos a disparidade de opiniões sobre o além, facto que vai da menor coerência à maior excentricidade .
                Para isso, torna-se imperioso saber utilizar as palavras utilizando a técnica de manipulação mental (através do discurso, criam, no ouvinte, uma falsa ideia de liberdade, manipulando-lhe a vontade, maxime, o livre-arbítrio, conduzindo-o a conclusões e concordâncias que julga que são suas):
                - o tom de voz é seguro, acentuando a última sílaba, criando espaços átonos entre as palavras, fazendo pausas entre as frases, cujos timings são meticulosamente empregados. Enfatizam umas palavras mais que outras, mudando o tom de voz, acompanhando-as de gestos largos, ou discretos, conforme o objectivo;
                - pelo meio vão contando historietas da vida quotidiana, passadas no supermercado, no escritório ou da bancada da senhora da hortaliça, na praça;
                - não pode faltar o humor, o perigosíssimo humor, que mais não é que a troça sarcástica, impiedosa e vil de comportamentos, dizeres e ideias, que geralmente são alguns resquícios de individualidade que possam existir entre alguns elementos do auditório, atemorizando-os, manipulando-os, silenciando-os sob pena de serem ridicularizados aquando de alguma questão que quisessem colocar. O humor cala, é intransigente, ridiculariza, é sádico, constrange, inferioriza, cria a necessidade de pertença ao grupo, neste caso, ao discurso. O diferente, o individual, no auge do humor, num auditório, é absorvido sem dó nem piedade.
                É lamentável que alguns oradores espíritas sejam tudo isto. É claro que deve saber-se comunicar, usar o humor, também, mas é fundamental saber do que se está a falar e de coração aberto. Tudo tem o seu reverso. O cinismo não pode continuar a fazer parte dos discursos de nada nos meios espíritas. Os oradores têm que começar, na sua maioria, a dizer alguma coisa, estarem mais preocupados com a Doutrina do que com a sua imagem. Cada orador deve compenetrar-se de que é um servidor e que Deus, conhece o nosso íntimo porque nos criou. A esse Ser, que não cabe nas nossas cabeças, apenas sabemos que devemos o ser, a vida, a existência. O que já não é pouco. Tudo o mais não passa de vãs discussões de mentes embrionárias de quem pensa que sabe alguma coisa.
               

                Margarida Azevedo