quarta-feira, maio 14, 2025

DESENCARNOU DIVALDO PEREIRA FRANCO



            Vítima de doença prolongada, desencarnou ontem, 13 de maio, aos 98 anos de idade.

            As minhas sentidas e cristãs condolências à família, e a todos os que lhe eram mais próximos. Que Deus o receba numa das Suas muitas moradas com muita alegria, e que ele reencontre facilmente aqueles de quem tenha saudade.

            Há quem lhe chame líder espírita, mas o Espiritismo não tem líderes, tem Trabalhadores. Divaldo foi um deles, com as suas peculiares características. Não façamos, sobre as mesmas,  juízos de valor porque isso só a Deus diz respeito. O momento é de recolhimento e de oração. É sempre.

            Que a Luz Divina o ilumine, e a todos nós, numa união que transcende as teias da materialidade.

            Margarida Azevedo

domingo, maio 11, 2025

O EXORCISMO V

                                                                                 


Face ao exposto, tenhamos em consideração o seguinte:

Sempre que uma pessoa disser que está na iminência de cometer um homicídio, suicídio ou ferir alguém, sob o impulso de uma força que não sabe descrever, que a controla e comanda, e que não consegue impor-se-lhe, levando-a agir de forma descontrolada e intempestiva, é SEMPRE de levar muito a sério.

Essa pessoa é um médium doente, que precisa urgentemente de ser tratado por uma equipa multidisciplinar composta por psiquiatras, psicólogos, terapeutas sociais, e uma equipa de trabalho na área da espiritualidade, que trabalhe com todas as precauções espirituais exigidas. Essas precauções baseiam-se num conhecimento profundo da espiritualidade (no caso de equipas espíritas, de sólidos conhecimentos da Doutrina). Todos os Trabalhadores (termo técnico referente aos elementos que compõem os grupos de trabalho, em Espiritismo, e que aqui generalizamos a todos os que trabalham na espiritualidade) devem ter uma vida regrada. Habitualmente, dois ou três dias antes dos trabalhos de desobsessão, ou uma semana ou mais), dependendo da gravidade dos casos, os Trabalhadores devem ter uma alimentação leve, não raro vegetariana; abstinência de álcool, tabaco e sexual; devem entregar-se à oração, solicitando a presença dos Espíritos Mentores que, em nome de Deus, venham em auxílio.

Os Trabalhadores da espiritualidade devem ser humildes, perceber que são meros instrumentos ao serviço da vontade de Deus, e que não são seres à parte dos demais seres humanos. Também não devem considerar que os Espíritos que através deles vão manifestar-se, a fim de procederem à limpeza espiritual do médium obsidiado, são seres superiores aos das outras pessoas. Não. O que se passa é que nem todos os seres humanos têm uma mediunidade vocacionada para a cura, espiritual ou física, tal como nem todos são igualmente médiuns psicógrafos, videntes, etc.; do lado dos Espíritos, a situação é semelhante, isto é, nem todos os Espíritos trabalham nas mesmas áreas (relembramos a temática falanges e linhas de trabalho).

Há que perceber que nem os Espíritos nem os Trabalhadores têm poderes. É a força divina que actua, utilizando o material que tem ao seu dispor, quer deste, quer do outro lado da vida. Além disso, há que perceber que o trabalho espiritual é um sacerdócio, que está ao serviço do próximo, e que é sempre a vontade de Deus que a tudo preside. “Poder, só Deus o tem”, é o que diz qualquer Entidade séria.

Outro aspecto de relevância é o facto de se considerar que o médium tem acção directa nos seus actos, que é sempre responsável pelos mesmos, isto é, não é totalmente alheio ao que faz ou diz. É verdade, relativamente. Uma pessoa com uma grande obsessão pode estar totalmente consciente, apenas não consegue controlar a força das Entidades negativas que transporta. Tenho o exemplo de uma senhora que, no momento da manifestação mediúnica, foram precisos cinco homens para a segurarem. Além disso, tinha mais ou menos consciência do que dizia, porém era incapaz de se calar. Outros casos há em que os médiuns estão total ou parcialmente inconscientes, mas esses são mais raros (até hoje, totalmente inconscientes apenas conheci dois).

Aquilo em que pode haver participação do médium, se assim o podemos dizer, reside no facto de este não procurar apoios adequados, e persistir no problema. Isso acontece por constrangimentos familiares, sociais, ou até laborais, ocultando idas ao psiquiatra ou a grupos espirituais, temendo ser chamado bruxo, estúpido, traidor do grupo religioso a que pertence. O pior é quando a situação fica totalmente fora de controlo, e surgem crises no local de trabalho.

 Esta resistência à procura de apoio espiritual, ou até à exclusão do mesmo, resume-se a questões do foro ideológico. É comum acontecer que, dentro de determinada congregação, a mediunidade não ser aceite, e, por consequência, não haver tratamento espiritual aquando das ocorrências de obsessão. Quando isso acontece, a pessoa entra num dilema, porque se vê a braços com questões de fidelidade à sua doutrina, desenvolvendo conflitos internos que só vêm fazer perigar ainda mais a sua situação.

 Quando a pessoa toma a decisão de procurar ajuda noutras organizações, nomeadamente no Espiritismo, tem de saber o seguinte: os trabalhadores espíritas sérios não procedem a uma conversão à Doutrina, o que seria de lamentar, mas simplesmente executam um trabalho que, diga-se em abono da verdade, está ao serviço da comunidade. Até porque nem sequer existem conversões dentro do Espiritismo; a adesão acontece de forma totalmente livre.

Um grupo que não aceita a componente espiritual são os ateus convictos que, julgando que sofrem exclusivamente de problemas de saúde mental crónicos, com crises mais ou menos regulares, pensam que tudo o que acontece é exclusivamente do foro da vida material. Porém, estas pessoas são, não raro, mais fáceis de tratar porque não estão ideologicamente ligadas a um grupo religioso, vêm sem filtros, apenas mostram estranheza e desconfiança, são objectivas e nada crédulas. Habitualmente, porque são renitentes na procura do apoio espiritual, são primeiramente tratadas à distância, por meio de uma fotografia recente, ou apenas através do pensamento de um familiar próximo, que, no grupo de trabalho, a visualiza. Posteriormente, se a pessoa o entender, virá pessoalmente ao grupo de trabalho.

Convém salientar que, através da fotografia ou do pensamento do familiar, o que aconteceu foi um trabalho de captação. Isto significa que lhe foram retiradas as Entidades obsessoras, as mesmas incorporaram nos médiuns de trabalho do grupo, e que foram doutrinadas pelos médiuns esclarecedores do mesmo.

Muitos problemas se evitariam na nossa sociedade se fossem levados a sério comportamentos desviantes, muitas vezes perigosos, e que são encarados de ânimo leve. Se é certo que nem todos são do foro espiritual, não é menos certo que, a persistir neles, podem vir a sê-lo, tão simplesmente porque a pessoa começa a atrair Entidades que se identificam com o problema.

A fé em Deus, a oração, o bom comportamento familiar e social, uma vida calma e tranquila, - não se está a falar de abstinências permanentes, pois que o ambiente festivo, a alegria, as comemorações de datas importantes, etc., fazem parte da vida - são a grande chave protectora. Jesus foi um profeta do convívio, da boa mesa; crer em Deus acima de todas as coisas, e amar o próximo como a si mesmo, não é uma tristeza, mas a grande alegria do ser humano. A fé em Deus é uma fé libertadora, e a liberdade é geradora de felicidade.

Se fossem levadas a sério muitas das queixas que se ouvem por parte destes pacientes, muitos homicídios, suicídios e muita violência seriam evitados. Além disso, parte dessas pessoas, uma vez tratadas, poderiam vir a ser potenciais trabalhadores da espiritualidade, terem uma vida normal, estável, serem felizes.

Já não é compatível com o mundo de hoje o virar de costas para os problemas espirituais, já não faz sentido dizer que fora da minha igreja tudo é obra do diabo. Já não faz sentido ver-se diabos no diferente, como se o diferente não fosse, também, um filho de Deus. Já não faz sentido dizer que a mediunidade, no que ela tem de melhor, só acontece dentro da minha organização religiosa, e quando ela é doente só acontece dentro das outras organizações.

Não podemos continuar a permitir uma espécie de terrorismo mediúnico, um ambiente de exclusão total. Um paciente transporta consigo a sua espiritualidade, o que nos merece todo o respeito e atenção. Se foi posto no nosso caminho, foi porque Deus assim o entendeu. Tem de se perceber que a espiritualidade é para se levar muito a sério e que é um convite de Deus à nossa participação no bem da sociedade.

Assim, foi desta forma assaz simplista que levantámos o véu de um assunto tão antigo como o próprio mundo. Não há perigos que nos sejam exteriores. Os perigosos somos nós, com a nossa ignorância, quando endeusamos pessoas, animais, coisas. Só há um Deus, que tudo pode, Pai amantíssimo. E, se a liberdade é difícil de implementar, a liberdade de fé é-o superlativamente. Por isso, é no seio dos grupos religiosos que nascem grandes obsessões, com os seus exclusivismos, as suas intransigências, que tão bem os caracterizam, e de que a História tão primorosamente dá testemunho.

O que é que ficou por dizer? Numa matéria destas, uma enciclopédia. Foi nosso objectivo, apenas, desmistificar.

 

Margarida Azevedo

quinta-feira, maio 01, 2025

O EXORCISMO IV

 



            É fundamental que reflictamos sobre alguns aspectos das nossas formas de estar na fé. A base estruturante, seminal a todos os seres humanos, apoia-se na nossa relação com a morte. Isto é, não está na nossa natureza acreditar que a nossa vida termina a uns palmos abaixo da terra, que as nossas lutas diárias, os nossos problemas existenciais, as nossas vitórias e derrotas, enfim, são nada, não têm qualquer importância, nada valem, porque tudo cairá no nada; choca-nos na directa proporção em que nos assusta.

            Acreditamos em Deus porque queremos, porque necessitamos, porque temos medo da morte, porque somos seres infantis, crianças que vão gatinhando e que precisam de um pai super-pressente, super-poderoso, super-vigilante.  Porém, acreditar em Deus porque Ele existe, e mais nada, porque só Ele é o Senhor da vida, é oura coisa.

É este desejo profundo de imortalidade gera uma noção de elevação suprema e eterna, isto é, uma continuidade que se manifesta em dois vectores: o visível e o invisível. No primeiro, levanta-se a questão de que o mundo, após o meu desencarne, continua o mesmo como se eu nunca tivesse passado por ele; no segundo, pretende-se responder à grande questão: O que é que vai ser de mim?

Porém, invertamos a questão. Em que medida a minha presença no mundo o torna melhor? Que tipo de ser humano é que eu sou de forma a ser uma referência espiritual para a Humanidade? Que imagem de Deus é que eu dou? Que mensagem trago? De que é que eu sou portador?

Efectivamente, receamos a perda da memória de nós, mas, de que feitos somos capazes para tornar essa memória imortal? Jesus adverte para a importância da simplicidade, para nos precavermos de cair na tentação de ostentar, de dar nas vistas. Há um oculto que temos que alimentar, cuidar e até mimar, porque há um ver e uma memória tão infinitamente acima de nós.

Há uma voz dentro de nós, um eu qualquer que, de tão singular, é o maior representante do colectivo: vivemos uma obsessão generalizada de não querermos que o outro nos esqueça. Nesse sentido, estamos profundamente errados. O nosso complexo processo salvífico depende de uma natureza toda desprendimento, toda liberdade, toda graça. É verdade que nos recusamos terminantemente a não termos importância nenhuma, e que os nossos desejos não sejam devidamente levados a sério. Todavia, temos de nos recusar a continuar a sermos como somos. É de mudança que o mundo precisa, e o mundo é cada um de nós de per si.

            E essa mudança passa, inevitavelmente, pelo modo como se encara a experiência da morte. É que a nossa relação com o outro não é uma relação exclusiva de vida, mas de morte. Quando nascemos, trazemos connosco um experiencial representativo de um lugar muito antigo, longínquo, uma casa. A nossa identidade é uma casa que transita como um caracol. Somos um culminar de experiências, entre elas inúmeras mortes: dos nossos entes queridos, de amigos e inimigos, em situação de guerra e paz, e que nos deixaram no limite da dor, nos envolveram num vazio inexplicável, num adeus que não aceitamos como definitivo.

            Quantas vezes as nossas obsessões são um chamamento a esse adeus indesejado, que radica na não aceitação de que somos filhos do pluriverso, criados por Deus, e que, por isso mesmo, somos todos irmãos. As situações que aparecem nos trabalhos de desobsessão são bem representativas da nossa relação com o Todo e que Deus, em Sua suprema bondade, nos dá o privilégio de contribuir para a harmonia.

Não aceitando, redundantemente, a ausência dos que já partiram, criamos todos os mecanismos ao nosso alcance para comunicarmos com eles, com o objectivo de que nos digam como estão, onde estão, se são felizes, e, principalmente, para lhes pedirmos auxílio. Isto é, crê-se que os mortos são poderosos, que têm uma noção da vida e da realidade que nós não temos, mais objectiva porque, supõe-se, a vida no além está mais perto de Deus, ou, pelo menos, Deus manifesta-se de outro modo, fala por meio de outra linguagem, revela coisas que os mortais não sabem, mas às quais os seus mortos têm acesso directo e podem revelar.

            Com isso se desenvolveu um vasto aparato de metodologias de comunicação com o além, mediatizadas por ritos, com fórmulas mais ou menos complexas, cânticos, gritos; utilizando plantas, rochas, água, vinho, azeite, etc., na tentativa de desvendar o oculto em que estamos submersos. Estas crenças, que se foram sedimentando nas culturas, tornando-se identitárias das mesmas, sacralizaram a natureza mediante a criação do simbólico. Isto é, uma figueira não é uma figueira, como por exemplo no cristianismo o vinho é o sangue de Cristo, o pão o Seu corpo. Dito de outro modo, vivemos num mundo onde nada é o que parece, tudo é representativo de uma outra identidade, que se sobrepõe àquela que vemos com os nossos deficitários olhos carnais, mas que se revela mediante uma reza, um ser com supostos poderes, ou seja um deus, um daimon, uma força super-poderosa. Até se inventaram lutas entre eles, por nossa causa.

            Na Antiguidade, os deuses do Império Romano e os gregos disputavam entre si o lugar social e político dos seus crentes, bem como com o Deus de Israel. Entre as forças da natureza e a palavra da Lei, o objectivo era obter uma cura, riqueza, prosperidade ou uma vida estável. Os contágios culturais, cujas origens se perdem na espiritualidade recôndita, foram sendo partilhados ao longo dos séculos.

            As práticas de exorcismo, ou melhor, de desobsessão, são uma delas. Porém, no século XXI, muito embora os exorcismos continuem a ser uma prática relativamente comum de alguns grupos religiosos ou espiritualistas, é fundamental ter em consideração que, para lá da literatura sobre esta temática, bem como das suas práticas, é de modificação do ser humano que se trata.

            (cont.)

            Margarida Azevedo