segunda-feira, maio 27, 2013

CARTÃO DE POBREZA


Exercer caridade não é para toda a gente, se a entendermos como um acto reflexivo, inteligente, meditativo mesmo.

É facto que ela está ao alcance de todos, pois todos possuímos sempre algo que podemos partilhar. Não há dúvida. Mas a caridade cristã, aquela que não exclui, não conhece diferenças, nem fronteiras, que ultrapassa todos os obstáculos, essa já é mais complexa.

A caridade cristã não separa, mas une, não identifica quem dá nem quem recebe, mas ilumina a ambos na sua humildade, a qual é tão necessária para um como para outro, pois ambos partilham o mesmo momento; não escandaliza, pois aquele que dá não o faz porque lhe sobra, nem o que recebe porque está na miséria da ausência total uma vez que a caridade é uma ajuda baseada num acto pedagógico. A caridade cristã ensina ao que pede o caminho da libertação face ao que o torna dependente, ao que dá mostra o caminho da compreensão do que significa estar ao serviço da liberdade desprovida de rótulos como cidadania, gesto político mais enobrecido, fé, até mesmo caminho para Deus. A caridade cristã é gesto da alma, não espera qualquer pagamento, porque ela não tem preço, porque não há nada que a pague, porque é outra coisa tão subtil que até um simples “obrigado/a” já soa a deformação.

Mas a nossa vivência cristã está longe de feitos caridosos, ainda que muito apregoados. As sociedades ocidentais que apoiaram o cristianismo na caridade, mantendo os crentes na ignorância, conduziram as mesmas aos maiores níveis de pobreza a que jamais um cristão poderia descer. Não porque o cristão seja diferente dos demais homens e mulheres das outras confissões, mas porque, por serem cristãos, não compreenderam a mensagem do seu mestre, deturparam-na, fazendo dele um mestre da pobreza e não um mestre de uma doutrina libertadora.

Mais, separaram de tal forma a vida terrena da vida espiritual que entenderam por libertação o fim do jugo do pecado original, bastante tardio, sublinhe-se, e não um fim de tudo o que seja aprisionador. A liberdade espiritual e/ou doutrinária defendida por Jesus nunca poderia estar separada da vivência social. A libertação de uma conduz, inevitavelmente, à outra.

Matar a fome, só por si, não liberta ninguém. Ela tem que ser acompanhada de conhecimento, estudo, mudança interior. Por sua vez, a mudança interior não se consegue na fome.

Porém, não se confunda o jejum com a fome, como o fazem alguns. A fome é ausência, é querer e não ter, o jejum é presença de um objectivo, é ter e não querer. O primeiro impõe-se ao sujeito, no segundo é o sujeito que se lhe impõe de livre vontade. O primeiro é vazio e deplorável e conduz à revolta e à degradação do sujeito, o segundo tem um fim e é caminho para esse fim.

E nesta deturpação da vivência cristã, segregadora, a insegura vida laboral tem conduzido à degradação profissional, os actos de dar ao amesquinhar da caridade, de tal forma que os pobres passaram ao estatuto de gente a quem tudo falta. Por outras palavras, já não há pobres nem necessitados, há míseros. O desemprego das famílias, por exemplo, a isso as conduziu, com a agravante de que há quem tenha a opinião infeliz de que é porque gozaram e gastaram demais. Não generalizem um caso ou outro dando-lhe a abrangência de lei, nem se envolvam em perigosos juízos de valor tomando contornos não menos perigosos de tribunais populares. O conforto e o bem-estar devem estar ao serviço de todos e tem a dimensão das bolsas de cada um. Atenção que não estamos a falar de excentricidades ridículas e avaras tais como uma caneta de 50 000 € ou um gorro por 10 000.

Aquilo com que nós estamos em total desacordo é o facto de haver ficheiros onde estão identificados todos os que acorrem às instituições de caridade a fim de receberem ajuda. Essa base de dados, além de rotular, é um selo que cai no fundo da alma, que tem implicações psicológicas que podem conduzir inclusivamente ao suicídio pois envergonham, reduzindo o sujeito a um estatuto absolutamente degradante: “Quem és tu?”, “Eu sou o pobre n.º 2029.”

O ficheiro é um cartão de pobreza, mal disfarçado dentro do computador, uma espécie de “salvo-conduto” virtual, que dá acesso à despensa da instituição (muito social, muito cristã, muito caridosa, tudo muito).

Acrescente-se ainda que, mercê da onda de modernices e com o andamento que tudo está a levar, dentro em pouco serão acrescidos de um chip para que todos os aparelhos detectores de intrusos denunciem a presença de um pobrezinho. Com isso passará ao grandioso estatuto de pobre mundialmente conhecido, orgulhosamente universalizado, um pedinte à escala planetária. Assim, além do nº 2029, dentro do país, terá o 23 000 000, no continente, 325 000 000, no planeta. Ou então, e porque a língua portuguesa anda a aprimorar-se nas suas designações, “um cidadão indefinido”.

Este, quanto a nós, é o maior acto xenófobo, o mais terrífico, o mais medonho, o mais hediondo a que um ser humano pode estar sujeito. É a maior degradação que alguém pode atingir, a maior pobreza espiritual; anti tudo, todas as doutrinas, todas as crenças, toda e qualquer apresentação da fé, da cidadania, a maior anulação do conceito de pessoa.

É urgente reler os profetas, orar a Deus nas Alturas e modificar-se, antes que seja tarde demais. Os idiotas esquecem-se de que o mundo gira sem parar e que nestas mudanças o que está hoje em cima, amanhã poderá estar em baixo. Basta Deus querer.
Margarida Azevedo

sexta-feira, maio 17, 2013

É DE MARCA!


Os nossos vãos pensamentos, construtores das mais ignotas dependências, elaboram escalas de valores que nos espartilham a razão e fragilizam os gostos.

Já ninguém veste roupa, veste marcas; já não se lê um livro, mas só o autor. Até o bacalhau é de marca e os perus, e tudo o que de mais perfumado e saboroso que este planeta azul produza.

É uma luta titânica contra a liberdade, bastante nociva nestes casos, acrescente-se. Aquele criador ou autor é tão fantástico que marca com a sua marca toda uma franja da humanidade que se torna a sua fiel seguidora. A marca é um partido, uma religião, um culto, um modo de consumo, até uma forma de dizer quem se é. Tudo o que deles vier é sempre bom, porque é deles, tem o seu cunho, o símbolo da tribo.

Deus não faria melhor. Ninguém pergunta porque é que a marca tem este ou aquele corte, aquelas cores, mas toda a gente se interroga porque é que Deus fez o mundo assim; a ninguém passa pela cabeça dizer que a marca está mal e que podia ser diferente, mas toda a gente diz que este mundo tem incongruências e que podia ser de outro modo; ninguém quer fazer má figura por causa de uma coisa tão simples como é a roupinha, mas não há semelhante preocupação em matéria de carácter.

Ninguém discute quem fez a marca, porque esse é um ser que está acima de toda a controvérsia. Foi ele que contribuiu para grandes momentos de felicidade, tais como socialização, pertença a um grupo, respeitinho devido ao logótipo, isto é, o bicho que está bordado no peito, na perna, na nádega, ou simplesmente pendurado nas orelhas ou no umbigo. Mas toda a gente discute Deus, os Seus poderes, os Seus desígnios, as Suas decisões. Deus só traz infelicidade. Para que serve ser bom? Para ser tido como pacóvio, tolinho, ingénuo. A marca traz status, impõe uma presença impondo-se ela mesma. Usá-la ou exibi-la é pertencer-lhe, pois toda a gente fica inteirada de que faz parte daquele clã. Pelo contrário, pertencer a Deus não tem cor, paladar ou aspecto, nem consta que do Seu Reino desçam até nós, simples mortais, os celestiais criadores de moda.

As marcas são representadas por animais, na sua maioria, ou então por uma figura fantasiosa, imaginária. São o expoente máximo de até onde pode ir o poder imenso da criatividade. Por isso são cultuadas no ritual eterno da ida à loja chique, que é sempre relativa à bolsa do comprador. Deus não. Não Lhe passou pela cabeça dependurar a pata de um bicho qualquer nos algodoeiros. A perfeição da marca está muito para além da imperfeição do mundo criado por Deus.

Quando o indivíduo deixa de passar despercebido e é identificado segundo a marca que usa, torna-se importante, tal como identificar-se com uma religião ou igreja quaisquer. Deixa de ser um homem, passa a ser uma testemunha de Jeová, ou deixa de ser uma mulher e passa a ser uma espírita. Com a marca passa a ter pedigree, uma espécie de pureza de raça paga ao preço da idiotia. E a idiotia é o que mais vende neste mundo. Mas se aderir a uma religião ou igreja pela via do empenhamento, do desejo de modificação interior, auto-análise, projecto de vida, então candidata-se a ser perseguido, até pelos dele. Mas se fizer pior, seguir a Deus sem igreja nenhuma, a situação superlativiza-se. A religião ou igreja rotulam, não há dúvida, o que parece fazer muita falta, porém não tanto nem tão bem como a marca da vestimenta ou do adereço. É que primeiro comem os olhos, e andar de argola no nariz não é para qualquer um. Há que ter classe. Só depois afluem as problemáticas da fé, as snobeiras da ética, os retiros espirituais com os seus momentos místicos de grandes experiências transcendentais, os aléns, os outros mundos, a vida na Lua ou em Marte …

Por outro lado, a agressividade e violência que encontramos no mundo, sobretudo na manutenção das espécies que se devoram entre si, a maldade humana, o misto de beleza e perfeição no meio de tantas irregularidades, põem em causa o estatuto desse Deus supremamente bom; porém, a marca vem repor a ordem paradisíaca com um toque de sedução.

Mas estes deuses não são novos, apenas novas apresentações do miticismo da mente humana quando elevada ao expoente da mediocridade, do fanatismo e da idolatria. Eles são a continuidade de algo muito antigo, a saber, a dependência do ser humano de tudo o que lhe é inferior e aprisionante, só que agora de uma forma que envergonha as suas origens. Os deuses traziam sabedoria, norma, regra, lei. Visavam repor uma ordem perdida pelo desvio das ambições dos homens/mulheres, resolver problemas familiares e sociais… Consultar a pitonisa exigia preparação, recolhimento, compreender a linguagem codificada dos deuses; esta, por sua vez, possuía o dom da comunicação aquando de um êxtase muito peculiar.

Ora, a marca tornou-se uma empobrecida face do logos, poderíamos dizer sem receios do ridículo. É um empobrecimento da linguagem, uma redução do seu campo de forças, uma materialização. É a voz da ambição outrora combatida. A palavra já não é um murmúrio do inefável libertador na procura de justiça, mas a imposição artificial à ordem que subjaz a todas as coisas, violentamente. A própria religiosidade perdeu o sentido do sagrado, profanizou-se, temporalizou-se. Torna-se urgente retomar a procura do sagrado, encarar este mundo como um caminho para os mundos, as pátrias dos justos, dos felizes, dos livres.

A fama é o vil carrasco dos tempos que correm. Que correm, dizemos bem, pois ela é veloz e efémera. Mas ninguém quer saber. É tão bom ser diva por dois segundos de vida, muito melhor que ser bom na eternidade de uma existência.

Perante tão doloroso espectáculo, a novidade continua a ser um alvo a abater, pela ausência de nome, ou pela inaceitável sonoridade do mesmo, pelo rosto que desagrada ou pelos contornos nada convencionais dos gestos ou das palavras.

O Espiritismo não foge à regra. Muito pelo contrário. Diríamos que há um registo bioespiritual, biopsíquico ou biofísico (deixamos à consideração de quem lê estas linhas a escolha do vocábulo mais apropriado; quanto a nós, detestamos qualquer um deles) que, mercê de um processo complexo de estagnação que ninguém consegue definir, “programou” uma multidão de espíritas para que estes só aceitem o produto das marcas. Como?
Se num jardim há quem prefira os amores-perfeitos em detrimento dos malmequeres, num universo de visitantes que preferem os últimos aos primeiros, temos o que se pode chamar o caldo entornado. E se os “partidários” dos amores-perfeitos criticarem, por alguma razão, os malmequeres, então temos a guerra.

Numa linguagem espírita fica assim: se num Centro há quem prefira Kardec, em detrimento de F. C. Xavier, num universo dos que preferem o último ao primeiro, então a coisa está preta. E se os “partidários” de Kardec criticarem, por alguma razão, os de F. C. Xavier, então é baixo astral. Parece que ninguém quer compreender que um jardim, para ser jardim, tem que ter muitas flores.

Precisamos de uma noção de complementaridade. Alguns ainda não perceberam que estamos incompletos, inacabados, que temos muito por fazer. Denunciar o que está errado é tarefa de quem quer crescer. E ainda que a ignorância seja do tamanho do Universo, a intenção já vale o esforço. Pelo menos sempre se vão enfraquecendo algumas negatividades, o que já não está mal.
Margarida Azevedo

quarta-feira, maio 01, 2013

IMPOSIÇÃO DAS MÃOS EM ESPIRITISMO

Esta temática é demasiado extensa, conduz facilmente a alguma confusão e requer, por isso, uma atenção especial. Assim sendo, vamos abordá-la segundo uma única perspectiva, a saber, o modo como deve ser exercida, no entanto superficialmente, dada a extensão do próprio item.

Antes de mais, à imposição das mãos se chama, em Espiritismo, passe de limpeza psico-magnética ou, simplesmente, passe. O médium que a exerce chama-se médium passista, muito embora possa exercer outros tipos de mediunidade.

O modo como o passe é exercido depende do médium: do seu magnetismo, da forma de orar e de estar na vida, dos ambientes que frequenta, da linguagem que utiliza no dia-a-dia, do maior ou menor empenho na sua modificação interior, da sua maior ou menor capacidade em abstrair-se da sua vida pessoal, isto é, da capacidade de concentração na actividade mediúnica; mas depende, principalmente, da sua fé, pois é ela que define o tipo de influência espiritual que o assiste. A fé é o grande educador do Espírito pois concentra em si todos os outros aspectos.

Por mais cuidadoso que o médium seja, na sua vivência quotidiana, sem fé inabalável o passe não surte o efeito desejado; mas também sem uma vida regrada que a alimente, por mais fé que tenha, o efeito é idêntico. Assim, o passista tem que conjugar todos estes aspectos para que o passe seja eficaz.

Podemos dizer que o passe retrata o médium na sua relação afectiva com o outro, assim como o seu modo de vida pessoal. Ele é um gesto de grande dádiva e respeito pelo outro, na sua dor e no seu sofrimento, humilde contributo para a superação do que o perturba.

Por outro lado, o próprio passe já é, por si só, uma prece pela humanidade representada naqueles dois seres, o que dá e o que recebe. Podemos ainda acrescentar que, mais que caridade, o passe é amor, pois é um gesto que se espelha na vivência espiritual do outro para sempre, ainda que não surta o efeito desejado.

Porém, com o passar dos anos, muitos espíritas têm vindo a preocupar-se com questões tecnicistas. Já ouvimos dizer que “os passes, agora, já não se dão dessa maneira”. Nós perguntamos, “Porquê?” E a resposta, deveras curiosa, é esta, “Porque já não se usa.”

Ora, o passe não é uma questão de moda, mas de eficiência afectiva. Os nossos afectos são curadores, nem nos apercebemos o quanto. O bem-querer é incomensurável, a nossa vontade e pensamento, aliados, são poderosas alavancas para a realização do bem. É verdade que o passe é uma imposição magnética, mas se o reduzirmos a essa pobreza, então estamos a fazer qualquer outra coisa, Reiki, gestos técnicos mecanizados, etc.

Sem uma prece verbal e sem que se encare o passe como uma outra forma de prece, não-verbal, ele já não é passe, mas todas essas coisas que para aí se fazem. E como o amor não tem moda, o passe obedece ao modo como o passista sente que o deve dar. Felizmente não há técnicas universais de dar passes, tal como não há preces pré- estabelecidas. Cabe ao médium passista escolher as palavras da sua oração e o modo como vai impor as mãos. É sempre o coração que dita as regras e não os modos; é ele e só ele o responsável pela sua eficácia.

Assim, há que perceber que não são as modas/técnicas que dão passes, mas os médiuns, que dispõem do seu magnetismo em prol do bem-estar do outro. Nem Jesus impôs técnicas, limitando-se a pedir “Curai os enfermos, ressuscitai os mortos, limpai os leprosos, expeli os demónios; dai de graça o que de graça recebestes.” (Mt 10: 8). Como?... Tal como não disse que os apóstolos estavam à mercê de forças ocultas. O trabalho de Jesus não foi impor métodos nem dar respostas, mas abrir caminhos, alargar os horizontes de esperança.

Lamentavelmente, e descurando o que a Doutrina ensina, muitos encaram o passe como uma comunicação com o além, de forma que é o “outro mundo” que dita as regras. Ora, o além não dita coisa nenhuma, nem nós devemos obedecer aos Espíritos. Estes também precisam de trabalhar connosco para evoluir, e nós não somos infalíveis para nos depositarmos incondicionalmente nas suas mãos, igualmente falíveis como nós, e por vezes até mais. O nosso discernimento é débil, a razão enganosa, os nossos cálculos estão dependentes de uma infinidade de factores, a maior parte passando-nos completamente ao lado, e os Espíritos são “(…) as almas, despidas do seu invólucro corporal, daqueles que viveram na Terra ou em outros mundos..” (O que é o Espiritismo, p. 153). E, mais à frente, o codificador acrescenta, “Não sendo mais que as almas dos homens, os Espíritos não adquirem a perfeição logo que deixam o envoltório terrenal. Seu progresso só se faz com o tempo, e não é senão paulatinamente que se despojam das suas imperfeições, que conquistam os conhecimentos que lhes faltam.” (idem, p.157).

Os Mentores dos grupos espíritas não são agentes ao serviço dos passes, mas trabalhadores como nós. Não temos acesso às altas falanges, esses Espíritos também não. Logo os passes são assistidos por Entidades em tudo semelhantes a nós. E se assim for já temos muitas graças que dar a Deus. Se com tão pouco discernimento já se faz o que se faz, não conseguimos imaginar as maravilhas dos mundos acima do nosso.
Verificamos também, com grande pesar, que, antes de iniciarem os trabalhos, não apenas mediúnicos, mas também as sessões de evangelização, os trabalhadores oram às Entidades da sua afeição. Eis um indício de situação obsessiva. Evocar os Espíritos, pronunciando os seus nomes, é expor-se a ser enganado. Qualquer Entidade relativamente séria alerta o grupo de trabalho para que não o faça, até para salvaguardar o grupo de cair em vaidosismos perigosos, pondo em risco a eficácia do passe.

Nem em Kardec, nem nos evangelhos é feito o apelo à oração a quem quer que seja. Somos herdeiros da mensagem de Israel, não o esqueçamos: o Deus único, sem representação figurativa, que alertou para não termos outros deuses além Dele, isto é, libertarmo-nos de subjugações/orações a outras divindades. Isto significa que não há força alguma que se Lhe imponha. Tudo o que precisamos só a Deus devemos pedir, só a Ele devemos orar, só a Ele devemos agradecer as dádivas maravilhosas que recebemos, entre elas a Vida.
Consideramos uma obsessão perigosíssima, uma descrença e mesmo uma heresia, começar os trabalhos com orações a Francisco C. Xavier, Bezerra de Menezes, aos Mentores da Casa, só para citar as Entidades/formas mais conhecidas e mais evocadas. O resultado é o que se vê. Cada vez mais os trabalhos mediúnicos estão a perder qualidade. Os médiuns estão cada vez mais fascinados, embevecidos com as suas capacidades mediúnicas e respectivas assistências espirituais. Assim, os passes estão cada vez mais ineficazes e os grandes casos ficam por tratar. É claro que não nos referimos aos poucos que ainda primam pelo kardecismo/cristianismo na sua versão mais pura, isto é, os que lutam por um trabalho dignificante, aquele em que muitas vezes temos de abdicar de nós mesmos.

Por outro lado, não devem acreditar nos bons resultados do passe. Os maus também fazem grandes prodígios. As evocações tenebrosas também surtem os seus “bons efeitos” para enganar. Há que saber discernir dos Espíritos pois “Amados, não creiais em todo o espírito, mas provai se os espíritos são de Deus. Nós somos de Deus; aquele que conhece a Deus ouve-nos; aquele que não é de Deus não nos ouve. Nisto conhecemos nós o espírito da verdade e o espírito do erro.” (I Jo 4: 1; 6) Seja qual for a mediunidade, estas passagens do Evangelho têm que estar sempre presentes. Até porque, dada a suma importância de que se reveste, o novo Testamento presenteia-nos com mais três passagens, (Mt 7:15-20; Mc 13: 5-6; Lc 6: 43-45). O leitor é livre de escolher o teólogo de que mais gosta, pois que os textos são diferentes e referem-se a públicos distintos. Pode também escolhê-los todos, pois no Evangelho as “contradições” são complementaridade. No passe, há que saber o que é o Bem, pois ele nem sempre está onde parece.

Cuidado com a vaidade mediúnica de que a fascinação é uma filha. Somos nada, tudo o que somos é passageiro, mutável, fugaz. O passe é trabalho purificador para quem dá e para quem recebe. Não há grandes passistas, mas gente que dedica com mais veemência o seu tempo e a sua prece em prol do bem-estar do outro. O médium é sempre um servidor, e isso é uma grande honra espiritual, uma graça de Deus. Manter esse merecimento, eis um grande desafio à nossa capacidade de persistência.

Em suma, na nossa opinião, falar de passe e de oração é a mesma coisa. As Entidades são necessitadas das nossas preces. Não são só as perturbadas, mas também aquelas que foram nossas companheiras de vida e que ficaram do outro lado, as que não conhecemos, as que estão neste mundo, o universo, enfim. É o que lemos, o que aprendemos, o que defendemos. Não há melhor saudação que uma prece. A sua maior ou menor abrangência é ditada por um coração que se universaliza em cada palavra de bem.

O passe é um simples contributo para o aligeirar das dores da caminhada, que é longa, mas que pode ser aliviada com uma gota de água de um pensamento fluidificado no recolhimento de uma prece a Deus Todo Poderoso.
Senhor, que as nossas mãos sejam bálsamos para quem delas necessita

Que as nossas preces sejam palavras benditas que conduzam ao Teu Reino

E que tudo o que fazemos seja em Tua honra Glória. Ámen
Margarida Azevedo.

Bibliografia

KARDEC, A., O que é o Espiritismo, FEB, RJ, 1987, pp. 153; 157.
Não citada

KARDEC, A., O Livro dos Espíritos, CEPC, Lisboa, 1984, p.219, q. n.º469.

__________¬_, O Evangelho Segundo o Espiritismo, CEPC, Lisboa, 1987, caps. XXI; XXVII, pp. 263-273; 309-321.