domingo, agosto 07, 2011

O “ESPIRITISMO” CONTRA JESUS CRISTO

Se o movimento espírita, em Portugal e no Brasil, teimar em continuar na linha radical em que se encontra e não adaptar o seu discurso aos novos tempos, corre o risco de a curto prazo perder o comboio da modernidade, há muito iniciada pelos parceiros das outras igrejas e congregações cristãs.

Todos os movimentos estão preocupados/ocupados com a renovação dos seus discursos, na tentativa de fazer chegar a um maior número de pessoas a mensagem de há dois mil anos, segundo a particularidade dos seus pontos de vista.

Contrariamente, cada vez mais longe de uma directriz interpretativa e vivencial do Evangelho (a Boa Nova), o Espiritismo está a seguir a via do isolamento e da intransigência. Preso na perspectiva dos que defendem que só a Doutrina tem a razão, o que leva os espíritas a olhar para as outras doutrinas de cima para baixo, o Espiritismo está a cometer hoje os erros que as suas congéneres cometeram no passado. Senão vejamos: mediunidade fora da minha igreja é obra do diabo = mediunidade fora do Espiritismo é duvidosa e obra de leitores de buena dicha; só a minha igreja tem resposta para tudo = só o Espiritismo tem resposta para tudo; fora da minha igreja não há salvação = fora do Espiritismo não há esclarecimento porque só este tem a chave da salvação; verdadeiro conhecimento só o da minha igreja = só o Espiritismo detém o verdadeiro conhecimento.

Assim, criaram a falácia de que a Doutrina é auto-suficiente, não precisa dos estudiosos de carne e osso porque tudo o que diz vem dos Espíritos. Seguindo-os como se tivessem a chave da sabedoria, antítese do que afirmou o codificador, geram um ambiente de azedume dentro dos Centros, verdadeiramente desajustado face a um movimento que se diz cristão. Tudo isto culmina no desprezo pelos irmãos que não partilham das posições espíritas.

Pensam que detêm o sentido último da mensagem de Jesus, que as comunicações que recebem são exclusivamente espírito-kardecistas, tipo iluminárias, e que as outras doutrinas estão muito aquém de tais privilégios. Isto torna-se perigosíssimo, pois o resultado está à vista: endeusamento de médiuns, infalibilidade mediúnica dos médiuns que consideram mais conceituados, ausência de atitude reflexiva… Julgam-se os escolhidos, esquecendo-se de que tudo o que existe é porque Deus o permite.

Mais preocupados com o “fora da caridade não há salvação”, frase que não é de Jesus e, infelizmente, mal compreendida, descuram o fundamento da mesma ao dedicarem-se a uma prática de dar que tem como alvo atingir a luz para si próprios, fazendo dos pobres trampolim para chegar a Deus.

Por outro lado, apetrechados de tudo o que há de mais sofisticado e espaços bem decorados, os Centros têm uma complexidade administrativa de fazer inveja à mais elaborada repartição de finanças, o que faz do movimento espírita uma máquina burocrática. Lamentavelmente, pensam alguns que é isso o garante da sua modernidade.

Com tudo isto, os trabalhadores dos Centros perdem um tempo precioso com a engrenagem, em reuniões e mais reuniões onde muito se fala e pouco se resolve, descurando o conteúdo. O que é transmitido fica para segundo plano, perdendo-se no emaranhado de papéis, Cd-Rom e programas informáticos, sobrevalorizando os meios técnicos. Quintinhas onde se movem interesses de grupinhos, os trabalhos, mediúnicos ou não, são feitos por quem mais agrada e não por quem tem realmente competência, isto é, quem diz o que não agrada no mar de interesses sub-reptícios.

Esquecendo-se da necessidade de um enquadramento lúcido e eficaz junto das populações, os espíritas ainda não perceberam a dimensão social do Espiritismo, nem do próprio Cristianismo.

Paradoxalmente, quem vê o movimento espírita de hoje tem a sensação de que só lhe faltam as caravelas para se fazer ao mar, à descoberta de novos mundos. É que, no meio de tanta maquinaria, as mentalidades continuam arreigadas a um passado sem Cristo. Vão longe os tempos das Cruzadas, da evangelização forçada e bélica, da imposição de outras normas face às que eram vividas pelos povos, na individualidade ou especificidade das suas culturas. Toda a gente já sabe que Deus está em toda a parte, que todos somos Seus filhos, que não há teoria sobre a terra que seja preterida, pois todas estão em crescimento e renovação constantes; que os ambientes culturais são justificativos de uma imensidade de hábitos, usos e costumes. É sabido que se para uns a espiritualidade precisa do contacto próximo com a terra, outros é de imagens que representem algo que consideram divino. Outros, porém, seguem a via do jejum, da meditação ou de abstinências. Com tudo isto, o Espiritismo tem que saber que a Humanidade é povo de Deus.

Há que perceber, no entanto, que para lá das “diferenças”, muita coisa semelhante acontece em toda a parte. Tomemos o exemplo das mesas girantes. Não são apanágio de um grupo, de uma religião ou de uma igreja. A. Kardec nem o refere, apenas diz: “Esse fenómeno, que parece ter sido observado primeiramente na América, ou melhor, que se teria repetido nesse país, porque a História prova que ele remonta à mais alta Antiguidade, produziu-se acompanhado de circunstâncias estranhas, como ruídos insólitos e golpes desferidos sem uma causa ostensiva, conhecida.” (O Livro dos Espíritos, pp. 28-29. Sublinhados nossos). Obviamente, se quisermos ser mais específicos, é claro que as mesas giravam desde a mais alta Antiguidade a partir do momento em que começou a haver mesas. Certamente antes disso outros objectos mover-se-iam. Mas não é isso que está em causa. O que está em causa é que algo se move sem o concurso da mão humana, acompanhado de circunstâncias estranhas.

De uma forma independente e isenta, o Espiritismo vem esclarecer esses e outros fenómenos, não apenas porque independem das vivências ideológicas em que acontecem, mas porque eles são um caminho para o despertar da espiritualidade. Rodopiar uma cana, sozinha, no meio do mato, ou uma mesa num sofisticado salão de chá, obedece às mesmas leis, tem os mesmos objectivos, atrai de forma semelhante os observadores. Dito de outro modo, é exactamente a mesma coisa.

Perante o fenómeno, o homem é confrontado com a existência de outras realidades independentes da sua vontade, realidades essas a que o Espiritismo alude como denunciadoras da presença de inteligências para além do campo visível em que nos movemos. Mas não é a única doutrina a fazê-lo. Outras o fazem, à sua maneira.

A posição de Kardec não é uma tese ideológica, mas fenomenológica: a partir da observação de fenómenos “insólitos” procede-se ao estudo das suas causas.

Se tivermos como referência os ensinamentos de Jesus, estamos perante algo denunciador da presença de Deus junto de nós. Isto porque o homem ainda precisa do fantástico como um dos caminhos da fé. Cairbar Schutel entendeu-o perfeitamente: “Na verdade, que seria o Cristianismo sem as curas, sem as manifestações diversas, sem as aspirações? (…) Que seria o Cristianismo sem o cântico dos Espíritos, anunciando aos pastores das cercanias de Belém, o nascimento do Menino Jesus; sem os sonhos proféticos de José; sem a transmutação da água em vinho nas bodas da Caná; sem a multiplicação dos pães e dos peixes; sem a dominação dos elementos no Mar da Galiléia; sem as aparições de Moisés e Elias no Tabor? Que seria do Cristianismo sem as manifestações físicas e consecutivas de Jesus por quarenta dias após a sua morte, sem a explosão do Pentecostes e as portentosas manifestações que se deram por intermédio dos Apóstolos, segundo narram os Atos, desde a primeira à última página? Que seria do Cristianismo sem o resplendor do Caminho de Damasco?” (Parábolas e Ensinos de Jesus, “Preâmbulo”,s/ n.º de pág,).

Ainda que muitos destes fenómenos sejam postos em causa, de um ponto de vista exegético e teológico, e sejam remetidos para o facto de os autores dos textos só dessa forma conseguirem fazer chegar a mensagem de Jesus, todos são concordantes de que o facto de vigorarem nos Evangelhos tem como fundamento fazer despertar o homem para outra realidade: Deus junto de nós. A nossa fé continua a ser filha do insólito, queiramos ou não. O espanto não é só uma questão filosófica, também é uma questão da fé.

Não se trata de termos a noção de que o nosso olhar é distorcido e não capta a realidade tal como ela é, de dizer que vivemos num completo paralaxe, de um ver em que o olhar está mal colocado e analisa incorrectamente. Trata-se de uma noção de fenómeno mais abrangente, a saber, a presença de uma realidade paralela à nossa e que lhe confere sentido, donde o maior é a noção de que a morte é uma mudança de estado e, consequentemente, de sentido.

Jesus não ensinou que um dia a sua tese seria a vencedora. “Ninguém vai ao Pai a não ser por mim” refere-se ao seu exemplo enquanto caminho, não a uma imposição intransigente dos seus pontos de vista. Jesus justificou os profetas do Antigo Israel, não veio anular as suas doutrinas.

O Espiritismo de hoje precisa de se repensar a si mesmo, parar e arrepiar caminho naquilo em que tiver de o fazer. Ainda está a tempo de retomar o rumo do Evangelho, ser uma forma diferente de estar no Cristianismo. Um Centro Espírita nunca poderá ser uma catedral nem a mais humilde capela, nem a sua administração um expediente geral de escritório; nunca poderá erguer estátuas a médiuns ou a Entidades; jamais terá velas ou imagens; nunca prestará culto nem se curvará perante ídolos ou símbolos, porque não tem nada disso. O seu espaço tem de ser aquilo que é: uma casa simples onde todos se sintam bem-vindos. Para tanto basta deixar de lado questões pessoais, questiúnculas sem importância, pois movemo-nos no lodo da ignorância.

O Espiritismo segue a Deus, sem representações; tem como mestre principal Jesus Cristo, não desprezando os demais. A todos respeita e de todos aceita os preciosos ensinamentos. Se Jesus aludiu aos profetas e conviveu com irmãos de outras confissões, o que é o Espiritismo para agir em contrário?

Estamos no mundo para o superar, adquirir luz e entrar num não mundo, isto é, uma vida onde o sentido de hoje não terá qualquer sentido. Um dia, tudo isto estará ultrapassado. Graças a Deus.
Margarida Azevedo
Referências bibliográficas

KARDEC, A., O Livro dos Espíritos, CEPC, Lisboa, 1984, “ III – A Doutrina e seus Contraditores”, pp. 28-29.

SCHUTEL, C., Parábolas e Ensinos de Jesus, O Clarim, S.P., 1979, Preâmbulo, s/ n.º de pág.
Bibliografia consultada, não citada

PIRES, J. H., O Centro Espírita, Paideia, SP, 1980.