ECUMENISMO
Diz sabiamente o povo que o sol quando nasce é para
todos. Ricos e pobres, assassinos e ladrões, honestos, preguiçosos e
trabalhadores, ignorantes e sábios, todos devem a vida ao sol criador.
Porém, há quem se julgue mais merecedor. Há quem se tenha
como um iluminado, possuidor da verdade, agente directo de Deus, ao Seu serviço
vinte e quatro horas sobre vinte e quatro horas; há quem se julgue o filho mais
querido de Deus e tão sobredotado que sabe tudo de tudo; há quem julgue que a
sua leitura de qualquer texto de qualquer livro sagrado é um autêntico achado,
verdadeira revelação do Altíssimo; há quem julgue que a sua religião ou igreja
seja a única salvífica; há quem julgue que os membros das outras congregações
nem tão pouco são dignos de serem chamados seus irmãos; há quem viva, enfim,
tão bem com a sua terrível obsessão que vive a cegueira de nem se dar conta
dela e, por isso, incapaz de a combater. Caindo na alucinação de que os seus
próprios pensamentos são os de Deus, termina no desvario de que é um profeta.
Desta
forma se vão criando clivagens entre os povos, as políticas e as religiões,
transformando este planeta num mundo de loucos. Ora a nossa vida não pode ser
uma sucessão de actos desvairados, nem as religiões organizações que os alimentem.
Quem
assim pensa, de facto, está contra o ecumenismo, na sua essência, pois teme
perder o controlo da verdade de bolso, o poder/influência social e a resposta
unidireccional que defende.
O
ecumenismo tem uma palavra a dizer sobre esta temática. Porém, há quem o queira
tornar redutível ao encontro entre as várias igrejas cristãs, devidamente
seleccionadas, dentro de uma perspecctiva do politacamente correcto. Mas o
ecumenismo não é isso. Esse é o falso ecumenismo, pois é impensável, no actual
contexto social e político, definir ecumenismo como o encontro entre um punhado
de igrejas de uma mesma religião. O verdadeiro ecumenismo, e não uma
caricatura, é o encontro, não apenas de igrejas cristãs, mas de todas as
congregações religiosas com fim ao estabelecimento da paz mundial. Não serve
para converter ninguém a outros princípios religiosos que não os seus; não é
para discutir verdades supremas, Deus, fé, nem para hierarquizar religiões
classificando umas como “mais perfeitas, assertivas, mais conformes com a “vontade
de Deus” do que outras.
O
encontro ecuménico é, tal como o conceito indica, um Encontro de todas as
congregações religiosoas nesta casa comum que é o mundo em que habitamos, sejam
elas quais forem, com fim à coexistência pacífica de todos os grupos religiosos,
tendo como base o respeito mútuo e a harmonia entre os mesmos, no empenho da
construção da paz universal. Como tal, a tolerância religiosa está e estará
sempre na ordem de trabalhos e o diálogo jamais se esgotará.
O
ecumenismo nunca poderá ser a construção de uma religião universal, como pensam
os mais intransigentes e temerosos. Respeitando as diferenças religiosas, nunca
poderá ser a criação de qualquer outra manifestação religiosa com base em
princípios que seriam incompatíveis com algumas religiosidades. Não se trata de
uma ameaça à fé de cada um, qual processo aniquilador das fés já existentes,
não é um neo-paganismo; não é a defesa da construção da paz e solidariedade
ateias, não é uma ausência de princípios judaico-cristãos, nem de outras
quaisquer fontes, não constroi slogans
nem clichés, não substitui Deus pelo
culto da Mãe-Terra, não é um movimento ecológico. Para o ecumenismo Deus tanto
se manifesta na História e na Natureza como no Homem. O diálogo ecuménico
respeita aqueles para quem a História é o mais importante, como aqueles para
quem o é a Natureza. Ao ecumenismo interessa a Vida na sua totalidade.
Quanto
aos dogmas, cada um tem os seus. Imagine-se que no painel ecuménico os crentes converter-se-iam
às religiões/igrejas uns dos outros (uma autêntica confusão). Algo estaria
errado, pois o ecumenismo não serve para converter ninguém. Não é de converssão
que se trata, mas da salutar harmonia dos diferentes. Por exemplo, a presença
de ateus é fundamental para o enriquecimento do diálogo ecuménico. Os textos
ditos sagrados também são lidos por não crentes, seria ridículo pensar que só
os crentes sabem ler os referidos textos. Os ateus fazem críticas muito
pertinentes, como as fazem os crentes mais atentos e emancipados. Aliás, para o
ecumenismo não interessa quem crê no quê ou se não crê, somos todos humanos,
habitantes de um mesmo planeta, é bom não esquecer.
No diálogo ecuménico a matéria mais importante é a paz, a
convergência de interesses humanitários, a fraternidade entre todos os povos,
com fim a fazer deste planeta um lugar mais feliz e onde todos tenham lugar.
É claro que se alguém julga crer segundo uma perspectiva
de que a sua religião ou igreja é a única verdadeira, certamente o ecumenismo
assusta-o. É pena. Sem pluralismo não há ecumenismo. A grande riqueza do
Cristianismo, por exemplo, está na multiplicidade de igrejas, a da Humanidade,
em sentido religioso, no ecumenismo. Não podemos falar a uma só voz. Depender
de uma única interpretação, tornando qualquer texto religioso redutível a uma
pessoa que, supostamente, seria a detentora de uma sapiência sobre-humana,
seria a maior obsessão da humanidade.
Há que perceber que as diferenças religiosas são tais que
parece, não raro, que estamos em planetas diferentes. As questões culturais,
geográficas, políticas, civilizacionais, que, nos tempos em que vivemos, se
traduzem por perda da herança religiosa e livre adesão a formas de fé que não
as recebidas pela família, precisa que essas mesmas organizações, a nível macro, se entendam definitivamente.
Assim, e porque a família é a base do religioso, devemos
acreditar na força da palavra, transmissora, inovadora, vivificadora da
Humanidade. O ecumenismo é a construção desse lar que abre uma janela ao mundo,
onde o outro é pessoa, cheio de história e pleno de natureza. Na sua capacidade
de luta pela paz, na fé incondicional, na solidariedade, na felicidade como
objectivos comuns orientados por uma fé que, qual arco-íris, se apresenta
ricamente num miosótis de cores.
Vou a caminho dos dezoito anos de prática ecuménica e
confesso que muito tenho aprendido sobre a minha fé. Devo aos irmãos das outras
congregações, nomeadamente do universo não cristão, momentos de grande elevação cívica. Muito
obrigada aos irmãos hindus, umbandistas, budistas, judeus, cristãos das mais diversas
igrejas, ateus, grupos como a Antroposofia, Teosofia, Espiritismo, entre
outros, tudo o que me têm ensinado. Convosco aprendi de forma muito incisiva
até onde vai o poder do respeito mútuo e a força da tolerância, pois nisso consiste
o Amor Universal e a paz com Deus e com a Humanidade. E isso é a coisa mais
importante que há.
Bem hajam todos aqueles que lutam para que este planeta
tão azul seja um jardim de corações floridos. Que Deus esteja com todos.
Margarida Azevedo