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As técnicas de
persuasão, aplicadas aos discursos religiosos, têm uma história negra, tão
negra que transformaram a fé em psicose, a vida em sociedade num manancial de
discriminação culminando em morte e destruição em massa. Não vale a pena fazer
uma listagem de guerras santas, de lutas contra os infiéis, da implementação da
loucura e cegueira colectivas, onde o ser humano se tinha como investido de
forças superiores que o conduziam a expoentes de violência e agressividade de
tal forma bélicos que não olhavam a meios para atingir os fins.
Essas técnicas de persuasão
impuseram o medo, a tortura, manipularam consciências, desenvolveram o
sentimento de culpa, que não raro conduziu ao suicídio, criando, como se tudo
isso não bastasse, a ideia de que este mundo é mau, apesar de feito por um Ser
sumamente bom e poderoso.
Jamais foi ensinado que o poder
é proporcional à bondade, que o bom é o poderoso porque é criador, porque
perdoa e é compreensivo, porque é feliz; poder sem bondade é ditadura, bondade
sem poder é fraqueza.
As religiões de hoje, tal como
dantes, filhas de si mesmas, herdeiras da sua ambição, desde as igrejas,
seitas, ou ao mais pequeno grupúsculo parece que ainda não se mentalizaram de
que não vendem mercadorias, não são lojas de electrodomésticos, não disputam
qualidades nem quantidades de vendas, não são máquinas lucrativas. Porém, é
isso que elas fazem, é isso que continuam a fazer, é nisso que são
especialistas.
No mundo global, onde tudo é de
todos sem o ser, onde todos se parecem sem se parecerem, onde tudo se compra e
se vende mesmo o que não está à venda e está para além de todo o preço, o
fenómeno religioso continua a ser uma fonte de riqueza, ganho fácil, uma forma
de ser o que não se é, de viver como se não deve viver. Que o digam os oradores
espíritas que por aí andam, que falam, e falam, e falam, mas na maioria não
dizem nada. Todavia, o auditório aplaude-os de pé, em ovação embevecida,
tendo-os como privilegiados na inspiração do mais puro divino. Como?
Conhecedores, tal como os seus
congéneres dos outros grupos religiosos, das técnicas de persuasão americanas,
muito em voga e muito utilizadas em marketing,
falam do seguinte modo:
-deslocam-se de coluna bem
vertical, mas não de forma ostensiva, simulando confiança absoluta, mas não de
forma a enfatizá-la para não chocar o auditório; o caminhar descontraído é
fundamental;
-sorriem sem exuberância,
espalhando simpatia;
- enquanto se deslocam para o
palco onde vão discursar, vão cumprimentando alguns elementos do público:
palmadinhas afáveis nas costas ou apertos-de-mão aos homens, beijinhos
discretos às senhoras; alguns passam a mão pela cabeça das criancinhas em jeito
de bênção.
Quanto ao conteúdo dos discursos,
que não interessa para nada, processa-se do seguinte modo:
- o tom de voz é enfático, claro
e preciso, ou seja, é imperioso que os ouvintes não pensem por si mesmos, não
reflictam, não ponham em causa absolutamente nada do que estão a ouvir. “Tudo é
muito evidente, tudo é assim mesmo, nada poderia ser de outro modo”.
O orador, tendo consciência de
coisas tão elementares como o sofrimento da humanidade, a crise económica, o
desemprego, a insegurança no trabalho, a crise da família, a desigualdade no
acesso aos bens de primeira necessidade, tais como à saúde, educação, cultura,
níveis mais altos da actividade profissional e salarial; a discrepância
religiosa, as suas escalas militaristas, os bons, os maus e os assim-assim, e
tudo o mais que venha a talhe de foice, usa termos que vão ao encontro do que o
auditório quer ouvir, criando-lhe falsas espectativas, dando a entender que tem
a solução para os seus problemas, ou incutindo-lhe a ideia de que os devem
aceitar sem tugir nem mugir, do tipo “Que
feliz que eu sou por estar mal! Ainda bem, pois vou ganhar o céu. Os ricos vão
ver o que os espera!”, alimentando,
sub-repticiamente, o espírito de vingança, a inveja de quem vive melhor, e
desenvolvendo a ideia de que é na miséria, sem nada fazer para a combater, que
está a felicidade num futuro que ninguém pode, em absoluto, dizer como é, se
assim não fosse não teríamos a disparidade de opiniões sobre o além, facto que
vai da menor coerência à maior excentricidade .
Para isso, torna-se imperioso
saber utilizar as palavras utilizando a técnica de manipulação mental (através
do discurso, criam, no ouvinte, uma falsa ideia de liberdade, manipulando-lhe a
vontade, maxime, o livre-arbítrio, conduzindo-o
a conclusões e concordâncias que julga que são suas):
- o tom de voz é seguro,
acentuando a última sílaba, criando espaços átonos entre as palavras, fazendo
pausas entre as frases, cujos timings
são meticulosamente empregados. Enfatizam umas palavras mais que outras,
mudando o tom de voz, acompanhando-as de gestos largos, ou discretos, conforme
o objectivo;
- pelo meio vão contando
historietas da vida quotidiana, passadas no supermercado, no escritório ou da
bancada da senhora da hortaliça, na praça;
- não pode faltar o humor, o
perigosíssimo humor, que mais não é que a troça sarcástica, impiedosa e vil de
comportamentos, dizeres e ideias, que geralmente são alguns resquícios de
individualidade que possam existir entre alguns elementos do auditório,
atemorizando-os, manipulando-os, silenciando-os sob pena de serem ridicularizados
aquando de alguma questão que quisessem colocar. O humor cala, é intransigente,
ridiculariza, é sádico, constrange, inferioriza, cria a necessidade de pertença
ao grupo, neste caso, ao discurso. O diferente, o individual, no auge do humor,
num auditório, é absorvido sem dó nem piedade.
É lamentável que alguns oradores
espíritas sejam tudo isto. É claro que deve saber-se comunicar, usar o humor,
também, mas é fundamental saber do que se está a falar e de coração aberto.
Tudo tem o seu reverso. O cinismo não pode continuar a fazer parte dos
discursos de nada nos meios espíritas. Os oradores têm que começar, na sua
maioria, a dizer alguma coisa, estarem mais preocupados com a Doutrina do que
com a sua imagem. Cada orador deve compenetrar-se de que é um servidor e que
Deus, conhece o nosso íntimo porque nos criou. A esse Ser, que não cabe nas
nossas cabeças, apenas sabemos que devemos o ser, a vida, a existência. O que
já não é pouco. Tudo o mais não passa de vãs discussões de mentes embrionárias
de quem pensa que sabe alguma coisa.
Margarida Azevedo