ECUMENISMO, DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO E HUMILDADE
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Numa sociedade em permanente mutação, tão rápida quão
contágica, é natural que os conceitos, por natural consequência, sofram também
uma aproximação dos seus significados. Esta resultante sequencial própria das
línguas vivas enriquece o léxico e, com isso, aproxima e estreita laços entre
as doutrinas, principalmente naquilo que até então era ponto de divergência.
Assim se percebe que a aproximação humana é, antes de
tudo, uma convergência linguística, lembrando que dizemos o mesmo segundo modos
diferentes.
O ecumenismo e o inter-religioso são disso um exemplo.
Podemos viver na casa de uma espiritualidade com a mesma raíz e, nesse caso,
ecumenismo significa o encontro entre os vários pontos de vista em torno de uma
mesma organização-mãe. Se tomarmos como exemplo o Cristianismo, o encontro
ecuménico seria a reunião de todas as igrejas e de todos os grupos cristãos. O
mesmo se verificaria para as outras religiões.
Mas se entendermos que a casa, ou a habitação, já não é o
grupo com uma raíz comum, mas o próprio planeta, então o ecumenismo já não pode
ser o diálogo entre os seguidores de uma espiritualidade com a mesma raíz mas
um diálogo mais abrangente, extensível ao inter-religioso.
Além disso, as origens da espiritualidade estão na
Natureza. As cosmogonias fazem parte de todas as doutrinas; aprendemos que
criou Deus primeiro o céu e a terra que, informe e vazia, foi preenchida com a
diversidade estonteantemente fantástica de apresentações da vida.
Ora
a problemática das origens é o grande mistério para a Humanidade. Fonte
inigualável de ritos, razão de ser dos profetas, raíz de fórmulas e preceitos
religiosos, uma cascata inesgotável de onde brotam sem cessar religiões, fés,
dizeres, preceitos, adorações. Podemos dizer que cada ser humano é, em si
mesmo, uma forma de religião, pois é portador, em si mesmo, do mistério das
origens, da vida bem como da capacidade de adoração.
Os
que temem o ecumenismo como diálogo inter-religioso porque se perde a verdade
de uma doutrina, não confundam os fundamentos doutrinais com a Verdade absoluta
que é Deus. Vivemos paredes-meias com o diferente desde sempre. Este não é mero
fruto da globalização característica dos nossos dias. O ser humano antes de ser
sedentário foi nómada e, como ser de relação que é, progrediu através de
influências partilhadas. Por exemplo, o que seria do Cristianismo sem as suas
fontes judaicas, gregas e romanas? Sem a sua ligação ao Paganismo através dos
cultos da Natureza, das curas milagrosas que tantos rios de tinta fizeram
correr, e ainda fazem? Sem a sua história emancipadora, que, sem dúvida,
podemos pôr em causa, como por exemplo a cisma que levou à separação da
reliião-mãe, o Judaísmo? Então os encontros, os diálogos inter-religiosos não serão
uma mais-valia em prol da paz? Não será uma forma de repensar as origens, a
descoberta de que temos todos muito mais em comum do que de pensamos?
Há
quem chegue ao ponto de dizer que uma paz nestas condições não interessa. Pois
é, há quem ainda não compreenda que a Paz é a maior forma de fé que existe, a
maior religião, o maior expoente de progresso civilizacional. Sem paz, a
religião é mero discurso oco, vazio de sentimentos nobres, desprezível porque
empobrecedor de uma linguagem cujo Verbo significa Criação e não destruição,
morte, dor,insensatez, frivolidade.
Não
façam da fé um devaneio, nem da religião uma vaidade. É na humildade que se
criam os grandes momentos do espírito. Enquanto não se perceber que “a minha religião é um caminho transitório,
numa existência transitória, numa estada de uns escassos anos, meras dezenas,
que, para alguns nem isso; que a minha religião está dependente do momento
histórico e que a mesma muda de discurso consoante o desenrolar da História,e
que, dessa forma, o mesmo se vai tornando diferente a cada dia que passa; que a
minha religião e eu dependem de factores externos, que se nos impõem e que
entram, não raro, em recta de colisão com toda uma vivência interior, e cuja
luta pouco ou quase nada dominamos,” então, certamente, o outro é fonte de
temeridade, com tudo o que ele representa.
A
humildade é a procura desse outro num propósito evolucionista que significa,
entre outras coisas que o Leitor queira acrescentar, a alegria de se verem, de
se olharem e dizerem milhentas coisas que estão por dizer. A humildade não
conhece o mais e o menos. Estamos todos no mesmo patamar uma vez que somos
todos habitantes do mesmo planeta. O ecumenismo é um dos seus filhos.
Margarida
Azevedo