O LUTO QUE NINGUÉM VÊ
A
perda de alguém é sempre uma dor que cai bem fundo e que não se explica.
Sabemos que vamos morrer, sabemos que os entes queridos, um dia, partirão
também. Espera-nos, portanto, alguma solidão, alguma saudade; aguarda-nos uma
tristeza que pode ter repercussões inesperadas, imprevistas.
Por
outras palavras, vivemos a permanente impotência contra a dor sentimental
quando a morte arrebata, gloriosa, aquele ou aquela que nós pensamos que ela
não tnha o diretio de levar. É a sensação de furto, uma invasão sem pudor, o
ridicularizar de lutas e labutas na ânsia de uma vida com mais sentido.
No
entanto, por uma razão qualquer, um fundamento que espelha a nossa
deshumanidade, e não mais que isso, não lamentamos a morte daqueles que
rotulamos de ignóbeis, aberrações frívolas do humano, “os que envergonham a
nossa espécie!”, diz-se.
Há os que merecem morrer, porque há os que não
deviam ter nascido, os que estão a mais. E há os que felizmente morrem antes de
nascer. Os abortados que viriam a dar grande trabalho aos progenitores, com as
suas deficiências, as malformações. “Ah! Ainda bem que Deus se lembrou deles a
tempo. Grande felicidade.”, diz-se também.
Tudo
se passa como se viéssemos a um mundo que nos promete a imunidade à dor, que
nos dota de poderes decisivos e selectivos, de tal forma que nos dá carta
branca para seleccionarmos quem deve morrer, quem deve nascer, que mortos
devemos chorar.
Os
vivos têm-se por favorecidos ou privilegiados, os escolhidos de uma selecção
rigorosa, apesar da mistura de caracteres tão diferenciados. Não importa.
A
frieza da sociedade cria excedentários e limita a dor da morte aos que julga merecerem-na. Que dirão os casais, que
planearam um filho, que fizeram projectos para a sua vida, planos de educação,
enfim, os cuidados que pais dedicados têm para com os filhos, e vêm o seu filho
morrer ao terceiro ou quarto mês de gestação!? Que pensarão os pais dos que
morreram em prisões, quantos na esperança na modificação do(a) seu/sua
filho(a), e cuja tristza, o vazio, aquele abraço que se esperava acontecer
impregnado de arrependimento, aquele abraço que morreu nas paredes frias e
impesssoais da prisão e que jamais saíu de lá…
Tudo
tem direito ao luto, porque tudo tem uma identidade; tudo acontece em
comunidade, tudo é parte integrante do mesmo, responsabilidade do colectivo.
São as famílias que choram em silêncio, ou na vergonha, ou na solidão, choram o
desepero, a falta de amor, a indiferença; choram o seu não direito à dor, à
perda, ao direito de dizer que amaram perdidamente aquele que não chegou a vir
totalmente ao mundo, aquele que, embora nele, se recusou, por razões perdidas
nos mistérios da vida, a aceitá-lo, experienciá-lo como fonte do indefinido.
A
sociedade criou lutos clandestinos. Para esses e respectivas famílias, a nossa
prece:
Lembra,
Senhor, a esta humanidade os seus deveres para contigo
Somos
homens e mulheres numa realidadde frágil e perecível
Estamos
perdidos entre a transcendência e a imanência
Entre
a vida e a morte, o visível e o invisível
Que
não sejamos coniventes com a indiferença
Que
nos sintamos existencialmente implicados na vida
Torna
visível a estrada gloriosa que conduz ao Teu reino
Consola
as famílias que choram os seus filhos perdidos
Os
que não chegaram a nascer, os que nasceram e não souberam viver
Conduz
ao arrependimento todos os que agiram contra a Humanidade e contra Ti
Liberta-nos
da fatalidade do luto
Conduz-nos
à graça da perpetuidade da vida
Aos
esplendores da certeza do reencontro universal
Tu,
que és puro amor, pura verdade, vida cósmica
Margarida
Azevedo