sábado, dezembro 17, 2016

VEM AÍ O NATAL



…e com ele as depresssões e as angústias; o stress, os pobrezinhos e as ceias colectivas em instituições de caridade. Sabe-se que durante todo o ano vão-se construindo pobres, tantos que,nem cogumelos.  Não interessa a redução do poder de compra, nem as injustiças sociais mais o bloqueio de quem pretende singrar na vida, nem o silenciar de quem tem razão. É tudo isto, e muito mais, que virá a justificar o natal da caridade, não de quem dá, mas de quem, humilhantemente, precisa.

Por entre montras reluzentes, lojas simpáticas com cânticos natalícios, centros comerciais a abarrotar, surgem as alegrias dos que podem comprar; o riso amarelo dos que só compram o que podem, politicamente remetidos para o consumo do que não querem; dos que muito compram, mas que não precisam de nada, por status, por ser chique, porque dá classe. Também há, poucos, os que não  compram…

Este painel é revelador de um cristianismo de fachada, cumpridor de datas, incapaz de conciliar a tradição com a modernidade, de articular o lado espiritual com a necessária mudança social que o tempo, objectivamente, vai impondo. Em Portugal, os Centros Espíritas, na sua maioria, fecham portas nos dias 24 e 25 de Dezembro. Devem ser das poucas organizações cristãs a fazê-lo. Lamentamos. Mas é claro, como fora da caridade não há salvação, o dever está cumprido:  as bananinhas, as bolachinhas e o leitinho já seguiram viagem rumo aos necessitados, aliviando a consciência. Assim se dispensa a ida ao Centro Espírita, para orar pelos que já partiram, ou pelos que estão do lado de cá da cortina, à procura de uma explicação avisada, convincente, que nos diga porque é que há tanta ingratidão. 

De facto, tudo se resume a mais um dia feriado. Quem foi Jesus, o que significa o seu nascimento, o que representa para nós, hoje, aqui e agora, pouco importa. O Jesus histórico, o Cristo, o modo como estava no judaísmo,  não são relevantes.

Ora não são as lojas, os presentes, as cores, o brilho, a iluminação das ruas, a fantasia em torno das crianças, enfim, os responsáveis pelo alarido que esmaga a religiosidade, mas a sobrevaloração do comercial, o apagar da luz do Espírito, a ausência do reencontro das famílias em torno de uma prece, ou na celebração da felicidade .

Por outro lado, politicamente, há que globalizar. Na tentativa de tornar o Cristianismo uma religião universal, tolerante, respeitadora das diferenças, verifica-se pecisamente o contrário. Distanciando-se, infelizmente, das suas raízes, não se afirma enquanto seguidor do seu profeta, mas como representante de sociedades baseadas numa economia de mercado, confundindo a felicidade da mensagem salvífica, no contexto teológico de então e de hoje, com o poder de compra de que o materialismo dos nossos dias é representativo. Dito de outro modo, a felicidade do Natal depende mais do brilho das gambiarras da árvore de natal do que propriamente do festim espiritual a que Jesus alude nos evangelhos. O religioso confunde-se com o laico, perdem a sua contiguidade, e o segundo sobrepõe-se ao primeiro. 

Comprar transformou-se num anti-depressivo, é aconselhado para combater frustrações e expulsar as neuras, uma forma de combater a lembrança dos infurtúnios da infância, tais como as repressões da família que, incompreensivelmente, não deixava os meninos darem pontapés nas canelas dos avós, quando estavam muito nervosos, ou quando faziam birra porque não queriam comer a sopa mas a sobremesa. Enfim, pequenas desgraças psicológicas. Felizmente que há natal para sublimar esses tempos de terror familiar. Assim, lembre-se, ao receber uma prenda natalícia, pode muito bem estar a colaborar na cura de grandes quadros depressivos, neuróticos, ansiosos, e tudo o que de mais houver na psique. 

Efectivamente, podemos oferecer uma prenda a quem quisermos porque dar é um prazer, mas que isso não seja encarado como uma obrigação do Natal, antes como um gesto de amor para com aquele que recebe. Neste sentido, o Natal será todos os dias, no que há de mais saudável: amar.

 

Margarida Azevedo

 

segunda-feira, dezembro 12, 2016

LANÇAMENTO DO LIVRO DE JULIETA MARQUES

É com grande prazer que fazemos a divulgação do lançamento do livro da "Decana" do Espiritismo Português - Maria Julieta Marques- figura incontornável do movimento espírita nacional.



quinta-feira, dezembro 01, 2016


AS ESCRITURAS NÃO PRECISAM DA FÉ,

É A FÉ QUE PRECISA DAS ESCRITURAS

 

            Textos históricos quais monumentos literários, as Escrituras dispensam os qualificativos da fé, fragmentada e perdida no ideológico religioso, configurando-se como narrativas sobre o percurso dos homens e das mulheres numa existência cuja natureza não definimos.

            Contrariamente ao que muitos pensam, as Escrituras não são textos que transmitam a Palavra de Deus. São textos cuidadosamente elaborados, transmissores de vivências, propondo caminhos mediante a reflexão inevitável sobre a problemática da existência de Deus, do Homem e da Vida. Ao lê-los, estamos lá, não num passado reencarnacionista, em que supostamente teríamos sido protagonistas dos factos neles descritos, isso seria muito pouco, mas na nossa natureza. Por outras palavras, não é Deus, mas o humano o principal protagonista, na sua vivência histórica, reflectindo sobre si mesmo.

            Deus jamais se manifestaria a um indivíduo, porque não existe ninguém com essa mercê. Porém, ser profeta ou redactor do trágico vivencial que é o nosso, de forma a expor-nos perante nós mesmos é, parece-nos, mais misterioso que descobrir Deus na História.  Mediante as Escrituras, descobrimos que o mistério não é Deus, mas o próprio Homem. Não pelo carácter de excepcionalidade que muitos lhe atribuem, o tal ser superior da Criação, mas na vulgaridade quotidiana, lembrando-lhe o quanto é limitado.  Nas Escrituras, os profetas são homens e mulheres comuns, prova de que não são seres superiores, e que Deus os escolheu num como e num porquê que não nos diz respeito.

            Temos que aceitar, a nada nos conduziria o contrário, que somos protagonistas de contrários que se enfrentam tais como fé e não fé, amor e ódio, verdade e mentira, guerra e paz, ciúme, intriga e falsidade, verdade…também somos ainda aqueles, os tais que procuram uma explicação para a origem de todas as coisas, criando mitos, parábolas e alegorias, deuses e demónios, superstição, holocaustos, dádivas, preceitos, orações, cânticos. Tudo isso encontramos nas Escrituras com o propósito de nos fazer despertar para a grande e eterna questão “Quem sou eu?”

            Não há homens nem mulheres imunes a esta questão, também não há espectadores. Contracenamos, todos. Por mais desunidos que nos sintamos, representamos o nosso papel.  Aquilo a que chamamos diferenças culturais e de fé são leituras que polarizam e coloram a nossa vida, porém só fazem sentido se se perceber que é na pluralidade e na tolerância incondicionais que se constrói o fresco que colora os céus. Por isso, não é o que a Escritura diz que é complexo, mas como percebê-la na intemporalidade, isto é, em todos os momentos da História do Homem.

            Conferindo ao leitor uma liberdade total na sua apreciação, as Escrituras são a voz de uma pedagogia social, numa constante releitura, com o fito de mais e  melhor se integrarem nas grandes questões existenciais dos homens e das mulheres.

            Efectivamente, para ler as Escrituras não precisamos da fé. Os ateus são, talvez, os seus mais assíduos leitores, os mais críticos, os mais problematizantes. Despidos das ideologias religiosas, cépticos quanto às mesmas e criticando-as incisivamente, têm uma extraordinária capacidade de distanciamento dos textos, o que muito os favorece enquanto leitores; e aos textos também, uma vez que os encaram como realmente são: livros de História: a Pré-História e a História de um povo, Israel, no caso da Bíblia Hebraica; o percurso doutrinário de um profeta judeu com uma mensagem estranha, um Evangelho, no caso da Bíblia Cristã.

            Todavia, há, também, o lado positivo do crente. Se, lamentavelmente, é verdade que se pode tirar do texto o que se quer, o que é mau para quem lê e para o texto, e estamos em presença de um mau leitor, pode-se, igualmente, transpô-lo para a vivência do momento, particular e individual, procurando nele a resposta avisada e fiável para um problema. Assim, os textos não são intemporais mercê do punho perspicaz de um redactor mágico e aventureiro, mas em virtude de uma resposta concreta, atemporal de um sábio que, perspicazmente, nos ensina que somos os mesmos, muito embora noutros tempos, com outras experiências. É que as Escrituras têm que ser utilitárias, transversais a todas as épocas, caso contrário tornar-se-iam meros textos opacos.

            Quanto à fé, esta não deve estar dirigida para o texto, mas para Deus. Isto é, o texto é caminho para Deus mediante a vivência presente do Homem. É à História que devemos perguntar por Deus; é aqui e agora que devemos perceber a Sua revelação. Não há mais Deus no passado do que hoje; há Deus todo, em todas as épocas.

            As Escrituras protagonizam de forma objectiva os nossos mais recônditos pensamentos, tal como os comportamentos, quer sociais quer individuais, em qualquer espaço e em qualquer tempo.

            Quando alguns criticam a Bíblia Hebraica e a Bíblia Cristã, alegando que Deus nunca poderia ser um Ser perfeito e de suma bondade, porque permitte comportamentos por vezes tão ignóbeis, isso significa não perceber que as Escrituras são também a descrição de um processo de crescimento mediante qualquer coisa a que chamamos livre-arbítrio, que não somos autómatos, conferindo-nos a responsabilidade dos nossos feitos. Este Deus da Aliança é um Ser que prima pela liberdade. Essa Aliança é um contrato exitencial, mostrando-nos que a vida se nos apresenta com inúmeras provas, a primeira e a maior de todas é a da fé de que Abrâao foi o exemplo maior.

            Quem sabe, se mais cedo do que pensamos, a fé encontrará nas Escrituras a liberdade essencial que mudará definitivamente o rumo da História, rumo à paz universal.

 

            Margarida Azevedo