domingo, julho 23, 2006

ONDE FOI QUE EU ERREI ?



No centro espírita X, não digo o nome por uma questão de caridade, falava-se do facto de tanta gente aparecer nas sessões mas não ficar na Doutrina. Como é que era possível que o número de sócios fosse tão inferior ao número de assistentes…
As respostas a esta tão grande e científica problemática oscilavam entre a falta de maturidade espiritual das pessoas e o desinteresse pela iluminação de tão elevada doutrina; os assistentes ainda não estavam preparados para assimilar tão altas revelações dos Espíritos, como é a Codificação Kardecista, a qual requer mentes de uma inteligência acrescida do brilhantismo das luzes, gente preocupada com a caridade e toda a gama de bem-fazer, assim como a sua modificação interior, um virar-se constante para as coisas divinas, excluindo a maledicência, a inveja, o ódio e rancor de toda a ordem. Como se sabe, nada disto existe nos Centros, que são todos casas de luz, ambientes da mais elevada pureza.
Desta forma, é natural que esta massa de assistentes venha ao Centro movida pela curiosidade, ou então para concretizar o sonho de falar com os entes falecidos, convencidos de que a Doutrina é isso mesmo, falar com os mortos, facto que esbarra, na melhor das hipóteses, com a postura doutrinária dos altos representantes do Centro, gente de profundos conhecimentos doutrinários e altamente esclarecida, acrescente-se, que pretende ensinar, contrariamente a esta crença, uma outra não menos errónea de que os Espíritos se manifestam, sim senhor, mas para aqueles que dignamente o mereçam.
Além de ninguém saber o que está a dizer quando fala de tal coisa, até porque espírito nenhum a definiu, o que é de estranhar, pois no contexto geral, caber-lhes-ia dizer como é adquirido esse tal merecimento, bem quais os requisitos essenciais ao indivíduo para tão especial competência. Na realidade o que se verifica é que ao passar pelos Centros as pessoas vão sentindo o gelo da insensibilidade aos seus problemas e o excessivo ambiente técnico-doutrinário de gente que esquece que Espiritismo e Cristianismo são uma coisa só.
Perdidos em tais questiúnculas, os trabalhadores dos Centros perdem-se em devaneios criando falsos princípios, opostos à Doutrina, fazendo perigar o bom funcionamento do Centro e chegando a dar uma má imagem da própria Doutrina.
Foi há alguns anos que assisti a uma conferência espírita subordinada ao tema “Mundos Habitados”. Ao fim de duas longas e pesadas horas perdidas em microorganismos, cujas vidas oscilavam entre os muitos graus negativos e os muitos positivos, em condições onde não era possível a existência de vida humana, a conferência não esclarecem rigorosamente nada sobre a Doutrina e em que é que isso era clarificador para a mesma. O conferencista, porque queria a dar uma conferência espírita, devia ter percebido que exibir ciência não é falar de espiritismo. Nós só falamos de forma doutrinária quando associamos ao discurso a componente maravilhosamente esclarecedora que a doutrina proporciona. Na falta desse esclarecimento, a conferência torna-se banal e fútil, por mais científica que queira parecer ou que efectivamente o seja. E foi o que aconteceu. Uma conferência como qualquer outra, para um público que não era versado nem sobre espiritismo nem sobre microorganismos, e que se perguntava entre si o que é que aquilo tinha a ver com espiritismo, e que no fim da dita conferência ficou exactamente na mesma.
Ciência e Espiritismo não são uma e a mesma coisa. Temos que ter os devidos cuidados, até porque a ciência produz verdades frágeis, próprias de um dado momento, facilmente ultrapassáveis. Quantas vezes o Espiritismo faz afirmações que não são de todo verificáveis cientificamente e que, no entanto, continua a afirmá-las com toda a convicção. São disso exemplo, o caso, precisamente, dos mundos habitados. O Espiritismo sempre defendeu que em todo o lado, neste universo magnífico, há vida inteligente; que os espíritos povoam o universo inteiro e que comunicam com os humanos, ou, numa linguagem espírita, com os seres encarnados que habitam o planeta terra. Pergunto: onde é que estão as provas científicas? Há alguma fotografia desses seres? Quais as condições do seu habitat? De que se alimentam? Como se organizam socialmente? Quais as suas profissões e lazeres?
Claro que o mundo é habitado, mas por uma energia que não sabemos explicar como nem porquê, que se manifesta numa multiplicidade de aspectos, quer planetas, estrelas…quer em animais e plantas, bem como no próprio homem. Falar de mundos habitados não é falar de microorganismos, os quais são por exemplo as poeiras cósmicas, não tem porque ser exclusivamente por bichinhos que sobrevivem a temperaturas agrestes, mas de inteligência. Todos nós somos feitos de microorganismos, de pós interestelares que, ao longo de biliões de anos, tiveram que se adaptar a um gás venenoso que lhes é indispensável à sobrevivência, o oxigénio. Tomando como exemplo as vinte e quatro horas do dia, a nossa inteligência tem uma duração de apenas dois segundos (segundo Hubert Reeves). Pergunto: o que é que sabe uma inteligência tão recente ainda e tão frágil?
O ser humano é por natureza perturbado, inseguro, inconsciente. O que leva as pessoas ao Centro não é mais que a procura de respostas, muitas respostas. Este tem que as confrontar com a limitação na sua forma mais positiva, a saber, o desejo incessante de desvendar o que aos nossos olhos se nos oculta. Para uns são os entes falecidos, para outros se a vida continua para além da própria morte. Todos, em conjunto, pretendem saber o que é que na verdade andamos cá a fazer, porque sofremos, porque há tanta disparidade, porque, apesar de tudo, o homem parece cada vez mais enveredar por comportamentos, onde se despenha no desentendimento, na angústia, na morte violenta.
O Centro tem que deixar de ser uma casa de censura, uma espécie de coador onde só passa o pó mais fino. Os trabalhadores dos Centros não são moralizadores porque tal não é da sua competência. Moralize-se cada um a si próprio, excluindo de si o argueiro dos seus próprios olhos. Um verdadeiro Centro é uma casa onde todos estão empenhados no seu progresso espiritual; é uma escola ou um hospital espiritual, um local de acolhimento, de recolha de gente que, podemos dizê-lo, anda neste mundo autenticamente à deriva. E quem não anda? Só os que já sabem tudo.
Lamentavelmente ninguém se coloca a questão, que para mim é uma grande questão, Onde foi que eu errei? Em pedagogia costuma-se dizer que a confusão dos alunos é uma resultante da confusão dos professores. Não se pretende que todos tirem a mesma nota, nem tão pouco é isso que está em causa, mas tão simplesmente que todos se sejam motivados e, consequentemente, aprendam. É nesta dinâmica motivação/aprendizagem que os alunos descobrem os seus interesses e aquilo que irão querer ser um dia.
Posto isto, que espíritas estamos a formar? Que Centros estamos a construir? Que cristianismo exprime a Doutrina? Em que é que ela é uma novidade em relação às outras correntes cristãs? Em que medida contribui para a felicidade do Homem? Qual o seu papel na sociedade?
Só na união de todos os espíritas, enquanto verdadeiros trabalhadores da Doutrina, poderemos chegar a um consenso, uma resposta válida para cada época. Precisamos de reflectir sobre isto.

Barbara Diller