quarta-feira, janeiro 30, 2013

DISGRAFIA, UM PROBLEMA PSIQUIÁTRICO DE SOLUÇÃO POLITICA


Portador de problema e complexidade, o ser humano transporta consigo várias formas de os manifestar, formas essas que são inatas, intransmissíveis, irrepetíveis, portanto únicas. A Ciência, obviamente, agrupa-as segundo apresentações semelhantes, baseada em análises quantitativas, como por exemplo a indispensável leitura estatística.

Contudo, na impossibilidade de contabilizar parte significativa das nuanças mais singulares, estatisticamente pouco ou nada relevantes, um número considerável de problemas ficam sem resposta. A disgrafia é um deles.

Em que consiste? A disgrafia consiste na total ilegibilidade da letra.

Trata-se de um sintoma bastante perturbador uma vez que não depende de medicação (não há fármacos para ter uma letra legível), torna o paciente duplamente rejeitado pois que veio agravar a sintomatologia, tornando-se mais um problema, além de complexo, inesperado e fora de controlo.

A disgrafia, que vai muito para além do que o senso comum chama “escrever mal”, é sintoma de que alguma coisa não está bem no indivíduo e que carece de análise pormenorizada, atenta e rápida. Quanto mais depressa for detectada melhor e mais eficazmente pode ser ultrapassada.

Por exemplo, se o corpo, através da singularidade dos seus traços e linhas como são a configuração das unhas, o tipo de pele, mais húmida, mais ou menos seca, mais macia ou mais áspera; a massa muscular mais densa ou mais franzina, mais ou menos flácida, características que dividem os indivíduos em endomorfos (muito gordos), mesomorfos (quantidade de massa muscular mediana) e hectomorfos (massa muscular muito reduzida ou indivíduos excessivamente magros); se a linguagem e o gesto constituem igualmente um vasto material auxiliar de análise, pois são formas de “mostrar” um psiquismo que de alguma forma traduz o modo como o indivíduo está no mundo, como o define, como se relaciona com ele afectivamente, não são os únicos e como tal não abrangem a totalidade da observação. Outros elementos terão que ser introduzidos, sendo imperioso que o analista desperte para novas observações.

Dito de outro modo, a disparidade de traços psíquicos que se manifesta no “desenho” físico de cada indivíduo não é apenas visível por meio de nuanças da voz, elementos lexicais e gesticulares, humor, ou por aquilo a que o senso comum vulgarmente chama “feitio”. A sua grafia é uma mostra tão importante como qualquer outra.

Tratando-se de uma situação de total ilegibilidade, se não for corrigida a tempo, fica para o resto da vida. Não tem que ver com o tipo de vocábulos, técnica linguística, maior ou menor clareza de linguagem. Esses aspectos, entre outros, são igualmente representativos das características psíquicas do indivíduo, mas nem sempre são visíveis. Grandes escritores há que, portadores de aprimorada técnica redactorial, têm quadro de psicose, depressão, ou outros.

O quadro de disgrafia, que muito contribui para a mostragem do tipo de personalidade do indivíduo e seus problemas, e que nos últimos anos tem sido alvo de pesquisa científica, ainda que um pouco tímida quando comparada com as demais áreas, começa agora a ser analisado com a objectividade que merece, segundo determinados parâmetros que agrupamos do seguinte modo:
1. meio familiar, escolar e profissional - externos ao indivíduo;
A disgrafia surge como resultante de uma variedade enorme de situações, que, apesar de comezinhas para qualquer indivíduo, são, no entanto, intransponíveis para o paciente. Na óbvia impossibilidade de as descrever todas, fiquemo-nos pela desintegração escolar de alguns alunos em resultado de diferentes áreas de interesse das da maioria dos colegas, ou dificuldade em acompanhar o ritmo de trabalho no exercício da profissão. Estes elementos traumáticos, muito criticados pelo meio e criadores de estigma, conduzem a picos de angústia que culminam em grafias completamente ilegíveis, resultado de reacções tais como: recalcamento, revolta contra si próprio e contra o meio, sintoma de exclusão, introversão/isolamento bastante perigosos (o indivíduo pode desenvolver ideias de tal modo angustiosas que podem conduzir ao suicídio); auto-rejeição em situações como por exemplo, ser obrigado a estudar piano, porque os pais a isso o obrigam, quando gostaria de praticar karaté.

Na escola, o aluno depara com a falta de tempo para a realização das provas (para o paciente disgráfico o tempo é sempre insuficiente pois não consegue controlar/ordenar o fluxo de ideias que lhe surgem abruptamente) culminando em baixo rendimento. Quando isso acontece, o problema agrava-se na medida em que o paciente auto-culpabiliza-se, revolta-se, isola-se. Perante este quadro, a situação pode evoluir para situações drásticas, uma vez que o aluno não consegue o feedback.

No caso de um trabalhador o problema está um pouco mais disfarçado dado que, se tiver uma profissão em que esteja ao computador, a disgrafia só se manifesta quando tiver que assinar documentos ou quando, esporadicamente, tiver que manuscrever um texto.

Um outro aspecto de capital importância tem a ver com factores de violência doméstica. Crianças que viveram em lares de grandes confrontos físicos entre adultos, ou que foram espancadas com extrema violência, que eram vulgarmente mandadas calar por serem mais novas, ou simplesmente por serem crianças; a desatenção para com as manifestações de desagrado da criança por alguma coisa que tenha acontecido e que para ela era importante, mas irrelevante para o adulto, pode conduzir a distúrbios de ordem gráfica.

Estes e outros factores são geradores de processos de clivagem, ruptura com o meio, desintegração e isolamento, marginalização, evoluindo para quadros depressivos e de ansiedade que se manifestam, entre outros, em indisciplina; no ambiente de trabalho, o indivíduo torna-se de difícil trato, nada está bem, tudo critica.
2. afectividade, objectivos, os mecanismos de concretização dos mesmos - internos ao indivíduo.
Na sequência do que acabámos de referir, há indivíduos que tomam uma atitude diferente. Verificam que a grafia piora, esforçam-se por corrigi-la, porém não o conseguem. Sem o saber, estão a combater o resultado, não a raíz do problema. Daí que, como em qualquer outra sintomatologia, não cabe ao paciente “tratar” o problema, nem tão pouco desenvolver a capacidade de viver com ele, se tal for imperioso. Tudo isso requer meios técnicos levados a efeito por especialistas. A acção da vontade é sempre insuficiente. Ela é apenas, e já não é pouco, um móbil da acção terapêutica, mas não o tratamento na sua totalidade. Factores inconscientes impõem-se e o paciente precisa de todo o apoio. Essa tarefa é para o analista.

Outro factor insere-se directamente com a vivência afectiva. O indivíduo não consegue relacionar-se com ninguém, possui uma baixa autoestima, autoexcluindo-se; por outro lado, tomando uma aparência contrária, desenvolve traços de inacessibilidade social ao criar padrões de uma suposta autoestima aparentemente tão elevada que chega a atingir capacidades de chefia e liderança inaceitáveis pelos colegas, que transformou em subalternos silenciados. São as vulgares apresentações de indivíduos que pretendem exibir-se, sobrepor-se, evidenciar-se, pôr-se em relevância sempre que o meio lhes pareça favorável, mas sem que o factor competência, formação ética, respeito, etc., sejam tidos em consideração. São os falsos líderes.

Porém, a disgrafia não surge apenas em pacientes que manifestam um quadro depressivo, de ansiedade, de frustração, dislexia, falta de afecto, etc. Ela resulta, nalguns casos, da própria medicação. O tratamento psiquiátrico não provoca apenas sintomas como aumento de peso, sonolência, alterações psico-motoras, reflexológicas, cognitivas, etc. A medicação pode provocar também alterações da grafia. Como? Inserida no quadro de contraindicações ou efeitos colaterais do medicamento. Exemplo: O paciente está a fazer determinada medicação ansiolítica. Um dos efeitos secundários é a sonolência impedindo-o de conduzir, estudar, trabalhar, etc., culminando em índices reduzidos de produtividade. Vendo-se limitado para atingir os objectivos que lhe são naturalmente exigidos ou que ele próprio se auto-propôe, entra em angústia. É o caso de alunos que, ao dormirem 12 a 15 horas diárias, baixam as notas porque não conseguem acompanhar o ritmo das aulas, por um lado, e por outro o punho não acompanha o turbilhão de ideias que surgem em catadupa, desordenadas e fugazes, de tal forma que o escrevente começa a redigir demasiado depressa para que as ideias não escapem (de um modo geral escreve textos muito riscados, com letras muito grandes e irregulares, muito juntas ou muito espaçadas).

Outro exemplo muito comum é o do indivíduo com quadro de alucinação ou de problemas com a realidade. Quando não consegue superar as barreiras do meio; quando a integração no ambiente familiar, escolar ou profissional falha, conduzindo-o ao isolamento; quando tem dificuldade em concretizar objectivos tais como fazer-se aceitar na sua singularidade, gostos e tendências; quando não satisfaz espectativas ou possui comportamentos fora da norma, o modo de escrever pode evoluir para um quadro disgráfico.
Assim, através da grafia o indivíduo fala muito de si próprio, dos seus recalcamentos, insegurança, remete o analista para o seu passado, mais ou menos recente, entre outros, mas sempre para características particulares e que terão escapado aquando da observação de outros elementos da análise.

Quais as saídas possíveis para a disgrafia, socialmente falando?

Seja uma situação inata ou adquirida, e com o objectivo de colmatar o problema da forma mais eficaz, os alunos disgráficos deviam fazer os testes e os exames por computador. Aliás, com disgrafia ou não, é para essa realidade que nós caminhamos. Se tudo está a ser processado por computador, as receitas médicas, os processos dos tribunais, não se percebe porque é que os testes e exames não o são ainda. Além de ser mais fácil e rápido de ler, facilita uma maior justiça na classificação.

Ora, esta resolução passa pelas políticas educativas que, paradoxalmente, ainda não despertaram com veemência para a informatização, apesar de a implementarem. Se se pretende uma Escola inclusiva, se o Ensino está ao serviço de todos os cidadãos, independentemente das suas particularidades, então há que implementar uma filosofia de escola onde todos se sintam inseridos.

Isto significa que, ao fazerem o exame por computador, todos os alunos estão em idênticas circunstâncias, ninguém é penalizado por causa da letra e o aluno disgráfico, concretamente, não se sentirá discriminado.

Por outro lado, escrever por computador jamais irá anular o indispensável manuscrever. Sabendo utilizar os meios técnicos adequadamente, esse problema nem se coloca.

Em suma, a vontade política deve impor-se na defesa de uma sociedade de diferentes e onde as minorias têm cada vez mais expressão. Todos sabemos que a Escola é um espaço pluralista onde se começa a construir a consciência da cidadania.
Margarida Azevedo

sexta-feira, janeiro 18, 2013

DEFICIÊNCIAS DO TRABALHO ESPIRITUAL NOS CENTROS ESPÍRITAS



Verifica-se, de há uns anos a esta parte, uma crescente inoperância mediúnica nos Centros espíritas. Os médiuns estão cada vez mais isolados, e com eles os grupos de que fazem parte; a sua autovigilância espiritual está a enfraquecer, o que leva invariavelmente à falta de afecto, móbil imprescindível da actividade mediúnica.

Constatamos também que os passes de limpeza psico-magnética estão a tornar-se, em alguns casos, num impor de mãos rotineiro, o que é extremamente perigoso. Isto significa que o trabalhador passista precisa de rever constantemente a sua actividade, reformulando-a sempre que tal se torne imperativo, e não pode afirmar, como já ouvimos, que precisa de dar passes senão fica doente. Pelo contrário, o passista “precisa” de dar passes porque sente que com isso contribui para o alívio do sofrimento do outro, o que é totalmente diferente. Se o acto de dar uma peça de roupa a um carenciado não deve servir para colmatar uma necessidade moral, porque o seria um passe, em termos de trabalho espiritual? Um acto é tão caridoso como o outro, se em ambos o amor for o móbil da acção.

Há que perceber que o outro nunca poderá ser um meio para atingir um fim, pois aí estaria a ser usado e não apoiado/ajudado. O outro é um fim em si mesmo, donde o apoio, material ou espiritual, tem a função de o fortalecer na superação dos seus problemas. Por outro lado, a salvação daquele que dá não é uma quantidade, isto é, não é por muito dar que o indivíduo garante a bem-aventurança; a salvação é uma qualidade, ou seja, é no bem dar que reside a felicidade em toda a sua plenitude. Dar muito, mas sem amor, por descargo de consciência, é mais nocivo que benéfico.

Isto significa que o bem não pode ser feito com fim à salvação. Isso será um meio de trocas comerciais, como cumprir uma promessa em troca de uma graça recebida. Muitos espíritas o criticam, mas não percebem que fazem exactamente o mesmo, segundo moldes diferentes. A salvação é uma sequência lógica do bem que fazemos crescer no outro. Ambos, o que ajuda e o ajudado, caminham juntos rumo a um conceito de felicidade que transcende o mero doar de roupa ou do passe magnético, ou do cumprimento da promessa.

Ora, o que nos parece que está a faltar nos meios espíritas é toda uma sensibilização para o sofrimento do outro. São praticamente inexistentes os estudos de uma evangelização vocacionada não só para desenvolver uma melhor assistência, mas também aberta ao diálogo com os mais necessitados. Parece que está a ser mais fácil facultar apoio material que apoio espiritual. Além disso, a ausência da noção do pluralismo que caracteriza a nossa época, e com ela o ambiente espiritual de todos aqueles que vêm aos Centros é depreciado. Dito de outro modo, um Espiritismo isolado nunca poderá ter médiuns à altura das necessidades e consequentes exigências espirituais do mundo em que vivemos.

Com tudo isto, a Doutrina espírita está a ser confrontada com uma crescente e progressiva limitação na capacidade de resposta aos problemas espirituais daqueles que a procuram, deixando-se ultrapassar por outras congéneres.

Aquilo a que estamos a assistir, e com grande pesar o afirmamos, é a um Espiritismo de resposta imediata, em que a pessoa que o procura é momentaneamente ajudada, mas que, ao fim de algum tempo, constata que está reduzida ao silêncio. As suas espectativas nem sempre são satisfeitas e, infelizmente, a Doutrina torna-se, em alguns casos, uma desilusão. Quando isto acontece, o trabalhador espírita tem a sua quota de responsabilidade pois que, se a Doutrina não chegou ao coração, dificilmente atingirá a alma. Os trabalhadores não são técnicos nem tecnocratas do Espiritismo, mas gente ao serviço de quem precisa. Tal significa trabalhar em prol do Bem, isto é, ser candidato a engrossar o número dos servos de Deus.

Os critérios de vivência espiritual do Centro não podem colidir com os princípios éticos e morais de quem, por necessidade, aparece na Casa espírita movido pelo sofrimento. Só na compreensão e dedicação afectivas o trabalho espiritual alcança o fim que se propõe.

Quem procura a Casa espírita não pode encontrar nela a existência de colisão entre um Cristianismo traçado segundo moldes de um para lá que ninguém sabe como é (e venham desmentir-nos), e ao qual Jesus não fez qualquer referência (não confundir o Reino de Deus com o mundo do além), e o mundo deste lado, depreciado, desvalorado e minimizado. Dito de outro modo, o Cristianismo segundo os moldes do Espiritismo não foi, não é nem será uma doutrina exclusivista. É na convergência de ambos os mundos que o Espiritismo avança as suas teses.

O Espiritismo não pode rejeitar o mundo e simultaneamente maximizar a indispensável passagem do Espírito pelo mesmo, sob pena de não compreender os consequentes problemas mediúnicos característicos de cada época. Não podemos esquecer que Jesus e os demais profetas vieram traçar propostas de conduta com fim a um futuro celestial de bênçãos e felicidade, enfatizando assim que este mundo é um manancial de aprendizado cujo comportamento é demasiado importante para se perder.

Atente-se que o mundo é o sentido que temos dele, é a maior ou menor consciência que possuímos da sua fenomenologia, tão complexa quanto espantosa, por outras palavras, é o conjunto dos Espíritos encarnados, provenientes das mais ou menos longínquas vivências, portadores de sentidos que se perdem na complexidade e que lhe conferem um colorido fantástico.

O que o mundo é em si próprio passa-nos ao lado. Tudo o que os nossos sentidos não captam é um inexistente. Consideremos ainda o facto de que este ver não é uma acção dos olhos carnais. O ver é a conjugação de uma multiplicidade de factores que interagem, desde a acumulação da informação adquirida, processo complexo do qual não dispomos de noção concreta de como se forma, capacidade abstractiva, concentração (que é sempre insuficiente porque demasiado fugaz), linguagem, vivência e seus problemas, etc. Podemos dizer que o ver carnal está investido de uma série de influências bidirecionais polivalentes, isto é, ao mesmo tempo que o vendam o desocultam, de tal forma que nem vemos todos a mesma coisa, nem vemos todos sempre a mesma coisa.

Ora, estar no mundo é ter mundo, isto é, possuir um sentido que nos coloca num nível de consciência que nos traça parâmetros de razão sem os quais estaríamos completamente perdidos. Isto significa que a nossa razão constitui-se em discurso que, para ser coerente, tem que ser capaz de transmitir esse mundo que, no fundo, é a simbiose entre o que nos rodeia e as nossas vivências interiores.

Parece-nos, assim, de capital importância que não se confunda o Reino de Deus e o mundo do além ou do para lá. Este consiste em tudo o que existe e que não vemos ou não captamos, seja como encarnados ou desencarnados. Dele fazem parte uma infinidade de graus ou escalas, que se estendem desde o mais infinito ao menos infinito. O aspecto físico do observador aqui pouco importa. Espíritos encarnados ou desencarnados estão igualmente circunscritos ao sentido mundivivencial do seu entendimento. Ambos vivem a impossibilidade dos sentidos captarem o que está fora do seu alcance, bem como a consequente impossibilidade linguística em expressá-lo. E não captar, não dizer é não existir.

Quanto ao Reino de Deus, embora não tenhamos igualmente uma noção, ainda que ténue, da sua natureza, “sabemos” mais. Sabemos que é um mundo de totalidades que se fundem numa só. Isto é, a noção de totalidade é sempre uma noção de ausência, exclusão, especificidade, total bem-aventurança… Na nossa impossibilidade sensitiva e linguística, o Reino de Deus é imaginado como o Bem Supremo. Mas esta expressão será sempre paupérrima, pois estamos a reduzir o indizível aos critérios da nossa predicação insuficiente.

Embora digamos que o Reino de Deus exclui toda e qualquer gradação, sem que com isso saibamos o que estamos a dizer, pois ainda vivemos no plano da escala, o curioso é possuirmos informação fiel do mesmo como não possuímos do além. Como? O reino de Deus é pregado como Evangelho, traçando meios de o conquistar. Isto é, a noção de distância infinita que nos separa dele está à distância da nossa capacidade de amor ao próximo. Do além não há qualquer evangelho, uma vez que, por mais informações que nos venham, nenhuma tem paralelo com o Evangelho de Jesus. Além disso, não reconhecemos nos médiuns e respectivas Entidades comunicantes autoridade para pregar o Reino de Deus em paralelo com Jesus. Quando muito há algumas informações sobre o que significa e como viver em conformidade com os planos relativamente mais elevados, mas isso é bem diferente. Aliás, tem sido esse o papel do Cristianismo e das suas igrejas, nas quais se inclui o Espiritismo.

Ora, toda a mediunidade passa por aí. Ela é esse ajuste entre o médium e a sua evangelização. Ela é a luta entre a maximização espiritual quer se pretende atingir e um ver sempre insuficiente. Quando o indivíduo está perturbado não significa falta de evangelho, pois a boa-nova habita em todos os seres da criação, ele “apenas” está em desconformidade com o que lhe é proposto. E é aqui que todos nos encontramos.

Passando à prática, se é certo que o esclarecimento é ponto de charneira para o auxílio às Entidades sofredoras e respectivos médiuns que as transportam, há que compreender, porém, que nem todas e nem todos conseguem ficar por aí. Há Entidades que precisam de uma abordagem mais específica, realizada em ambiente próprio, de maior recolhimento e atenção. Por outro lado, o médium que as transporta não é um devasso nem um inconsequente. E ainda que o fosse, não cabe aos trabalhadores dos Centros tomarem-se de poses de luz pois estamos todos no mesmo mundo, sujeitos a idênticas desventuras. Os trabalhadores não podem nem devem fazer juízos de valor de quem procura o Centro. Bem pelo contrário, devem congratular-se por terem a possibilidade de ajudar mais uma infinidade de Entidades que, não foi por acaso, vieram à Casa espírita.

Em consequência, muitos são os que afirmam que as pessoas não melhoram porque não compreendem os esclarecimentos evangélicos dados nas sessões. Mas se assim é, há que saber porquê. Alguém se interroga sobre a qualidade da sessão? Por outro lado, a não compreensão tem a ver com uma multiplicidade de factores, nomeadamente, a novidade do discurso, bloqueios ou perturbações mediúnicas devidos às influências das Entidades perturbadoras, incapacidade em abstrair-se dos problemas com que está a defrontar-se, etc.

Posto isto, e a partir da observação no terreno, quer o Espiritismo, quer as outras congregações estão a deparar-se com novas apresentações da mediunidade, mais incisivas nas suas exigências, a despontar em todas as idades, descontroladas, mais vocacionadas para as questões doutrinárias que científicas, mais dirigidas aos afectos.

Por isso, o trabalhador de evangelização deve ter muito cuidado nos caminhos que cruza, deixar-se de ímpetos de cientista e compreender que uma sessão de evangelização serve, primordialmente, para esclarecer o auditório sobre questões relativas à mediunidade e não para falar de micro-organismos ou, pior ainda, abortos no astral. Nós diríamos mais, é cada vez maior o número de Entidades precisadas de uma voz esclarecedora do seu estado, que as encaminhem no sentido do bem e do amor ao próximo. É de oração que as Entidades precisam, tal como todos nós.

Finalmente há que perceber que todas as religiões são respostas aos problemas dos seus fiéis/médiuns. Ninguém segue uma doutrina se esta não corresponder às suas espectativas, se ela não for uma hipótese de resposta. Assim, tal como nem todas as Entidades precisam de ser captadas em médiuns de incorporação, nem todos os fiéis precisam de idêntica abordagem na sua fé. A pluralidade religiosa é bem representativa do colorido da diversidade de caminhos.

O amor de Deus existe em toda a parte. Compete a cada um de nós ser um bom condutor desse amor. Por mais voltas que demos, sem excepção, o fim do caminho chama-se Reino de Deus.

Margarida Azevedo



segunda-feira, janeiro 07, 2013

DEVOLVAM-NOS A FAMÍLIA


Já tivemos várias fases. Aquela em que os mais velhos eram os grandes transmissores de saber e conhecimento, porque os mais respeitados pela idade, sinónimo de experiência; depois passámos à parentalidade representada na figura do pai, chefe da família, cabeça de casal; seguidamente entrámos na fase da mãe, a progenitora, aquela que sabe coisas que mais ninguém sabe; por fim coube à infância a noção de que esta também é transmissora de conhecimento e saber, não importando se é capaz de o transmitir ou não, isto é, adivinha-se que a criança é possuidora de conhecimentos que a família não ensinou, e, portanto, não nasce tábua rasa.

Com tudo isto, e parece óbvio, a noção de conhecimento e de saber sofre profundas alterações e com elas o nível de importância que lhes é atribuído. Vejamos:

Ao destronar o idoso do podium de um saber de experiências feito, o que não significa necessariamente analfabetismo, perde-se a noção de que a vivência de uma vida inteira é rica de situações que, independentemente da época, se repetem eternamente. É disso exemplo a ponderação nas opiniões, o saber ouvir o outro atentamente, por outras palavras, o ensinar da vida a levar a água ao moinho. Assim, há que ter a noção de que essa experiência não pode ser equivalente a zero, pois há que perceber que ela está para além da tecnologia.

Por outro lado, aqueles que confundem analfabetismo com ignorância estão a esquecer-se de que a forma não escrita de transmissão de saberes vale tanto como a escrita. Até porque desenvolve a importância da palavra oral como representativa de moral e ética. A palavra de honra é isso mesmo. O que é dito não está escrito mas vale pelo que o proferiu. Estamos a falar de tempos em que “palavras, não as levava o vento”.

Além disso, o idoso letrado trás aos jovens colegas todo um saber exercer profissional cujas arestas foram limadas pelo tempo. Por exemplo, os jovens juízes precisam, e muito, de ouvir os colegas mais velhos, com mais experiência no terreno. Se os não ouvirem, e do alto dos seus naturais ímpetos juvenis, alguns deles ditam sentenças verdadeiramente catastróficas. Precisam de aprender que há uma bitola, mas que nem todos podem ser medidos pela mesma, pois que a singularidade do indivíduo, ao passar ao crivo universal da Lei, também deve ser salvaguardada.

O pai, como representante do lar, numa família que passou a ser o casal e os filhos, excluindo os avós, ou, ainda que estes vivam na mesma casa, são habitualmente segregados, também já não é um exemplo para os filhos. Este novo modelo de pai, desligado do seu progenitor, quebrou a linha de afecto que congregava a família. Sozinho no seu lar, enterrado em preocupações e inseguro no seu posto de trabalho, a despender mais energias em mantê-lo do que na progressão da carreira, sem o apoio incondicional e sempre presente do seu próprio pai e mãe, é um pai sem história e sem histórias para os seus filhos. Estes, por seu lado, assustados e desiludidos, temem que a mesma sorte um dia lhes bata à porta. O pai tornou-se representante de temeridade, insegurança, fracasso apesar das lutas, de todos os esforços, persistência e coragem.

A mãe, igualmente ausente e por isso frustrada, tem hora marcada para acariciar os filhos e dar atenção ao marido. De um modo geral inventa desculpas para justificar a não presença quando é mais necessária. Ela vê os filhos serem tratados por outras mulheres, as educadoras do diversos graus até chegar ao Primeiro Ciclo de escolaridade. A mãe é uma mulher que traz parte do sustento para casa, parte das lutas por uma vida melhor, mas também traz a ausência, o tempo reduzido para a família, a permanente ocupação mental com o que não pertence ao lar.

É neste contexto desastroso que a criança, cujos direitos são recentes, ocupa o primeiro lugar. Na sua aparente fragilidade, representa o futuro, o afecto, a incerteza, a docilidade e uma lufada de ar fresco nas preocupações. Porém, com tão pouco tempo para filhos, numa sociedade em que dar à luz tornou-se pecado e ter família cadastro, há os que preferem investir tudo isto num cão ou num gato, sempre estão livres da mudança de fraldas e de preocupações com a educação.

Perante este cenário, perguntamos: O que é que as religiões têm feito para mudar a situação? O que é que as igrejas cristãs têm feito do alto da sua cátedra de amor ao próximo? O que é que elas mudaram nos comportamentos, nos hábitos, nos usos e costumes? Que Deus transportam consigo? Que mensagem e que universo de esperança?

Parece que o factor religioso mais não tem feito que pactuar com a situação pois não conseguiu impor-se, e uma religião ou igreja que não sabe impor a sua humanidade é uma fraca representante dos desígnios de Deus.

Não queremos caridadezinha para com as famílias, queremos famílias, tão simplesmente. Não queremos filhos de pais incógnitos, mas pais que sejam ajudados, quando e sempre que necessário, para que os filhos conheçam os pais e estes possam amá-los incondicionalmente.

Não podemos continuar a permitir que a sociedade assente em órfãos de pais vivos. O trabalho não é uma religião, nem uma família, nem pode ser uma ocupação a tempo inteiro. O trabalho é o contributo de todos para o bem-estar da sociedade. É um dever cívico e simultaneamente espiritual.

O que somos nós sem o amor da família? Sem raízes, sem uma referência, sem um ponto de origem de forma a podermos dizer “eu venho dali!”?

Os distúrbios psicológicos, nalguns casos irreversíveis, resultantes dos problemas em torno da família, são a causa de uma sequência infindável de actos violentos, de desespero, de falsa religiosidade, de falso profissionalismo, de conflitos interiores inultrapassáveis.

Queremos uma sociedade em que homens e mulheres possam amar-se, viver unidos, respeitar-se e, assim, desfrutar da vida em plenitude. Precisamos das histórias para adormecer dos avós, de lhes conhecer a vida de ponta a ponta.

Uma sociedade que aposta na ausência da família é uma sociedade que caminha para o abismo. Contrariá-lo é uma luta de todos, uma oração pelo mundo.

Pai nosso, que estais em todo o Universo, escutai a nossa voz e, sem ofensas, que ela se espalhe a todas as almas pensantes. Ámen.
Margarida Azevedo