Com a insensibilidade a que esta sociedade chegou, desmembrando a família e tudo o que dela faz parte, os idosos tornaram-se um peso morto. O que resta das famílias resume-se a problemas económicos, à fragilidade das mesmas, a horários de trabalho absolutamente desgastantes, à fadiga psicológica resultado do excesso de preocupações, à falta de tempo para estar em casa e desfrutar da companhia dos familiares, à indisponibilidade mental para resolver os assuntos domésticos.
Perante este quadro, o idoso fica entregue aos cuidados de técnicos especializados que os encaram, naturalmente, como o seu meio de vida e não como pessoas que precisam de afecto. Neste mundo de técnica para tudo, mudar fraldas, fazer a higiene, dar a medicação, ou simplesmente dar uma refeição é actividade exclusiva de um técnico geriátrico.
Porém, quando o Estado não quer gastar dinheiro com esses técnicos, ou não pretende abrir mais casas para os que estão em fase terminal, lembra-se da família; mas como esta está indisponível, pelas razões acima descritas, entre outras, cai-lhe em cima, com todas as forças, alegando que são os familiares que não querem os idosos em casa.
As políticas desastrosas que governam as sociedades pós-modernas, ao desenvolverem e alimentarem os conflitos sociais, caiem redundantes sobre as famílias acusando-as de desprezarem os seus idosos, como quem quer livrar-se de um peso morto. Porque os mais frágeis alvos e porque mais expostas, as famílias vêem-se, assim, confrontadas com a exclusão social, para a qual em nada contribuíram.
Há que salientar que parte significativa das nossas famílias não pode pagar a deslocação de técnicos que dão apoio domiciliário, as reformas dos idosos são miseráveis, o que culmina em situações verdadeiramente dramáticas.
Os que estão nos lares, autênticos depósitos sucateiros ou apenas a sala de espera do cemitério, vivem a triste realidade de estarem ausentes do ambiente familiar, tratados sem afecto, não raro agredidos na sua dignidade de seres “ainda” humanos, entregues ao que sobra de si mesmos. Nesses asilos, onde alguns têm a felicidade de serem visitados por um ou outro familiar que lhes leva um pacotinho de bolachas ou umas bananinhas (fruta mais macia para quem não tem dentes), são os invejados pela comunidade do ferro-velho; quanto aos acamados, entubados, que comem por meio de sondas, que vivem de papo para o ar, a esses já ninguém liga.
Perante tudo isto, amigo Leitor, deixe-me que lhe diga:
. ame os seus familiares e amigos do nascer ao morrer, na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, na prosperidade e na adversidade;
. ame a todos, novos e velhos, pois o Espírito continua a ser o mesmo;
. não tenha em atenção o aspecto físico, o Espírito que nele haita é muito diferente do corpo que está à sua frente. Lembre-se, em corpos deficientes há grandes Espíritos;
. quando orar por alguém doente, não o faça por pena, mas de coração aberto e na certeza de que o paciente é largamente beneficiado com a sua oração;
. ainda que o idoso já não consiga falar, trate-o com o maior respeito e dedicação. Ele continua a ser a mesma pessoa, é apenas o corpo que está desgastado.
O cristão não deve pensar que está mais consciente destes problemas que os seus concidadãos das outras confissões religiosas, ou que tem melhores soluções. Não pode igualmente ter o pretenciosismo de que a sua forma de perspectivar este tipo de realidades é mais coerente ou mais enfática.
Lamentavelmente, as sociedades cristãs não deram o exemplo nestas matérias. Criaram instituições de toda a natureza, desde escolas, lares para idosos, facultaram a educação a quem não a podia pagar e a assistência médica de igual forma. Porém, o vil metal rapidamente ditou as suas regras, e aquilo que era um bem tornou-se em matéria de perdição.
As sociedades cristãs precisam urgentemente de se repensar a si próprias, e os cristãos de regressar ao Evangelho. Não interessam as doutrinas, mas o amor que as move e alimenta. Os nossos idosos não podem esperar por tudo aquilo a que têm direito. Não lhes podem negar o fragmento de espiritualidade ainda cá deste lado. Quanto à debilidade, isso não passa de mera desculpa para a grande viagem, tal como ir passear ao jardim é apenas vontade de partir, ausentar-se por algum tempo...
Margarida Azevedo