HÁ BAILE NA IGREJA
Já lá vai o tempo dos lugares
soturnos e sombrios, das oradas em lugares inóspitos, das igrejas nos outeiros
a exibirem cruzes altas e esguias a verem-se de todos os lados das localidades.
São história os espaços silenciosos,
raiados por frinchas de austeras portas de madeira a ranger, ou iluminados
pelos arcos-íris dos vitrais lá bem no cimo.
O lugar de culto perdeu a
sacralidade, se por tal entendermos uma realidade paralela à vida social. Já
não é o lugar onde se vai limpar a alma, um canto muito especial numa calçada
sempre a subir, difícil para lá chegar e escorregadia de Inverno; já não é
aquele sítio em que se fica mais perto de Deus e onde nada que pertença ao
mundo acontece. Não.
Os novos espaços precisam do mundo
pois são estes que lhes dão razão de ser. Sem novos problemas não há novas
igrejas, congregações, seitas; sem novas interpretações, as antigas caem no
envelhecimento inoperante.
É o mundo que dá às novas igrejas
autoridade, na medida em que têm uma resposta rápida e plausível. Elas mesmas
são filhas do problema. Têm nele o seu móbil e tentam acompanhá-lo na
capacidade de resposta, à mesma velocidade com que ele surgiu. E sem capacidade
de resposta uma igreja perde cariz, impopulariza-se, torna-se rapidamente
obsoleta, tal como a mercadoria de uma fábrica desactualizada.
Com isto, perderam-se as heranças.
Já não se herdam igrejas ou formas de fé. Já não se vai a uma igreja “porque
sim”. Quem vai, vai porque quer, e porque quer aquela concretamente. E se por
algum motivo esta o desiludir, parte para outra. Há tantas, e tantas. Mudar não
é uma fraqueza do sujeito, mas sinal de inoperância da igreja.
Nunca o ser humano foi capaz de se
enfrentar e retratar tão bem na sua fé como hoje. E de fazê-lo sem pudor, sem
receios e sem alvíssaras ao misterioso. Quem crê, crê porque compreende. A
linguagem tem que ser clara.
As novas congregações são multidões que
se juntam porque as técnicas de marketing resultaram, tiveram um discurso apelativo,
porque prometeram um fim a algo que se não quer, ou porque se não quer estar
sozinho em casa um fim-de-semana inteiro.
Nas novas congregações, orador não se
limita a falar, ele ouve os fiéis e os fiéis sentem-se importantes para ele
porque falam de si próprios. Porque é importante ser importante para alguém. Descobrem
com isso que há idênticas vivências, por semelhantes formas de encarar a vida, ou
não, por fuga a inesperados intrusos tais como invasões desestabilizadoras que
tornam a vida num rebuliço.
E se é o indivíduo que tem problemas psiquiátricos,
e não assenta arraiais em lugar algum, a igreja que o recebeu tem a sua
quota-parte de culpa. É que a sociedade vê nela, cada vez mais, um processo
terapêutico mediante as orações que utiliza, cada vez mais livres na sua
linguagem, mas nem por isso menos exorcizantes. Trata-se de qualquer coisa à
semelhança de “se a criança não aprende porque tem limitações cognitivas, a
culpa é dos professores, porque não souberam utilizar os métodos e técnicas da
educação adequados.”
Mas não ficamos por aqui. As igrejas que
nos batem à porta fazem convites, não para as seguirmos nas suas formas de fé,
primeiramente. Elas convidam antes ao lazer. E há de tudo: Ele é festas
temáticas, ele é conferências, ele é filmes, teatro, concertos, lanches e, por
fim, para ir ao baile. “No Domingo, há
baile na nossa igreja. Venha!”, diziam-nos, com vivacidade, os Helderes
(missionários) da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (Mórmons).
Estranhando o facto de possuirmos O Livro de Mórmon, numa edição muito
antiga, uma verdadeira preciosidade, segundo eles, estranharam ainda mais a
nossa porta aberta e o ar sorridente. Não fizemos mais que retribuir o que
recebemos e muito agradecemos.
E porque não? É proibido ir à igreja
dançar? Ser cristão não é motivo de festa? As novas congregações, algumas já
não tão novas como isso, remetem-nos para uma dinâmica nova da fé. Já não é o
discurso dos pobres que serão felizes, nem do Inferno para os ricos. São todos,
absolutamente todos, que agora se encontram com ideais comuns: lutar contra a
dor, o sofrimento e os terrores de um futuro incerto; o pesadelo de estar vivo,
sabendo que os tempos vindouros são uma incógnita.
Que amanhã terão estas congregações? Não
sabemos. Preferimos não adiantar uma resposta sob pena de fazer futurologia oca.
Porém, o que nos parece à primeira vista é que o Cristianismo está noutra onda.
Lembremo-nos que, se as religiões orientais ou da Natureza têm a dança como
forma de manifestação de fé, não temos que estranhar que a religião de há quase
dois mil anos, atribuída a um judeu muito sui
generis que não a criou, que detestou o convencional, surja agora a
convidar-nos, em algumas das suas congregações, para um pezinho de dança, mesmo
para quem tem pé de chumbo.
Até porque quem escreve estas linhas
gosta de orar a dançar.
Margarida Azevedo