quarta-feira, outubro 24, 2012

A GRANDE CIVILIZAÇÃO


Dos perigosos chavões e das frases feitas tão inconsequentes como eles, na tentativa obscura de minar o Espiritismo nos seus fundamentos, surge a irreflectida e maníaca afirmação de que somos hoje mais civilizados do que o éramos nas eras pretéritas.
Não fazendo abstracção do aparato tecnológico e do desenvolvimento científico, mercê do crescimento intelectual do homem, confundem salpicos civilizacionais com progresso e crescimento na área espiritual.
Poucos são os que percebem que, apesar do crescimento intelectual, chamemos-lhe assim, continuamos os mesmos, com idênticas reacções, idênticos valores, muito embora se diga que os mesmos estão em crise, numa tentativa de regresso ao passado de uma suposta época áurea em que tudo era respeito, boa convivência, assim como as demais virtudes que, muito bem envernizadas, tinham o condão de fazer de uma família infeliz um saudável exemplo para a sociedade.
Isto significa que, se por um lado o passado era tenebroso, a ignorância prevalecia e comandava o homem de tal forma que este era todo instinto (desconhecemos se até os animais o são), por outro lado surge o apelo a um passado cheio de virtudes.
Estas afirmações, apresentação de um aparelho psíquico ainda muito frágil e que, por isso, quer à viva força viver a plenitude de uma paz pura, sem quaisquer contrariedades, são o grito de um saudosismo referente a uma época que jamais existiu. Por outras palavras trata-se de um suposto paraíso perdido, paradigma da virtude suprema e no qual, porque o homem vivia em conformidade com os desígnios de Deus, tudo lhe era dado de bandeja.
Embora esta segunda hipótese tenha poucos adeptos no Espiritismo, felizmente, não deixa, porém, de estar presente aquando de abordagens aos novos ares que se respiram em termos de liberdade sexual e social, estrutura familiar, educação, etc. Há sempre no passado algo de atractivo. E isso é tão incisivo que, na ausência de explicação dos males que acontecem, remetem as causas últimas dos acontecimentos do presente para esse passado imaginário, desconhecido e vedado, Ora, isto acaba por ser o mesmo, apenas trocando-lhe as palavras. Se para uns houve um paraíso perdido, onde se vivia uma paz inconsciente e, como tal, um estado de ignorância harmonioso, para outros houve um passado infernal governado pelo inconsciente e pela ignorância desastrosa. Quer num quer noutro ninguém sabia o que fazia. Procurar uma estrutura desculpabilizadora ou culpabilizante, o efeito é idêntico. Não há ignorância virtuosa nem desastrosa, como não há uma paz para cada uma delas.
Nesta confusão, ou melhor, na aflição de procurar encontrar uma explicação plausível, e não a encontrando, remetem para o desconhecido. Este, pela sua própria natureza não se mostra porque não pode, caso contrário passaria a ser o conhecido.E aqui interroga-se: que fazer com o conhecido? Ninguém sabe. Ou melhor, provavelmente até sabe: haveria sempre um resíduo de insatisfação, uma pluralidade de interpretações que o relativizariam fazendo regressar (ou regredir) ao ponto de partida.
Uma questão se impõe com toda a pertinência: Como resolver tão difícil dilema? A resposta é simples: antigamente não podíamos ter respostas nem explicações para os nossos problemas porque ainda não tínhamos a inteligência suficientemente desenvolvida para os perceber, mas hoje, mercê da infinidade de encarnações que já temos, mais coisas nos são reveladas e, portanto, já somos capazes de perceber. Isto é, hoje merecemos mais porque somos mais inteligentes; no passado remoto Deus pouco ou nada nos revelou porque éramos tacanhos, selvagens, egoístas, instintivos, e todos os demais predicados afins. Que Deus seria esse?
Por muito que nos custe, a nossa civilização essenta em bases muito frágeis e tão comezinhas que nem damos por elas. Por outras palavras, podemos afirmar sem receio “Diz-me se comes, onde vives, com quem vives, o que fazes, que eu dir-te-ei qual a tua fé.”
O modo como estamos na fé, aquilo em que acreditamos e como acreditamos, dependem muito mais do que possuímos do que propriamente de um passado mais ou menos remoto. O aconchego do estômago dita as regras desta complexa engrenagem. As condições económicas são responsáveis pela maior ou menor disponibilidade para o divino; o sagrado é composto por uma rede elaborada de preceitos em que o factor económico impôs a riqueza dos ritos; a generosidade da dádiva tinha o peso da graça exigida.
Saber como se chegou a esses valores é um mistério, ainda que muitos afirmem que vem do além. Isso não resolve nada, porque então teríamos que perguntar ao além como chegou aos referidos valores. A resposta poderia ser espantosa e impensável, uma vez que penetrar nos confins do além implicaria possuir uma linguagem compatível com tão complexos raciocínios.
Ora, a nossa linguagem cresce e desenvolve-se à medida que o meio se torna mais elaborado, sempre material e tangível, portanto. As nossas barreiras materiais não nos permitem transpor essa fronteira, representadas fielmente pela linguagem. Logo, vivemos no mundo da nosssa discursividade.
Ainda não ultrapassámos os textos da Antiguidade. Tudo no passado continua a fazer muito sentido, um passado histórico em que, efectivamente, podemos ser os mesmos, nalguns casos, não sabemos, mas também não é isso que importa. Sejamos quem formos, o importante é que ainda estamos aquém do que muitos pensam.
Na miséria não há espiritualidade, mas a crença de que um dia poderá sair desse estado, (talvez, sempre talvez). Na miséria não há um amor por amor a Deus, mas um sentimento utilitário, pois Deus passa ao estatudo de deus mágico, poderoso, mitológico, o único que pode lutar contra os homens para lhes impor pesados castigos por se portarem mal. Noutros nem tão pouco há o desejo de castigo porque tudo lhes é indiferente.
Na miséria anseia-se por justiça imediata, apressada, exemplar. Quem tem uma esperança média de vida de trinta ou quarenta anos, no máximo, que embala filhos esqueléticos ou passeia nas ruas da lixeira não quer ouvir falar de Deus, não quer palavras belas e doces porque estão a mais, são totalmente dispensáveis porque fora do contexto; também não quer um lanchinho humilhante, em jeito de troça e oferecido ao fim da tarde pela caridadezinha. Quem é mão-de-obra disponível pelos senhores da droga e da prostituição, do tráfico humano, que acede a tudo e mais alguma coisa pois sabe que se morrer no tráfico é apenas mais um sem nome nem vida para contar, que lhe importa se Deus existe ou não, se há gente boa ou má, se há verdade ou mentira, filosofia ou ciência, arte, sabores, perfume, sorte ou azar?! Quem é privado de amor, quem nem sabe se poderá ser amado, que nunca foi olhado com desejo, singularidade, quem nunca foi descoberto na sua existência de gente e que nem tão pouco sobe ao estatuto de pessoa (conceito que o Cristianismo inaugura), que desconhece o mundo imenso dos possíveis numa vida em que tudo lhe é impossível, como representa ele as fadas, os dendes, os Espíritos, como é a floresta, qual a cor das flores ou os seus aromas? Que universo de sentido numa vida sem sentido? E depois ainda há os que dizem que são santos porque estão a queimar grandes karmas. “São os oficiais de Hitler!”, exclamam uns; “Foram Espíritos com grandes malfeitorias.”, dizem outros. E assim se vão desculpando os egoísmos, as indiferenças, o medo. Se perante os pobres a humanidade ainda não mudou de atitudes, então ainda não mudou em nada, pois é no amor ao próximo que reside o amor a Deus.
Este Deus revelado pelo Povo Judeu é um Ser libertador, de memória, um Ser todo de paz e fraternidade. Tirou o seu povo do Egipto, da terra da servidão. Imagine-se que, num golpe de benevolência, uma força superior tirava da miséria todos quantos lá estão? Que aconteceria aos outros? Nem as mais belas preces, teorias, crenças, caridades e todas as demais virtudes os protegeriam da ira da justiça. Todas as teorias seriam reduzidas a nada, cairiam na terra árida, seriam pó e nada mais. Que sabe essa gente de civilização, de progresso, de amor de que tanto enchem as bocas?
Deus não separa os homens em categorias, inteligentes ou estúpidos, primários ou desenvolvidos, sábios ou ignorantes. Este Deus de liberdade ainda não foi assimilado pelas nossas formas de fé. Estamos todos aquém da liberdade da fé porque estamos aquém do outro.
Reencarnar serve para corrigir, não para castigar, penalizar. A vida não é um tribunal de penas, mas um agradável movimento imparável cujo móbil é uma força incomensurável que não sabemos o que é e a que chamamos Vida.
Se tantos direitos se criaram, como os supramencionados, então é urgente criar o direito à não pobreza e gritar bem alto “A partir de agora jamais existirá um mísero à face da terra. Amen.”
Margarida Azevedo

domingo, outubro 07, 2012

TRABALHADORES DE CENTROS ESPÍRITAS MUITO DOENTES!



Fazer um levantamento das vidas dos trabalhadores dos Centros, em termos de saúde física e espiritual, vida familiar e social, ou explorar a frequência e o tipo de ocorrências que lhes surgem caídas do nada é, efectivamente, descobrir o fio de um novelo emaranhado e deveras quase impossível de dobar.

E quando dizemos “caídas do nada” não nos referimos à ausência de uma causa explicável, ou pelo menos passível de ser transmitida pela nossa parca discursividade. Referimo-nos a situações que em tudo nos parece que não deviam acontecer. Senão vejamos.

Como é que um medium pode dar um passe, que no fundo é um tratamento, quer físico quer espiritual, estando ele em situação de obsessão mais ou menos profunda? Como dar esclarecimento a alguém, incuntindo-lhe que a Doutrina tem resposta para os problemas, que a mesma, pelo esclarecimento, desenvolve a protecção contra as Entidades malévolas, que coloca a vida num rumo mais luminoso para Deus, se o trabalhador espírita não é capaz de exaurir os mais elementares proveitos da mesma, ou se o memo tem a vida de pernas para o ar, anda esbaforido à procura de um momento de paz e sossego? Como relacionar-se e integrar-se no andamento do quotidiano de um Centro, se tem a própria vida cheia de complicações que não é capaz de resolver? Que valor, que importância, que eficácia, que credibilidade, que veracidade há nessas pessoas e nos seus respectivos trabalhos?

Como podem defender a família, numa sessão de evangelização, trabalhadores que mudam de companheiro/companheira quase como quem muda de camisa? Não será isso um discurso oco, vão, e acima de tudo perigoso?

Com o passar dos anos, tem-se verificado um agravamento do estado de saúde dos trabalhadores. Os problemas que os assolam são cada vez mais e mais graves. Muitos “arrastam-se” para o Centro, ou porque, dizem, precisam de dar passes para se sentir bem, para fazer as suas obras de caridade, dar esclarecimentos, fazer o trabalho de evangelização. Defendem que tudo o que lhes acontece é kármico, não lhes passando pela cabeça que é precisamente o contrário.

O desfasamento entre o que pregam e o que praticam é de tal modo grande, está de tal modo a léguas de distância que, entregues às forças negativas, têm as vidas completamente à deriva. Ainda não perceberam que não há doutrina à face deste belo planeta que proteja ninguém, se assim fosse haveria uma melhor que as outras. Ainda não perceberam, nas suas mentes discriminatórias e fechadas, que é o bem que nos salva e que esse bem tem que começar em nós, na nossa casa. Ainda não perceberam que só depois de nos limparmos é que podemos limpar os outros, ou mais correctamente, ajudarmos os outros a limpar-se. Na verdade, nós somos apenas bengalas uns dos outros, meros apoios enquanto a vigilância e a fé comandarem as hostes.

A fétida alusão às Entidades trevosas como a raíz de todos os males que lhes acontecem, a fonte donde jorram todas as dores, resume o quanto ainda há muito por caminhar nesta vasta Doutrina. Tudo isso é revelador da proximidade com essas Entidades, que todos a temos, porém isso não significa, à luz do Espiritismo, que elas sejam as culpadas. É a nossa semelhança, a nossa fé, quantas vezes maior nessas Entidades que em Deus, que nos aproxima dos níveis donde, diga-se em abono da verdade, ainda não saímos.

Essa necessidade de “trabalhar” no Centro advém do facto de, à custa dos que o frequentam, serem eles a limpar-se. São os frequentadores que os aliviam dos males de que padecem e, quantas vezes, não são esses mesmos os silenciados porque ignorantes nos assuntos da espiritualidade?!

Por outro lado, se se fizer da Doutrina um discurso defensor do sofrimento, principalmente, então, em resposta, aí está o resultado. Confundem a ignorância, os cálculos por vezes erróneos que fazemos, tão simplesmente a nossa natureza ainda tão elementar, com sofrimento rumo ao bem supremo resultante de vidas passadas. Que sabemos nós do passado, se ele está esquecido, para nosso próprio bem? Que sabemos do presente, se a nossa consciência e concentração num ponto são infinitamente pequenas? Que sabemos nós de nós mesmos? Que sabemos nós do que quer que seja?



Claro que é mais fácil culpar o passado que, em breve trecho, se resume desta forma: para alguns, ele é o Adão e Eva que comeram a maçã, e por isso morremos. Se não fosse isso, seríamos imortais, isto é, viveríamos na mesma encaranção para todo o sempre. Para outros trata-se de uma herança genética: “Já os meus avózinhos, que Deus haja, tiveram os mesmos problemas, coitadinhos”. Para os espíritas mais iluminados, o presente completamente virado no avesso é obra de vidas pretéritas. Por outras palavras, se ninguém investe na sua modificação interior, se ninguém combate o sensualismo, a gula, a vaidade, o desejo de se impor seja a que preço for, se marido e mulher não lutam por se entender, se... claro que é mais fácil desculpabilizar o presente, inocentá-lo. É exactamente a mesma coisa que, num tribunal defender que um ladrão ou assassino não cometeu o delito, mas sim os espíritos que andam com ele. Está na hora de se perceber que somos tão responsáveis pelas companhias dos de carne e osso, como daquelas que não vemos nem sentimos. Porém, a responsabilidade do esclarecimento é de todos.

Não é compatível com a natureza de um Deus de liberdade e de bondade a teoria de que o karma é qualquer coisa deste género: se há quem viva numa lixeira é porque desbaratou em vida anterior; se há que seja doente do estômago é porque noutra vida foi rico e comeu demais; se há quem morra de fome é porque noutra existência não deu aos pobres do que lhe sobrava. Não seria mais assertivo aprender que estamos a falar de conceitos que não têm o mesmo significado para as diferentes culturas? Desbaratar, ser pobre ou ser rico, dar, sobrar, enfim, são coisas muito diferentes para uma infinidade de pessoas, eras, épocas, religiões, polícas, culturas? Se procuramos o absoluto destes conceitos, como de tudo, aliás, corremos o risco de cair na intransigência, no dogmatismo totalizante e esmagador, num racionalismo exagerado desprezante da fé.

Esses trabalhadores tão doentes, fazendo tábua rasa do que a Doutrina ensina, excluem Deus da História, bem como a Sua infinita misericórdia, uma vez que “quem faz paga”. Factores histórico-sociais, civilizacionais, de consciência, psíquicos, etc., não contam. Esquecem-se de que não podíamos ser melhores; esquecem-se de que se assim fosse ficaríamos exactamente na mesma. Pagar uma dívida não significa nem arrependimento, nem exclusão da possibilidade de contrair outras. Múltiplos factores concorrem para que voltemos a contrair idênticas dívidas, pela necessidade, pelos que nos são mais queridos, por infinitas coisas que não nos passam pela cabeça. Caímos aqui, levantamo-nos ali. É assim que tudo acontece.

Não tivemos culpa? E quem diz que não? Mas não dessa forma. Talvez nem se trate de culpa, mas de uma vivência histórica que ainda não permite uma vida mais igualitária, tão simplesmente porque ainda não somos capazes, tal como a criança, por mais inteligente que seja, ainda não consegue caminhar sózinha. O karma não é uma vingança do passado, mas uma sequência lógica da nossa natureza. Quantos vivem em lixeiras e são inteligentes de tal forma que muito dariam à sociedade e ao mundo! Também somos os culpados por eles estarem lá, pela nossa indiferença, pelo nosso comodismo. Não é o seu passado, mas o presente que os empurrou para as catacumbas da miséria. Somos nós o seu karma, também.

A elevação vem pelo arrependimento e pelo muito amar. Vem por uma necessidade interior que, sem explicarmos como, a dada altura nos faz despertar para coisas mais sublimes, assuntos mais enriquecedores do sentido e da palavra, que lhe está intimamente associada.

Nos Centros, a situação de sofrimento dos trabalhadores é concomitante com uma quase ausência de valoração da prece como o único discurso com Deus e para Deus, o discurso curador de todos os males, a nobre e brilhante Palavra.

Torna-se imperioso reflectir sobre o modo como cada um está na Doutrina. Com tantos congressos sobre nada, com tantos discursos perdidos no silêncio da insensatez e da ignorância, com tantas jornadas para tudo e mais alguma coisa, ainda não foram capazes de enfrentar o animal da vaidade e fazer uma reflexão sobre: Porque estão os trabalhadores dos Centros, na sua esmagadora maioria, tão doentes? O que é que lhes falta? O que é que não está bem?

É que não estamos a falar dos escolhos que assolam a sociedade presente, nem dos vulgares arrufos que nos surgem. Estamos a falar de uma superlativização dos problemas, de uma resistência em aceitar os ensinamentos doutrinais, uma inércia quanto à prática das suas máximas. Porquê? Que cada um procure a resposta, ou uma resposta.

Esperemos que esta situação faça um retrocesso e a Doutrina volte a ser um discurso de esperança no coração e na boca de quaisquer dos seus trabalhadores.

Margarida Azevedo