segunda-feira, outubro 26, 2009

MORTE É FELICIDADE XLIX


COMUNICAÇÃO ENTRE MORTOS E VIVOS

(Continuação)

11
Eu era a coisa mais intolerante. Tudo era severamente criticado com base na boa moral. A religião que defendia dava-me, assim o pensava, a autoridade mais que necessária para criticar e apontar tudo o que suponha errado.
E tudo estava errado: a família, a sociedade, as relações humanas no seu todo. As pessoas eram todas desonestas, já ninguém fazia parte dos que eu admirava: intolerantes fanáticos como eu.
Entretanto, integrei-me num grupo espiritualista extremista que defendia princípios idênticos aos meus. Era o grupo da luz dos meus olhos. Ali, vi-me reflectida. Finalmente encontrara a razão para os meus princípios, o espelho das minhas ideias; gente que me parecia anjos, sábios da verdade suprema, os doutos da vida espiritual.
Em verdade, era o grupo dos contras, sem justificação aparente, ou com justificativos intransigentes, próprios de quem pensa que Deus fala através de si. Eram contra o aborto, as uniões de facto, os homossexuais, as mulheres e os homens de vida fácil, mães solteiras, etc.
Quanto às razões da existência de tais grupos, ninguém se interrogava. Limitavam-se a apontar. Quanto a mim, jamais me passou pela cabeça que tudo aquilo não passava de fogo de vista pois que, parte significativa dos elementos que compunham o grupo, tinha histórias bem curiosas para contar. Eu vivia obcecada e pensava que aquela gente era especial.
Um dia, a minha vida deu uma reviravolta muito grande. Engravidei e o meu namorado, rapaz de trinta e dois anos, e que por coincidência pertencia ao grupo, não assumiu a paternidade e rejeitou-me. Os meus pais fizeram o mesmo. De repente vi-me sozinha, rejeitada e humilhada. O grupo expulsou-me, não a ele “porque um homem é sempre um homem” disseram.
Caio vertiginosamente na realidade da vida. Acordo. À minha volta começo a ver as pessoas a lutarem pela sobrevivência. Observo as lutas diárias de quem tem família para sustentar, dos que vivem sós, independentemente da idade. Observo os velhos e os novos, as crianças. Tudo toma novo rosto. E eu ali estava, reprimindo-me, torturando-me por ter cometido uma leviandade: entreguei-me ao homem que amava e que passava ser recíproco. Sem dinheiro, sem casa, sem o pai do meu filho, grávida, só me restava uma alternativa para sobreviver: abortar.
E foi o que fiz. Fiz o que mais condenei, fiz o que combati com ódio, com rancor, com intolerância, com fanatismo. Quantas vezes eu disse que quem faz um aborto deve ser condenado à morte porque é um assassino; deve ser condenado a trabalhos forçados, deve ser castrado. Quem faz um aborto é um excluído de Deus, uma aberração espiritual, um ignorante que só merece o inferno.
Pois bem, ali estava eu. Quando entrei na sala para abortar, apenas um quarto de uma curiosa, não uma pessoa competente, olhei para duas raparigas que choravam amargamente o passo que iam dar. Uma tinha sido espancada pelo próprio pai e apontada pela aldeia como uma mulher de má vida; a outra vivia na rua, era mendiga e tinha sido violada. Eu apenas ia entregar o fruto do amor que dei e não recebi.
Doravante, jurei a mim mesma que nunca mais seria intransigente. Aprendi que cada um tem as suas razões, que se perdem no interior do seu coração. Aprendi que os mesmos problemas são muito diferentes de pessoa para pessoa. Uns são mais fortes para suportar do que outros, uns resolvem mais facilmente as suas vidas do que outros, mas todos são filhos muito queridos do Pai.
Aprendi que o Pai, Ser Amantíssimo, ama a todos os seus filhos, independentemente dos erros que estes cometem.
Sofri muito quando desencarnei por ter sido como fui, mas espantei-me quando vi pessoas que supunha de vida duvidosa, terem a luz que eu ainda não tenho, e para a qual estou aquém de poder vir a ter num futuro próximo.
A propósito, um dos que pertencia ao grupo social dos que eu mais odiava é hoje um grande amigo. São as subtilezas da vida. Grandes lições que ela nos dá.
Proibir não leva a nada. É cada um por si que tem que caminhar, sentindo no seu coração a necessidade de mudança intrínseca. Não nos compete a nós mudar o mundo. Apenas, o que já é muito bom, limitemo-nos a mudar a nós mesmos. Se conseguirmos alterar alguma coisa, pequenina que seja, em nós mesmos, somos muito felizes.
Cuidado com a língua, cuidado com o que afirmam, cuidado com o que defendem, cuidado com o que se identificam ou afinizam.
Cuidado, meus amigos, muito cuidado.

12·
Acudam-me, eles querem-me matar! Não os vêem? Ai! Que Deus me valha. O que é que eu faço? Eles dizem que eu os matei, mas eu não matei ninguém. Eles estão a mentir, não acreditem neles. Por favor, por favor...
Estão a chamar-me “Assassina, assassina!” Mas quando foi que eu os assassinei? Quando?
(Depois da doutrinação)
Eu não compreendo. Já perdi a noção do tempo, já não sei desde quando oiço bebés a chorar, a esvaírem-se em sangue. Outras vezes, agora percebo, parecem crianças já crescidinhas, de braços estendidos para mim, a chorar e a perguntar constantemente “Porque me mataste?”
Mas a maior parte das vezes são adultos com uma vontade de vingança sem par, querendo-me bater e acusando-me de ser uma assassina.
Tudo me serviu de desculpa. A solidão, a pobreza, o abandono do homem com quem vivi. De tudo fiz razão, e todos quantos me cercavam aceitaram as minhas explicações. Não houve ninguém que me dissesse “Estás errada”. Agora só me resta pagar esta dívida para com a Humanidade e para com Deus.
Eu bem que tinha sonhos, eu bem que fui avisada por outras vias. Mas eu não queria crer. Pensava que tudo não passava de perturbação nervosa e carência afectiva. Pensava que um dia iria encontrar outro homem com quem me desse melhor e, então, teria filhos. A vida começaria de novo.
Nem tive outro homem, nem voltei a engravidar. Os dias que vivi na Terra até ao desencarne, como vocês dizem, foram um verdadeiro inferno, e piorou quando cheguei a este lado.
Sinto-me cansada. Vou descansar e vou pagar o que fiz como Deus entender. Estão aqui a dizer que o arrependimento já é um passo muito importante.
Obrigada, meus amigos, pelos vossos esclarecimentos.


· Em trabalho de doutrinação fomos informados de que este Espírito feminino havia cometido mais de um aborto.
(Continua)

Margarida Azevedo

terça-feira, outubro 20, 2009

MORTE É FELICIDADE XLVIII


COMUNICAÇÃO ENTRE VIVOS E MORTOS

(Continuação)

9

Deixa-me. Desamarra-me. Tu não vês que eu tenho um voo. O avião está ali à minha espera. Mas porque é que tu me prendes? Eu não te fiz mal nenhum. Eu tenho que ir voar... Os passageiros estão à minha espera... Não posso chegar atrasado.
Porque é que tu não páras de dizer que morri? Tu não vês que estou a falar contigo? Olha o meu avião ali na pista. Tu não vês?
Não insistas em dizer que morri ou ainda te dou um murro. Estás a irritar-me. Até já estou com falta de ar, sinto que vou desmaiar. Segura-me, segura-me. Sinto-me fraco, estou zonzo. O que é isto? O que é que tu me fizeste? Estou cheio de sangue... Há sangue por todo o lado...
Mas, estou a ver tudo ao contrário. Não, não. Estou a ver outras coisas. Deixei de ver a pista e o avião desapareceu. Já nem sequer vejo os passageiros. O que é que tu me estás a fazer? Explica-me ou dou em doido.
(Depois da doutrinação)
Como a vida é surpreendente. Está uma pessoa muito bem no seu local de trabalho e, sem ter tempo para dizer “Ai!” tudo se desmorona.
Quem havia de dizer que eu tinha morrido naquele desastre de avião! Por isso eu estranhava estar sempre a olhar para a pista e para o aparelho, e não conseguir dirigir-me para ele, pilotá-lo... fazer o meu trabalho. Além disso, eu não conseguia compreender porque é que eu não tinha notícias da minha mulher e da minha filha, havia já tanto tempo.
Sei que vi uns escombros, alguma coisa a arder, mas não me lembro de mais nada. A imagem que me ficou foi anterior ao acidente, ainda eu estava no aeroporto. Apenas sei que tentava a todo o custo dirigir-me para o avião, mas que uns vultos que eu não sei descrever impediam-me de o fazer, e isso irritava-me.
Agora sinto-me bem, leve, e sobretudo sinto paz, uma agradável sensação de paz. Só gostava de saber alguma coisa da minha mulher e da minha filha. Elas eram tudo para mim. Como eu as amava. Talvez um dia... Não, não vou ter dúvidas. De certeza que um dia as verei, e talvez mais depressa do que penso.
Para já, a minha viagem é outra, os meus voos são outros. Tudo vai ser diferente. Antes de tudo sinto que preciso de descansar.
Adeus e muito obrigado!



10·
Decorria a Segunda Grande Guerra. Os Judeus eram perseguidos em todas as frentes. As fronteiras estavam tomadas e não havia escapatória possível. Os poucos que se atreviam a ajudar-nos eram fuzilados. Vivíamos todos cheios de medo.
Éramos bonitas e jovens e tínhamos a vida à nossa frente. Era uma pena sermos condenadas a trabalhos forçados, ou mesmo à câmara de gás. Tínhamos que encontrar uma solução para escaparmos com vida e, quem sabe, a guerra acabaria um dia e nós retomaríamos a nossa vida como qualquer rapariga. A guerra poderia trazer-nos riqueza, jóias, roupas caras, ambiente de luxo e protecção se soubéssemos usar o corpo que Deus nos dera.
Os soldados alemães, longe das famílias e das noivas, olhavam-nos com falsa admiração. Desconhecíamos que eles estavam proibidos de se apaixonar por raparigas judias. Nós também não pensávamos amá-los, apenas viver o que a ingenuidade supõe que é viver.
Uma noite, eu e a minha amiga aceitámos o convite de dois soldados. Fomos a um baile numa casa apalaçada, mas mal frequentada, onde parecia que estava o batalhão inteiro de soldados alemães. Eram muitos, muitos... Ao princípio sentimo-nos pouco à vontade. Todos nos olhavam, não pela nossa beleza, mas por sermos judias. Há muito que aquele baile estava planeado pelas forças alemãs. Nós não o sabíamos.
Como a hora ia adiantada e há muito que tinha ultrapassado o recolher obrigatório, muitos retiraram-se com o respectivo par para os inúmeros quartos da casa, outros para a cave, outros ainda para o sótão. Apesar de insistentemente solicitarmos que nos levassem a casa, fomos obrigadas a permanecer no edifício também. Os dois soldados levaram-nos para a cave. E foi aí que tudo começou.
À medida que descíamos a escadaria de pedra que nos conduziria ao calabouço, ia-se percebendo cada vez com mais pormenor os gritos de raparigas a serem espancadas por meio de bofetadas, pontapés por onde quer que as apanhavam, e com correntes grossas apertavam-lhes o pescoço, largando-as depois violentamente contra o chão. Foram violadas, algumas à nossa frente.
Os soldados que nos acompanhavam acenaram com a cabeça para que começassem o mesmo connosco, só que não sabiam que nós não éramos como as demais. Usámos a nossa beleza e o nosso poder de atracção. Antes que nos dissessem alguma coisa começámo-nos a despir, oferecendo-nos.
A partir de então, eles tinham-nos nas mãos. Sabiam que nós os temíamos, que nos deixámos intimidar com as atrocidades a que assistimos e, dessa forma, tornámo-nos espias contra os nossos.
Entregámos à morte um número sem fim de Judeus para salvarmos a nossa pele. O nosso nível de linguagem era baixo como o chão, tal como a vida de prostitutas que levávamos. Perdemos a fé, a dignidade e o amor próprio para no fim virmos a morrer num bombardeamento.
Mas, meu Deus, ao chegarmos a este lado entrámos no inferno. Se conseguissem ver os rostos daqueles que traímos, acusadores e impiedosos, chamando-nos “Traidoras, traidoras!” Eram crianças a chamar pelas mães que não vinham, mães que gritavam pelos seus filhos, famílias separadas, perdidas, desnorteadas.
Por todo o lado estava uma escuridão e um frio intensos, como se fosse um nevoeiro de nuvens pretas e densas. E gritos, muitos gritos que nos ensurdeciam. Sobre o chão havia picos, o cheiro era nauseabundo a sangue, pus e a carne queimada.
Fomos obrigadas a ver tudo o que causámos. Os que mandámos torturar, mutilar. Os que por nossa culpa foram queimados vivos, as violações, os espancamentos e os furtos de jóias com que alimentámos a nossa vaidade. O que sentimos no nosso ser é absolutamente indescritível. Tudo o que causámos caiu-nos em cima, até sermos tocadas no arrependimento e no total desapego de tudo quanto significasse vaidade.
Um dia, uma doce voz se aproxima chamando-nos pelo nome. Tirou-nos dali e levou-nos para um sítio completamente diferente, onde recebemos o tratamento de que necessitávamos. Trataram-nos das feridas, reconfortaram-nos e receberam-nos numa casa onde estavam muitos como nós. Foi aí que nos prepararam para virmos assistir aos vossos trabalhos.
Esses benfeitores têm sido até hoje os nossos protectores queridos e muito amados.

Que dizer de tudo isto? Que sendo a espionagem uma teia perigosíssima, quando ela é contra o país que nos viu nascer, o nosso povo, então é duplamente condenável.

· Esta mensagem aconteceu há muitos anos, com dois médiuns de incorporação incorporados em simultâneo.

(Continua)

Margarida Azevedo

quinta-feira, outubro 08, 2009

VII CONGRESSO NACIONAL DE ESPIRITISMO-VISEU 2009



Foi nos dias 4 e 5 de Outubro que a bonita cidade de Viseu presenteou o movimento espírita com mais um grande encontro, acontecimento sempre esperado com grande expectativa.
O pavilhão multiusos foi o espaço ideal para a efeméride, não só pelas dimensões, como pela diversidade de salas, o que tornou possível uma feira do livro espírita e uma exposição de pintura mediúnica. No hall, um painel com as fotografias daqueles que nos antecederam, completava o cartaz de exposições, fazendo-nos recordar, com uma lagriminha ao canto do olho, os que por cá passaram, e aos quais devemos os alicerces daquilo que é hoje o edifício desta Doutrina, em Portugal. Onde quer que estejam, estamos certos de que será com alguma alegria que assistem a estes encontros, prova de que o seu trabalho não caiu em saco roto.

Quanto à organização, nada há a dizer. O modo como nos receberam, a simpatia e disponibilidade em dar todos os esclarecimentos necessários, as agradáveis refeições que nos serviram, foram realmente extraordinários. Sentimos o amor com que tudo foi preparado, não descurando o mais ínfimo pormenor. Por tudo isso, o nosso caloroso muito obrigado.

No entanto, gostaríamos de chamar a atenção para alguns pormenores que, em nosso entender e não só, nos pareceram menos simpáticos. Aproveitamos para esclarecer que tudo o que vamos dizer refere-se só e exclusivamente, aos trabalhos apresentados no congresso. Tudo o mais, seja obra literária, de assistência social ou de divulgação doutrinária está excluída dos comentários que se seguem.

Comecemos pelo cartão de congressista. Não compreendemos porque é que o mesmo tinha as fotografias dos dois amigos, Divaldo e Teixeira. O referido cartão não é um rótulo publicitário de nenhum orador/conferencista em particular, além de que não pode ser um meio de atrair as pessoas ao Congresso. Não é essa a sua função.
A discriminação é gesto tão maligno quanto a inveja e a maledicência. Neste particular, tornou-se uma forma deselegante e grosseira de rebaixar os nacionais, ou seja, uma forma de xenofobismo como outra qualquer, acreditamos, que a intenção não fosse essa.
Não minimizemos o próximo, subestimando-o, só porque é da nossa terra; nada na Doutrina aponta para comportamentos desse tipo. Ser nosso conterrâneo não é defeito nem pecado, mas deve ser um prazer. Quem sabe se em vidas passadas não andámos distantes, dando-nos Deus a graça de, agora, finalmente estarmos por perto.
Num congresso, seja de que área for, é suposto todos os intervenientes estarem ao mesmo nível, e estes dois cavalheiros eram tão oradores como os outros, apenas tinham um sotaque diferente. É caso para dizer: cuidado, não queiramos ser, por um excesso de falso zelo, os obsessores de carne e osso dos nossos amigos. Aguçar a vaidade é sinónimo de complexo de inferioridade, e os complexos tornam-nos permeáveis às negatividades.
Por outro lado, admiramo-nos de que, tendo o Congresso sido dedicado à memória de Isidoro Duarte Santos, um dos grandes nomes do Movimento Espírita Nacional, em nenhuma parte da dilvulgação do referido Congresso tenha sido feita qualquer menção.

Passemos ao tempo reservado à apresentação dos trabalhos. Cada orador, independentemente de questões como nacionalidade, raça, etnia, estado civil, habilitações literárias, ou até modo de vestir (para alguns isso é importante), tinha que ter o mesmo tempo de explanação, mesmo que alguns venham na qualidade de convidados de honra. É injusto, uns usarem da palavra cinquenta minutos, outros trinta, outros …. Todos os oradores, em congresso, falam quinze minutos, no máximo, para dar tempo a que o público possa expor as suas dúvidas, pedir algum esclarecimento, ou mesmo acrescentar ou corrigir algo ao que foi dito. É claro que este último aspecto não passa pela cabeça da maioria dos oradores; não sei em que fonte beberam que ser orador é ser sábio, e que ser público, o mais rudimentar aprendiz. Além disso, apresentar trabalho em congresso não é o mesmo que dar uma conferência, onde se disserta, sozinho, sobre determinado tema. O orador congressista deve saber que vai apresentar uma sinopse de um tema que está em estudo, revelando, e porque não, as suas dificuldades, aproveitando o facto de estar em tão numeroso público para abrir a sua mente a novas questões.
O resultado, entristecedor, foi o silêncio da vasta plateia, que se limitou a ouvir, dormir, bocejar ao longo de fastidiosos discursos, que, estamos certos, teriam sido mais proveitosos se disciplinadamente apresentados.
Não culpemos os Espíritos da nossa desatenção. Há discursos que são autênticas torturas de cadeira, dos quais, não estaremos longe da verdade, até os Espíritos fogem; ou então dão-nos a graça de dormitar, a bem do descanso do corpo e da mente, pois nem a paciência oriental nos valeria.

Referindo-nos aos conteúdos apresentados, distinguimos os trabalhos sobre: Música e Espiritismo, de António Silva; Arte, Inspiração e Genialidade, de José Ucha e Manuel Costa; Fernando Pessoa…Médium!, de Emanuel Almeida; A Marcha da Espiritualidade Através dos Tempos, de Fernando Santos; e, finalmente, a reflexão a que nos conduziu o Sr. Presidente da Federação Espírita Portuguesa, que, embora impreciso no uso dos conceitos de filosofia, ciência e religião, nem por isso deixou de passar a mensagem, incentivando a todos à coragem e à luta em prol desta Doutrina, a fim de estarmos preparados para os tempos que correm, difíceis e cheios de escolhos. Quanto a nós, foi esta a mensagem do congresso, e que deveria ter estado patente em todas as apresentações, independentemente dos conteúdos.
No capítulo da Ciência, oradores ouve mais preocupados em fazer oratória ao velho e bom estilo americano, tipo AMWAY, IURD, de alguns pastores de grupos protestantes radicais, ou padres zelosos dos seus princípios inquestionáveis. Discursos proferidos com uma ênfase que não é compatível com a Doutrina. Aqui, referimo-nos muito particularmente ao Sr. Teixeira (que se apresentou ao Congresso como Prof. Doutor, sem se explicitar de que matéria) e que, perdido num discurso em que dizia nada, num chorrilho de imprecisões científicas em assuntos ultrapassados por serem demasiado elementares, tal como a história do telescópio, proferiu alguma coisa realmente válida apenas nos últimos dez minutos dos muitos cinquenta que falou.

Finalmente, ouvimos também um orador português, (que não identificamos por caridade para com o mesmo) usar da palavra imitando o tom do nosso amigo Teixeira, gritando com quantas forças tinha, esbracejando, tornando-se ensurdecedor e ridículo. Os seus aduladores de carne e osso acharam-no o máximo, chegaram mesmo a dizer que foi brilhante.

Divaldo foi igual a si próprio. Insípido, monocórdico e cheio de fama. Ele e o seu conterrâneo Teixeira distribuíam sorrisos de circunstância, no alto da sua cátedra, distantes de tudo e de todos, salvo dos aduladores que, embevecidos, lhes pediam autógrafos nos livros que haviam adquirido. Acrescente-se ainda que estes senhores não assistiram aos trabalhos dos restantes oradores (se o fizeram nós não vimos, e desde já pedimos as nossas desculpas pelo lapso). Não queremos saber as causas, mas consideramos o gesto como uma desconsideração, pois, quanto ao que não ouviram, não sabem o que perderam.

No tocante às refeições, os conferencistas não se sentaram à mesa com os demais congressistas, muito especialmente os nossos amigos do Brasil (da mesma forma que dissemos acima, se algum o fez não vimos, e do facto retomamos o nosso pedido de desculpas). Eram demasiado importantes para o fazer. Almoçaram numa saleta contígua ao grande refeitório, onde todos, em alegre cavaqueira, confraternizavam. A servi-los vimos algumas pessoas, que, em gesto de subserviência, os serviam delicadamente. A sala estava sempre fechada com uma cortina e ninguém se atrevia a espreitar para lá da mesma, vontade não faltava, mas como a curiosidade matou o gato, ninguém se atreveu. Esta ocorrência fez-me vir à memória uma outra do género: o automóvel papal tem, atrás, a seguinte sigla SCV, que significa, Sancta Città del Vaticano, que os italianos traduzem por “Se Cristo Visse”.

Não se confunda expor com expor-se: expor é falar sobre algo, apresentar, mostrar; expor-se é mostrar-se, exibir-se, evidenciar-se. Seria muito bom que, um dia, uma exposição fosse tão bela que nos revelasse uma natureza verdadeiramente superior, em que o expor fosse o expor-se.

Adorámos os momentos de arte, a abrir e a encerrar o Congresso.

Para finalizar, gostaríamos que não nos ficassem com rancor, o que é, infelizmente, muito comum nos meios espíritas quando alguma coisa, embora construtivamente, se critica, pois tudo o que fazemos e dizemos tem como objectivo a antítese da hipocrisia, o facto de muito amarmos esta maravilhosa Doutrina e lamentarmos o facto de, muitos que dela se aproximam o fazerem com o intuito de criar a discórdia. Vigiar e orar em todo o tempo é o que nos recomenda o Mestre, pois até os escolhidos podem cair, isto é, ninguém está livre de cair no conto do vigário.

Um abraço fraterno
Margarida Azevedo e um grupo de amigos da área da grande Lisboa.