segunda-feira, junho 16, 2014

ESPIRITISMO DA LIBERTAÇÃO



Porque demasiado arreigados a um passado longínquo, não passível de ser total, ou até mesmo parcialmente provado, porque nascemos virtuosamente esquecidos, nunca é demais lembrar, parte significativa dos espíritas vivem prisioneiros de uma ancestralidade que desconhecem, em absoluto, e que não pára de lhes ser erroneamente lembrada pelas comunicações mediúnicas que recebem.
Kardec jamais deu certezas, apenas que talvez o inexplicado do que acontece no presente tenha uma possível origem no pretérito. “Talvez”, mas o talvez não é certo.
Mal lido, mal compreendido, não estudado na sua codificação, o Espiritismo está atulhado de livros que não dizem nada, que confundem e induzem o leitor em confusão, culminando em modos de encarar a Doutrina contrários aos que o próprio codificador transmitiu.
O Espiritismo está a tornar-se, assim, uma doutrina incontrolável, porque ninguém é capaz de dizer “Basta!”. Tornou-se acrítica, invadida e ofuscada por textos insípidos e repetitivos. Descurando o papel fundamental da razão, apesar dos seus limites, é claro, tudo é aceite só porque é recebido dentro do Espiritismo, como se isso fosse sinónimo de espírita. Ninguém se ouve nem pára para pensar. O movimento tornou-se num mar de desunião, onde cada um se move baseado em simpatias particulares, tentando sobreviver pelos seus próprios meios.
Podemos dizer que psicografar tornou-se uma actividade rentável para alguns Centros e para certos sectores do próprio movimento, bem como alimento da vaidade de encarnados e desencarnados que, movidos por instintos ludibriosos e separatistas, vêem nela uma forma fácil de manipular, de enganar e dividir. Essas psicografias apresentam-se como discursos de grande saber, de verdades feitas, com explicação e resposta pronta para tudo. Apresentam-se como textos que pensam pelo leitor, substituem-se ao seu raciocínio, à sua crítica. Impondo-se à Ciência, fazem afirmações que não se podem provar, ou que põem em causa saberes confirmados. E ainda que o não sejam, a psicografia jamais deve sobrepor-se ao trabalho do cientista e investigador. A Ciência não é nem será do âmbito da Revelação, jamais. Kardec, muito claramente, afirma: “Em virtude desse princípio é que os Espíritos não acorrem a poupar o homem ao trabalho das pesquisas, trazendo-lhe, já feitas e prontas a ser utilizadas, descobertas e invenções, de modo a não ter ele mais do que tomar o que lhe ponham nas mãos, sem o incômodo, sequer, de abaixar-se para apanhar, nem mesmo o de pensar. Se assim fosse, o mais preguiçoso poderia enriquecer-se e o mais ignorante tornar-se sábio à custa de nada e ambos se atribuírem o mérito do que não fizeram. Não, os Espíritos não vêm isentar o homem da lei do trabalho: vêm unicamente mostrar-lhe a meta que lhe cumpre atingir e o caminho que a ela conduz, dizendo-lhe: Anda e chegarás. Toparás com pedras; olha e afasta-as tu mesmo. Nós te daremos a força necessária, se a quiseres empregar.” (pp. 372- 373).
E para que não restem dúvidas, O Livro dos Médiuns, o livro de cabeceira do médium sério, corrobora desta forma: Os nossos Espíritos protectores podem, em muitas circunstâncias, indicar-nos o melhor caminho, sem entretanto nos levarem a ele. Do contrário, perderíamos toda a iniciativa e nada mais faríamos sem recorrer a eles, isso em prejuízo do nosso aperfeiçoamento. Para progredir, o homem tem sempre necessidade de adquirir experiência à sua própria custa. É por isso que os Espíritos sábios, sempre prontos a aconselharem-nos, entregam-nos às nossas próprias forças, como um instrutor hábil faz com os seus alunos. Nas circunstâncias ordinárias da vida, aconselham-nos pela inspiração e deixam-nos assim todo o mérito do bem, com toda a responsabilidade pelas más escolhas.” (p.332).
Quanto à seriedade dos Espíritos, que muitos espíritas endeusam, a partir da simpatia que nutrem pelos respectivos médiuns, até as comunicações tidas como sérias não são uma escritura sagrada, muito pelo contrário. Tornamos a quem sabe: “Os Espíritos sérios não são todos igualmente esclarecidos. Há muitas coisas que eles ignoram e sobre as quais se podem enganar de boa fé. É por isso que os Espíritos verdadeiramente superiores nos recomendam sem cessar que submetamos todas as comunicações ao controlo da razão e da lógica mais severa.
É, pois, necessário distinguir as comunicações verdadeiramente sérias das comunicações falsamente sérias, o que nem sempre é fácil.” (Idem, p. 149). Mais claro é impossível.
Ora, para quem a psicografia diz tudo, sabe tudo, vale tudo, impõe-se como um discurso que diz a suprema verdade, que desvenda os mistérios de Deus, que enche o indivíduo de certezas, chavões, frases feitas, verdades e afirmações intransponíveis, isto não interessa saber. E se adicionarmos a isso o endeusamento do médium, então estamos perante uma epidemia que facilmente se espalhará. Nada mais perigoso, nada mais aprisionante.
O que se verifica neste circo é o ódio a pegar fogo, pois os incautos espalham-no por meio da maledicência, da intolerância, da intransigência, do decoro e do ridículo das ideias sem nexo, a que aderem cegamente. A decência, a nobreza, a ética, a educação, a compostura, a dignidade, a honra, o crédito onde estão? Alguém os encontra nesses textos?  
Ora, os espíritas e o Espiritismo não precisam deste marasmo de psicografias, nem de outros fenómenos abruptos quaisquer. Precisam de burilar-se, empenhar-se no bem-fazer; gente de oração, e empenhada no seu progresso e crescimento espirituais, é nisso que os espíritas têm de empenhar-se. Não deve exercer-se a mediunidade? Deve, mas com outros fins: oração, esclarecimento e cura.
Com isto, as psicografias sérias, raras, acrescente-se, estão a perder a sua utilidade, a cair no esquecimento. É lamentável. Se não houver um travão no que se está a passar, em breve teremos uma doutrina de falácias, remetendo o trabalhador sério para o sótão das velharias, isto é, o silêncio.
Os espíritas devem debruçar-se mais atentamente sobre o Divino Mestre e não sobre os Espíritos. É o Evangelho, e só ele, que tem a resposta para os nossos problemas, donde tudo o que se disser tem que ser em conformidade.
Para os que gostam de liberdade, que amam o livre pensamento, aqui deixamos algo para reflectir, da obra O Consolador:
Devo o pequeno equívoco observado, concedendo à matéria certos ascendentes que só pertencem ao espírito, a perturbações do método de “filtragem mediúnica”, onde o nosso pensamento foi prejudicado.” (p. 233) (nota explicativa)
A polémica sobre esta obra, que tentaram infrutiferamente calar mas que aos mais atentos não passou despercebida, tem como referência um erro, que não é um pequeno equívoco, e que a Entidade tenta colmatar desta forma, justificando-se. Ao ler a justificação somos induzidos a pensar que a Entidade jamais se engana, e como tal não precisa de se desculpar. Parece-nos um pretensiosismo. É facto que todos erramos, não o aceitar é demais, apontar a razão a outro, não há palavras; neste caso, culpar o médium, pensamos que é, no mínimo, uma falta de ética.
Quando nos enganamos nos nossos raciocínios não podemos culpar os outros. Temos que ter tolerância para connosco mesmos, humildade para com todos. “Enganei-me!”, e pronto. Esclarece-se o equívoco.
            Para nós, as comunicações desta Entidade tiveram o impacto que tiveram, face à respeitabilidade do médium, Francisco Cândido Xavier. Se a mesma tivesse dito o que disse através de outro psicógrafo, estamos certos de que não teria tido a pujança nem a projecção que teve. Emmanuel é o que é na Doutrina graças ao trabalho de Xavier, mas o contrário não se verifica. Xavier não foi Xavier à custa nem à sombra de Emmanuel. Basta, para tanto, passar o olhar pelas obras das outras Entidades que por meio dele se comunicaram. Dá que pensar.

Margarida Azevedo

Referências bibliográficas

Nota: Para melhor compreensão da temática em epígrafe, aconselhamos a leitura, na íntegra, dos capítulos das obras de Kardec abaixo referenciados.  

KARDEC, A., O Evangelho Segundo o Espiritismo, FEB, RJ, 1979, cap.XXV,  pp.372-373.
____________, O Livro dos Médiuns, CEPC, Lisboa, 2001, caps, XXVI, p. 332 e X, p. 149.

XAVIER, F. C., (Emmanuel, Espírito.), O Consolador, FEB, RJ, 1998, p.233.

segunda-feira, junho 09, 2014

VIVER ENTRE DOIS MUNDOS

Acaba de ser publicado pelo GEEAK-Grupo de Estudos Espíritas Allan Kardec,  o livro de Leonor Santos no qual relata a actividade mediúnica desenvolvida ao longo de anos de intenso trabalho espiritual. Trabalhadora incansável, Leonor Santos passa agora para o papel a sua experiência pessoal no campo da mediunidade. Obra de inestimável valor por relatar na primeira pessoa a experiência vivida e que muito pode ajudar quem se debate, por vezes em grande sofrimento, com problemas mediúnicos. Bem haja pelo trabalho na Seara do Mestre.
Margarida Azevedo
António Bento