domingo, janeiro 05, 2020

O CARÁCTER TRANSITÓRIO E PRECÁRIO DAS NOSSAS DOUTRINAS



           
            O humano caracteriza-se essencialmente por estar em trânsito num pluriverso no qual é movido pelas coordenadas espaço/tempo. Para uns, tal é motivo de desconforto pois vivem à procura de uma eternidade ideológica, porque assentes em  conceitos tais como valores, verdade, ética, moral, tradição, etc. Outros, pelo contrário, crêem que a ideologia permanece, mas com potencial ou capacidade para se adaptar às novas realidades sociais, novas necessidades e novas exigências. Para estes, a ideologia é elástica, pois é sempre possível acrescentar/retirar-lhe sentido quando o anterior se torna obsoleto. Depois há ainda um grupo, assaz pequeno, para quem a ideologia é totalmente transitória, aceite porque responde, de alguma forma, às necessidades da vida aqui e agora.
Nas ideologias religiosas, ou por medo dos infernos ou de se expor aos maus Espíritos, ou por desafiar a força dos deuses ou de cair em desgraça para sempre, longe de serem libertadoras são, na realidade, mecanismos aprisionadores que impedem o ser humano de viver em pleno a sua fé numa relação de felicidade com Deus e com a Natureza.
Podem ler-se os mesmos textos a vida toda, e séculos após séculos, mas se não se tiver em linha de conta a historicidade, as vivências religiosas de então, e não for feita uma leitura aberta dos mesmos, isso significa matar o texto. A vida de um texto está precisamente na constante releitura, conferindo ao leitor a liberdade da análise, a sua adaptação individual ou colectiva ao presente. Há que perceber que a ideologia do texto pode não ser a do leitor, ainda que partilhem religiosa e historicamente idênticos ideais. O que têm em comum as igrejas cristãs de hoje com as casas-igrejas dos primeiros cristãos? Para não dizer nada, dizemos muito pouco.
É motivo de excomunhão dizer que as doutrinas são tão precárias, tão débeis, tão frágeis como o vento que passa. Mas isso é a grande verdade. Elas podem durar centenas ou até milhares de anos, mas isso não significa que sejam imortais ou eternas. Um dia, inevitavelmente, chegará o seu fim e novas doutrinas surgirão. Por isso a História nos lembra esses momentos fugazes de milhares de anos, tornando-os episódios a reter na memória individual e colectiva. A religião egípcia é um bom exemplo; os cultos do deus Apolo e do deus Dionísio, na Grécia, também.
Porém, fazer da memória  elemento justificativo de práticas inaceitáveis porque desfazadas no tempo, é inverter-lhe o papel. O factor tempo é determinante para a compreensão e aceitação de todo e qualquer comportamento. Vão longe os tempos em que o rei ou chefe da tribo era um deus; vão longe os tempos da crença na imortalidade mediante a oferta sacrificial de bens, e de pessoas em holocausto, aos deuses; vão longe os tempos dos cultos dos mistérios do deus Dionísino e do deus Apolo.
            A perigosa crença na estabilidade doutrinária, na sua verdade incriticável, da sua capacidade de resposta para tudo, da sua perfeição total, enfim, é a porta escancarada para
o fundamentalismo, fanatismo, intransigência, ateísmo, luxúria, exploração do próximo, manutenção da ignorância, resistência à mudança, medo que o outro ensine, denuncie, esclareça, faça de alguma forma abanar as estruturas muito aconchegadas e muito arrumadinhas do cinismo e da arrogância.
            Não há doutrinas libertadoras, há-as momentaneamente responsáveis por algum equilíbrio, alguma resposta muito fugaz, muito sub-reptícia, uma mezinha para algum problema de momento qual remédio para um mal do presente. Passado o mal, o remédio deixa de ser necessário. Podemos guardar o frasco, mas o problema seguinte,  ainda que recorra ao mesmo remédio, já não será o mesmo nem o remédio terá o mesmo desempenho.
            Rir de nós mesmos, dos nossos fracassos ou de algumas virtudes,  é sinal de maturidade política, religiosa, cívica, é quebrar os muros. A estabilidade não é uma característica do humano; é querer à viva força que os filhos sigam tudo exactamente como os pais, transformando-os em seres castrados, agarrados a vida inteira aos pais como se estes fossem a única voz  a ouvir e a totalidade do mundo.
 Progredir é emancipar-se, é amar a vida, e aos progenitores na medida em que os compreende na sua vivência e experiências de vida. Progredir não é rejeitar, mas querer ser sempre mais, ir mais alto, aprender sem cessar. O pão pode ser sempre pão, mas os processos de fabrico acompanham o progresso tecnológico. Quem diria, há um punhado de anos, que o pão deixaria de ser fabricado à mão e seria confeccionado por máquinas? Então o pão não é sagrado? Não é o corpo de Jesus, o Cristo? Muito bem. E o que é que isso tem a ver com o processo de fabrico? Pode continuar com essa fé, quem assim o entender, que em nada é beliscada com a substituição das mãos, no difícil trabalho quão árduo de amassar quilos e quilos de farinha, por uma máquina aliviadora. Até lhe deixa tempo para ler a Bíblia…
            Os libertadores e messias de hoje, tal como os de outrora, mentirosos  e arrogantes, apoiam as suas doutrinas no passado histórico, num mundo que foi essencialmente nómada, reivindicando direitos de propriedade por razões ancestrais; falam contra a colonização e a escravatura, a xenofobia e o racismo, em jeito de vítimas, como se tais realidades não fossem transversais ao ser humano, mas apenas características de um grupo; abordam os direitos das minorias e o direito à terra, com pompa e circunstância, excluindo ou retirando a outros o direito a um lugar para viver; referem-se aos direitos humanos com altivez, quais grandes defensores, mas tudo isto é como o sino que tine porque o que os move não é o bem ao serviço de todos, mas apenas de alguns que, nas suas ideologias e mentalidades, são os verdadeiros merecedores da liberdade ou da salvação de Deus. Sementes da discórdia, do terror e da desilusão, os falsos libertadores são excelentes cozinheiros da desgraça alheia.
            Vivemos uma nova era apocalíptica, um segundo zelotismo, novos profissionais da virtude. Ora, o apocalipse não é um fim trágico, mas um recomeço em grandiosidade porque é o desocultar, revelar de algo que estava escondido; o zelotismo o fim de uma perspectiva religiosa intransigente; os profissionais da virtude um bando de indivíduos espartilhados para quem os bons prazeres da vida são pecado.
            Sim, vivemos entre dois infinitos, o do bem e o do mal. Pretende-se a redução de menos um ao segundo e a adição de mais um a o primeiro, a cada momento que passa, momento esse que tanto pode ser de um segundo como de milhões de anos, aqui ou em qualquer outro lugar. Viver é exercer essas duas acções numa constância sem cessar, numa insatisfação e num desejo ávido que esta noção de lonjura nos perpetua. Mas, no fundo, é tudo tão ténue, tão frágil e tão transitório.
A vida é uma passagem fugaz por qualquer coisa que vem de uma fundura temporal e espacial entre os infinitos mais e menos. Onde estamos? O que é pensar em algo? Porque reflectimos Deus segundo ideias que julgamos sempre tão assertivas mas que, na verdade, são insatisfatórias?! Chegar a Deus no desconforto social, numa dialéctica de subjugação e libertação é cultivar a esperança de que um dia haverá o acerto do pensamento e da fé, do desejo e do fim real de todos os desentendimentos. A transitoriedade das nossas doutrinas é reveladora de um caminho…


            Margarida Azevedo
                       


quarta-feira, janeiro 01, 2020

AOS MEUS LEITORES




            Desejo aos meus Leitores, cristãos e não cristãos, espalhados pelo mundo, a continuação de uma boa época natalícia. Que se sintam motivados para reflectir sobre este profeta, Jesus, judeu íntegro e de expressão livre, que veio pregar o Reino de Deus, e que marcou definitivamente a contagem do tempo histórico em antes e depois dele.
            Desejo igualmente um excelente Ano Novo. Que o 2020 seja um ano de paz nas vossas almas, e para as vossas famílias e amigos.
            Muito obrigada pela vossa amizade que, muito embora não saiba quem são, eu estou sempre convosco nas minhas preces, porque os sentimentos tudo ultrapassam.
            Um abraço fraterno do fundo do coração.

            Margarida Azevedo