quarta-feira, junho 21, 2006

FLORES DE SILÊNCIO - I




1
Há momentos na nossa vida em que pensamos ser a morte a benção triunfante para todos os males.
Há momentos em que a dor parece insuportável, a mágoa ou a ofensa de nossos irmãos uma catástrofe. São os tais momentos que nos conduzem a um abandono de nós mesmos, à perda quase total do sentido de justiça que a vida contém.
Porém, um propósito se impõe: Nunca deseje a morte. Não peça a Deus o fim de uma vida cujo princípio e fim reside na Divindade. Não vá para além dos seus limites, do seu território espiritual, da sua área de acção.
Encontre-se consigo mesmo, recolha-se na intimidade do seu quarto, ore fervorosamente com a fé de quem sabe que está a ser ouvido, que é atendido, esclarecido. Eleve o pensamento a Deus, a Jesus, ao seu Guia ou a qualquer Entidade da sua devoção. Nessa altura, ouvirá a consciência que lhe ditará regras de conduta para consigo próprio e para com a sua vida.
Não se apoie na sua falta de coragem, nos seus receios, nas suas fobias ou nos seus fantasmas. Nada disso é bom conselheiro.
Jamais se dê por vencido. Você tem tanta força. Se você soubesse a força que tem. Não seja como o elefante que teme o rato. Pense que os seus problemas são ainda mais pequenos que o rato, e a sua força infinitamente maior que o elefante.
Desejar a morte é ofender a Deus, e antes de mais uma falta de fé. Procure no seu coração essa força magnífica que Deus lhe deu, e que você tem que desenvolver. Deite mãos ao trabalho e lute pela vida
Desejar a morte? Nunca. A morte nem sequer existe. A morte é mero desencarne. Com ela os problemas não terminam definitivamente, podendo ser mesmo o princípio de novas dores, ou uma severa agudização das que já existem. Não permita que isso lhe aconteça.
Coragem, força e persistência, e... uma fé muito viva são tudo o que precisa. Tenha sempre presente esta máxima: "Eu sou um filho muito querido de Deus."

2
Antes de dizer para consigo: "Nunca mais te perdoarei por tudo o que me fizeste, pela humilhação que por tua causa passei, pela vergonha a que me expuseste. Vou levar para a tumba este desgosto. Nunca mais me fales. Eu não quero saber de ti", pense primeiro nestes termos: "O que faria Jesus no meu lugar?"
O Cordeiro de Deus não terá sido porventura o mais humilhado de todos? O mais ofendido, o mais injuriado? Não foi Ele traído, escarnecido e crucificado por pregar o contrário do olho por olho e dente por dente?
Quem somos nós para dizer que não perdoamos? Que autoridade, que superioridade, que infalibilidade é essa de que vestimos o nosso orgulho para dizermos que não perdoamos?
Pobre humanidade que continua perdida na fantasia julgando uns superiores aos outros. Porque continua a ser tão difícil aceitar o perdão?
Perdoar é força, é sensatez, é coragem, é luz, é amor. Perdoe tantas vezes quantas as necessárias, tendo Jesus como modelo espiritual da Terra. Perdoe toda e qualquer ofensa. As ofensas nunca são grandes ou pequenas. Elas apenas têm o tamanho da nossa mesquinhez, a importância da nossa nenhuma importância.
A ofensa só faz sentido quando somos apanhados de surpresa na trama relacional que nos envolve com o outro. Quando nos confrontamos com a nossa impreparação para o desagradável, como se a vida na Terra fosse um desfile de homens e mulheres perfeitos, em autêntico idílio de pureza.
Perdoe do fundo da alma. Esqueça a ofensa e não se importe com os comentários dos outros. Não disse Jesus que quem quiser vir após Ele pegue na cruz e siga-O? Pois aí está. Prove com o seu amor que quer seguir o Mestre. Prove que quer dar uma reviravolta na sua vida, que quer ser diferente, feliz.
Não se apoie no comodismo, no inatismo, na preguiça. Não pense que o mundo continua na mesma, quer você perdoe quer não. Lembre-se : "Se eu mudar, o mundo também muda." Seja uma alma ao serviço do bem, e verá que a sua vida e o mundo também mudarão.
3
Não se martirize a pensar que cometeu um erro muito grave e que agora já não há nada a fazer. Não se crucifique a pensar que de agora em diante vai ter que viver com os remorsos para o resto da vida. Tudo isso é tão fácil. Difícil, mas grandioso, eloquente mesmo, seria fazer isto:
"Ofendi-te? Desculpa, eu não sabia onde estava com a cabeça.
Humilhei-te? Perdão, eu não sabia o que fazia.
Matei o teu filho? Acredita que o meu arrependimento tem-me matado todos os dias.
Assaltei a tua casa? Tens a minha palavra de que vou repor tudo o que te tirei.
Caluniei-te? Podes ter a certeza de que vou dizer a todos quantos falei de ti que tudo não passou de invenção própria da inveja doentia.
Doravante, vou ser outro homem, crente em Deus e em Sua divina protecção."
Tem coragem? Não! Arranje-a. Ou melhor, você tem coragem para isso e muito mais. Você apenas teme a reacção do outro lado, da sua família, dos amigos, da sociedade.
Ser livre não é estar fora de uma prisão, apenas, mas desprender-se das algemas do respeito humano e não temer o comentário dos fracos.
Ser livre não é assunto inútil, é matéria de profundo aprendizado espiritual. Os fracos são prisioneiros da sua própria incúria.
Ser livre é fazer o que acha que deve ser feito a fim de limpar um mal cometido.
Ser livre é ter consciência do erro e do mal que dele adveio.
Isto é utópico? Mas o que é que é utópico neste pobre mundo onde tudo muda todos os dias, onde nem cada um se conhece a si mesmo, onde a verdade se torna mentira e a mentira verdade? Onde riscamos um fósforo que está seco e de repente aparece água, onde os heróis de uma época são os perseguidos de outra?
Não. Há sempre muito a fazer. O difícil é encontrarmos coragem.
Desculpe-se directamente ao ofendido, mostre a sua alma, a sua verdade, o que de mais puro há em si. Contudo, previamente alimente o Espírito com uma prece pedindo a Deus força para não voltar a cometer os mesmos erros, a não cair nas mesmas fraudes, a não acreditar na vida fácil, nem no enriquecimento rápido, nem a invejar o que não lhe pertence.
Sinta-se feliz com as possibilidades que Deus lhe dá e trabalhe dentro dos moldes da justiça.
Peça a Deus que afaste de si pensamentos do género: "Não sou o único. Apenas eu fui dos parvos, dos que se deixam apanhar." Não. Peça-Lhe para que não se deixe influenciar por maus conselhos, por inimigos carnais inspirados por quantos e quantos do lado de lá. Peça a Deus força, muita força e persistência.
Exponha-se a ser amado, acredite no amor. Já pensou nisso? O amor é para todos, até para a mais singela ervinha do campo
4
Por vezes, o desespero, a ingratidão, um mar de erros consecutivos, ou um nó que não sabemos explicar, remetem-nos para a horrível questão: "Onde é que eu errei?"
São os tais momentos em que ficamos cabisbaixos, nostálgicos, invadidos por uma sensação de pânico interior, lá bem do fundo, que não sabemos explicar, abandonando-nos às cogitações de quem sente uma voz na consciência a falar mais alto, tão alto que se impõe à comum razão que damos às coisas, aos quês e porquês, quantas vezes os da nossa conveniência.
"Onde é que eu errei?", pergunta feroz para quem não vislumbra um fim que, muito embora possa nem ser o mais desejado, não tem um desfecho fora do eu.
É claro que errou, erramos sempre. Quando nos colocamos a celebérrima questão "Onde é que eu errei?", estamos já a tomar a posição de quem fez o melhor que pôde, bem feito e tudo o mais que nos desculpe sempre para o bem. Mas não é bem assim. Repare:
Ou porque agimos a pensar nas nossas mesmas reacções, como se o outro agisse e tivesse capacidades idênticas às nossas;
Ou porque pensamos que o seu querer e os seus objectivos são como os nossos, como se o fito ou fitos a que nos propomos fossem únicos;
Ou porque criámos dependências no outro em relação a nós e que, num ímpeto de liberdade, numa vontade imensa de expansão de si, ele reagisse em sentido contrário;
Ou porque idealizámos um futuro que era de todo incompatível com o seu querer muito próprio, ou até para com a sua mesma estrutura kármica, o que nós e ele desconhecemos em absoluto;
Ou porque nos imiscuímos no que verdadeiramente não nos pertence, atrapalhando a criatividade do outro, a saudável manifestação do seu Espírito.
É tempo de perguntar: "Até quando vamos agir assim?" Nada nos dá o direito de mergulhar no íntimo que vive fora de nós, apenas temos o dever de ajudar sempre que necessário. Ajudar ao infinito, compreender, sugerir. Nunca impor.
Nós não somos os salvadores do mundo. Se conseguirmos salvar o nosso Espírito de futuros karmas densos e dolorosos, já podemos dizer que contribuímos para o engrandecimento desse mundo que nos acolhe; já o fizemos crescer através da representação que somos da Humanidade.
Erramos, é certo, mas com muito amor e de mãos dadas vamos vencer. Nós vamos vencer.