quinta-feira, agosto 12, 2021

O INICIO DE UMA PRESENÇA ETERNA

Adeus, Dimas de Almeida
Faleceu na passada quarta-feira, dia 11 de Agosto, um grande amigo, o Professor Doutor Pastor António José Dimas de Almeida, vítima de doença prolongada. De uma cultura ímpar, foi uma referência na Igreja Presbiteriana em Portugal, um nome a reter na cultura religiosa europeia. Professor de Novo Testamento, de Ética, de Grego Clássico, Exegeta, tradutor de obras como a Ética a Nicómaco, de Aristóteles, a Pequena Filocalia, colectânea de textos dos padres do Deserto, do Evangelho de Marcos, texto que estava presentemente em estudo, pela segunda vez, a partir de nova tradução de sua autoria, reformulada, o pastor Dimas marcou, na sua espiritualidade, a todos os que privaram com ele. A sua inspiração, cuja profundidade é inexpressável, manifestava-se nas orações de uma lucidez espiritual ímpares. Defendia o método histórico-crítico, a fidelidade ao texto grego, a honestidade intelectual. Lamentava a cisão, o Cisma, entre o Judaísmo e a Igreja Cristã emergente porque, dizia, “o rumo da História teria sido muito diferente, o Holocausto certamente não teria acontecido e o judeu Jesus teria sido melhor interpretado e vivenciado”. Parte significativa do que tenho escrito e publicado, as temáticas sobre as quais me tenho debruçado a ele o devo. Durante dezoito anos foi o meu mestre de ecumenismo, o seu tema de eleição. Humanista com letra grande, manteve durante mais de trinta anos um grupo ecuménico, que reunia às quartas-feiras em sua casa, em Carcavelos, concelho de Cascais, e ao qual tive a honra e o privilégio de pertencer. Desse grupo fazia parte todo o tipo de pessoas, com as mais diversas profissões e árias de interesse: médicos, psicólogos, professores universitários, engenheiros de diversas formações, enfermeiros, donas de casa, professores do Ensino Secundário, educadores de infância; ricos e remediados; católicos, protestantes/evangélicos, judeus, ateus, teósofos, gnósticos, agnósticos, budistas, devotos de Hare Krishna, fé Bahai, antropósofos, hindus, e eu, como espírita cristã, entre muitos outros. Todos reunidos, naquelas quartas-feiras muito especiais, entre as dez e o meio-dia, em torno da leitura não confessional, que muito bem frisava, da Bíblia Hebraica e da Bíblia Cristã. Na sua Casa, que sempre apelidei de Catedral da Bíblia, durante anos a fio aconteciam também encontros aos terceiros sábados de cada mês, com palestrantes de renome, convidados por ele ou propostos por elementos do Grupo Ecuménico. Foram décadas de um céu aberto; a Bíblia era festa, liberdade, alegria, pluralismo, amor. Pelo Natal e pela Páscoa tínhamos uma celebração ecuménica, é claro, seguida de almoço vegetariano de confraternização. Que alegria, que convívio, que sublimidade, que partilha. Jamais esquecerei aquelas celebrações, as quais irão comigo para a eternidade, pois nenhum encontro religioso teve maior força que aqueles momentos em que oração e festa se fundiam. Por meio deste grupo, mas principalmente ao abrigo da sua doçura, sensibilidade e dedicação à causa religiosa, tornei-me outra pessoa. Cresci. Espiritualizei-me, e, curiosamente, tendo sido criada num ambiente católico tradicional, porém de grande respeito pelo Judaísmo, aprendi, com o meu querido e sublime amigo, a interessar-me ainda mais por essa religião, facto para o qual muito contribuíram os amigos judeus membros do grupo. Igualmente descobri a beleza das restantes convicções, o que muito bem me fez. Obrigada, grupo, por tudo o que me deste. Obrigada Dimas, meu nobre amigo, por seres quem és, pois tenho a certeza de que, no outro lado da vida, os Espíritos de sabedoria e de amor, profetas e discípulos ao serviço de Deus te receberam de braços abertos. Desejo-te a continuação da subida até à Luz, cujo caminho já te é bastante curto, e muita santidade. A partir de agora, o meu ver será diferente sempre que olhar para o céu estrelado. Assim, partilho esta triste notícia com os meus amigos Leitores que, muito embora na evidente impossibilidade de conhecer a todos pessoalmente, na sua esmagadora maioria, sinto que me compreendem neste momento tão difícil para mim. Não quero deixar de dizer que estou em lágrimas, uma dor que não sei descrever. Estou a viver um paradoxo, um vazio cheio, uma saudade triste e feliz, um silêncio num turbilhão de palavras. Morreu um grande amigo, meus amigos. Margarida Azevedo