segunda-feira, abril 22, 2013

Fujam dos Falsos Espíritas


Porque perdidos em discursos fúteis, pregadores do vazio e da inconsequência, vivem enrodilhados no vaivém de ideias mesquinhas, desconfiados e hipócritas, desvirtuando a sublime Doutrina Espírita.
Dizem aceitar as outras doutrinas, mas soa a falso. Para eles só o Espiritismo tem a verdade, só os espíritas sabem o que se passa no além, só os Centros espíritas são dignos de serem chamados Casa de Deus.

Nada na Doutrina aponta para semelhante postura. A Verdade é Deus, a vida do além é abordada desde todos os tempos e o mundo inteiro é a Casa de Deus. O Espiritismo não inventou a verdade, não descobriu o além nem tão pouco a modo de o contactar, tal como não pode ter-se como o mais digno representante do Reino de Deus na Terra, fazendo dos Centros um espaço epifânico de curas e purificações.

O deus que defendem é um ser exclusivista, partidário, não o Deus de que Israel nos deu testemunho, o Deus dos profetas do Antigo Testamento e dos quais Jesus veio sedimentar e comentar os seus ensinamentos, acrescentando o papel do amor como a grande redenção, manifestação incondicional da fé.

Mas não ficamos por aqui. Na sua habitual rejeição dos estudos bíblicos, defendem coisas que vão contra não só a Doutrina, como também os preceitos de Jesus, nomeadamente expressos em Mateus.

Não lhes bastando fazerem da Doutrina espírita uma doutrina do passado com fétidas referências às outras vidas como fonte de todos os males, o que a Codificação não defende, gastam-se a falar do fim do mundo, que está para breve.

Ora, isto é a maior heresia que se pode pronunciar, em termos espíritas. O Espiritismo não é uma doutrina apocalíptica, nem o será.

Levados por teorias inconsequentes e mórbidas, às quais não tiveram força para se lhes impor, prova de que lhes são semelhantes, começaram por defender que o mundo iria acabar em 21 de Dezembro de 2012. Mas atenção, nesses espíritas não surge a palavra acabar mas sim transformar, cujo significado vem dar no mesmo. Nessa data deveria ter havido uma grande transformação em que os maus iriam definitivamente desaparecer, uma espécie de catarxis à escala mundial, uma coisa gigantesca; seria o fim de uma falsa civilização, aquela em que vivemos, por meio de um milagre ou um acto de mágica comandados pelos seres bonzinhos do além. Por outras palavras, esses seres viriam pôr fim às calamidades e aos sofrimentos, e a tudo o que demais existe e que seja considerado nocivo, por meio de um processo de “limpeza” espiritual, libertando os bons para sempre e recambiando os maus para as trevas. O livre curso da História iria ser alterado, tudo o que fazemos, pensamos ou projectamos seria destruído por meio dessas vontades aniquiladoras.

Não tendo consciência do facto, trata-se de uma versão grosseira da teoria do Céu, Inferno e Purgatório de algumas igrejas cristãs. O nosso trabalho, as nossas conquistas seriam destruídos, de nada valendo o que foi feito junto dos carenciados do alimento espiritual e material.

Porém, a teoria ridícula, de forte impacto nessas pessoas, depressa caiu, graças a Deus, sem que eles, no entanto, deem sinais de fraqueza. Uma nova teoria está a surgir, idêntica e pior nos seus fundamentos. É que, se a primeira apoiava-se em interpretações incorrectas da sabedoria Maia, muito digna de respeito, como qualquer outra, esta baseia-se, imagine-se, em assembleias, chamemos-lhe assim, de Entidades do nosso sistema solar que, em magnas reuniões, decidiram que em Julho do ano 2019 o planeta Terra será palco de grande transformação. Ora, ora, quem diria!

Como se tal não bastasse, para tornarem credíveis essas loucuras, afirmam que é Jesus Cristo, imagine-se, o mentor de semelhante enormidade. É Ele quem dirige essas sessões de grande gabarito. Da nossa parte, afirmamos peremptoriamente, não aceitamos, venha de onde vier, ditado seja por que Entidade for. O mundo acaba-se para os que morrem/desencarnam, e ponto final. Alguém salvará os corpos? Não! Pretendemos salvar os corpos? Também não. Todos iremos passar para o lado de lá um dia, é a única certeza de que dispomos. Como? Só Deus o sabe.“Preocupemo-nos antes em salvar os Espíritos, porque os corpos serão sempre lançados ao laboratório da Natureza onde se tornarão em pó, cinza e nada.” (Eduardo Fernandes de Matos, grande tribuno da Doutrina e homem de profundo espírito crítico, nosso professor de Espiritismo).

Reuniões de Jesus com Mentores? Mas quem é que tem acesso a essas Entidades? Se não temos acesso a tão grandes Espíritos, como ter acesso às suas tarefas? Alguém pode dizer com certeza o que se passa na “agenda de Jesus”?

Segundo aprendemos, Jesus afirmou que podem passar o céu e a terra, mas as suas palavras jamais passarão. Ora, Jesus, através dos Evangelhos, o que constitui para nós uma escritura sagrada, afirmou peremptoriamente: “Porém, daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, mas únicamente meu Pai.”(Mt 24: 36); “Vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a hora em que o Filho do homem há-de vir.”(Mt 25: 13).

Não há nada, absolutamente nada que para nós se sobreponha a isto. Eis a nossa Escritura Sagrada, ou parte ínfima dela. É isto que respeitamos acima de todas as coisas que por aí se escrevem e dizem.

Há quem afirme, veja-se, que as profecias são reveladas para não serem cumpridas. Mas o que é isto? O que é, então, uma profecia? Nós explicamos, quando o bailarino é fraco diz que é o chão que está torto.

Fraternidade, sabedoria e amor são fáceis de pregar. Conquistá-los por meio de honestidade em todos os aspectos, humildade e empenho forte na modificação interior é difícil.

Materialismo, enganos imediatistas e ilusões são fáceis de abordar. Estudar criticamente, interrogar tudo, analisar passando ao crivo da razão e da fé, e partir sempre de máximas que tanto o Evangelho como a Codificação nos aconselham, é bem mais trabalhoso.

Só para refrescar alguns cérebros, nos quais nos incluímos como igualmente necessitados de relembrar a todo o momento, tomemos, além das citações supramencionadas, as seguintes advertências:

“A concordância no ensinamento dos espíritos é, portanto, o melhor controlo, mas é preciso ainda que ocorra sob certas condições. A menos segura de todas é quando um médium interroga, ele próprio, vários espíritos sobre um ponto duvidoso.”( O Evangelho Segundo o Espiritismo, p.16.);

“O Espiritismo e o Cristianismo ensinam a mesma coisa.”(idem, p.29)

“Eis o que diz o Senhor dos exércitos: Não escuteis as palavras dos profetas que vos profetizam e que vos enganam. Eles relatam-vos as visões do seu coração, e não o que ouviram da boca do Senhor. Dizem àqueles que me blasfemam: O Senhor falou, a paz estará convosco; e a todos os que caminham na corrupção do seu coração: Não vos acontecerá mal algum. Mas quem, de entre eles, assistiu ao conselho do Senhor, quem viu e ouviu o que Ele disse?

Eu não enviei esses profetas, e eles correram por si mesmos; não lhes falei e eles profetizaram de suas cabeças.

Eu ouvi o que dizem esses profetas que profetizam a mentira em Meu nome, dizendo: Eu tive um sonho, eu tive um sonho. Até quando haverá essa fantasia no coração dos profetas que profetizam a mentira, e cujas profecias não são senão as seduções do seu coração?

E quando esse povo, ou um profeta, ou um sacerdote vos interroga e vos diz: Qual é o fardo do Senhor? Vós lhe direis: sois vós mesmos o fardo, e eu lançar-vos-ei para bem longe de mim, diz o Senhor.” (Jr 23:16-18, 21, 25-26, 33. Idem, p. 255).
E passando os olhos pelo Livro dos Espíritos, Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita, itens VII, X, XII, XIII, XIV, Allan Kardec estava longe do que viria a passar-se quase dois séculos mais tarde.

A razão é tão falível como qualquer outra capacidade humana, há que ter cuidado com ela. Kant foi o filósofo da crítica da razão, advertindo-nos seriamente para o facto; a linguagem já não é um garante totalmente fiável da qualidade dos Espíritos. Entidades negativas usam linguagem elaborada. Por vezes, até surge o contrário, Entidades com uma linguagem simples e relativamente rude são desprezadas, basta que digam verdades difíceis de ouvir. A identificação de Espíritos das baixas falanges já não se faz pela explicitação dos nomes pois os encarnados, dominando esse critério, são eles que os simulam; em múltiplos casos são os encarnados que chamam aos Espíritos o que eles não são, e não o contrário. Quanto à caligrafia, os médiuns, nas suas obsessões e fascinações, sabem mudar de letra tantas vezes quantas as necessárias.

Todavia, perguntamos, vamos desprezar as advertências do séc. XIX? Não. Vamos alargá-las, dar-lhes continuidade, pois os tempos em que vivemos estão bem mais complexos.

Como denunciar as negatividades, e no caso em epígrafe, dos falsos espíritas? Pela resistência à crítica, pela recusa em dizer “eu não sei”, por aceitarem tarefas que não são para si, pelo desejo mórbido de comando, por muito falarem, pela ignorância dos seus discursos, pelo ridículo de certas práticas, tais como ir para o campo olhar o céu para estudar Astronomia com gente de áreas totalmente diferentes e recebendo psicografias ridículas em conformidade com semelhantes práticas, ou então imporem-se contra a Medicina, a Justiça e a Educação (só para citar alguns exemplos) negando-as, sem as conhecerem, impondo princípios moralistas ingénuos e inconsequentes.

Os falsos espíritas vivem perdidos em leituras dos Espíritos trevosos, antíteses da Doutrina, fascinados por conhecimentos de nada, que não levam a nada, que são nada. Recusam-se a ler obras de outras doutrinas, recusam os cientistas bíblicos, teólogos e exegetas, que têm em fraca consideração.

Os falsos espíritas são uma epidemia que não defende o estudo sério, nem a força da oração como a grande alavanca da alma. Alguém faz encontros de oração? Algum Centro, governado por eles, convida pessoas de fora, de fora da Doutrina, entenda-se, para dissertar sobre um tema bíblico? Os falsos espíritas ainda julgam que o campo doutrinário está dividido em ideologias, ainda não sabem que Ciência é tudo o que se estuda, desde a Literatura à Matemática, passando, obviamente, pela Bíblia e todos os livros sagrados da Humanidade. Eles ainda não sabem que as equipas de estudos teológicos são compostas por cientistas e estudiosos de todos os quadrantes, mesmo ateus. Eles não sabem que as grandes teses não têm cor ideológica e que o pesquisador, seja qual for a sua área, intelectualmente honesto, pretende chegar mais perto da verdade.

A maioria dos livros em que se movimentam está impregnada de sectarismo, divisionismo e falso amor. É certo que a obra de Kardec é o rosto de uma época, mas cabe-nos, justamente, prolongá-la. Como? Não tanto em conhecimentos, pois à rapidez a que o nosso mundo voa é muito difícil. Ela completa-se pela maturidade dos nossos comportamentos, pela vida mais fraterna, pela necessidade de viver uma irmandade de todos os homens e de todas as mulheres à face da terra. Não é de conhecimentos que nos distanciamos, mas no modo como os transmitimos, na escala de importância que lhes catalogamos. Por outras palavras, não é a Ciência, mas o modo como estamos nela

Já não estamos no tempo dos azuis e dos verdes. Os tempos são de aceitação de todas as cores pois é por meio delas que são floridos os jardins. Deus facultou-nos a diversidade. Assim sendo, cada um de nós é parte desse divino ao ser portador de uma tonalidade.

E, por favor, não façam de Francisco Xavier o papa do Espiritismo. Criticam os católicos por defenderem a infalibilidade do papa, mas nem se dão conta de que estão a fazer o mesmo com Kardec e, principalmente, com F. C. Xavier. Não façam de Emmanuel uma Entidade tipo anjo Gabriel. Os falsos espíritas são os que adoram seres iguais a si, que idolatram. Sim, são eles que introduziram a idolatria no seio da Doutrina. Perfeito só Deus, esta a maior das máximas.
Na nossa prece, e porque a responsabilidade de falar ao mundo é enorme, pedimos-Te, Senhor, que nos dês a coragem para enfrentarmos os nossos erros, a humildade para os denunciarmos, a força para continuar a estudar.

Jesus, tu que disseste que “Não é quem diz Senhor, Senhor que entra nos Reino dos Céus, mas quem faz a vontade do Pai”, ajuda-nos a conquistar a santidade, um coração puro e a traçar caminhos rectos e verdadeiros que nos conduzam a Deus.
Margarida Azevedo
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Bibliografia

KARDEC, A., O Livro dos Espíritos, CEPC, Lisboa, 1984, Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita, itens VII, X, XII, XIII, XIV, pp. 39-42; 45-52.

__________O Evangelho Segundo o Espiritismo, Livros de Vida, Editores, 2002, pp. 16; 29; 255.

XAVIER, F.C., A Caminho da Luz, FEB, RJ, 1991, cap. XXIV, O Espiritismo e as grandes transições, pp.203 – 210.

domingo, abril 14, 2013

A Reencarnação, O Pretérito e o Receio do Anonimato


“Passado, presente ou futuro, tanto faz.
Somos todos prisioneiros dum tempo qualquer.”
                                       Miguel Torga, O Paraíso
A reencarnação é para muitos uma forma de tentar reviver um passado que, julgam, sedimenta, de algum modo, uma identidade que receiam perder. De facto, o fim da vida, o terminus de uma passagem curta sobre a terra, não pode ser de forma alguma o fim da memória, a perda total de sentido.

A morte é assim um reingresso numa continuidade que foi, momentaneamente, interrompida, mercê de uma necessidade que se impõe como processo catártico. O esquecimento que tal processo implica torna-se uma espécie de paraíso perdido. O ser humano não gosta de esquecer quando isso significa esquecer-se. É que, se a complexidade da vida presente é uma projecção para um futuro glorioso, esquecer o passado é tornar redutível toda uma existência a um presente fugaz, abreviação de milénios de vida.

É facto que a nossa estrutura psicológica não suporta o anonimato. A própria Doutrina espírita não vai contra essa realidade intrínseca à natureza do ser humano. O eu nunca se perde, pelo contrário, a cada existência ganha mais individualidade, isto é, evidencia-se, particulariza-se. Contudo, esse passado não é capaz, por si só, de conferir individualidade. Cabe ao presente essa tarefa.

Assim, é um erro procurar no passado o eu perdido, esquecido. Ele será sempre ignorado pelo presente, que não tem capacidade para o desvendar. No entanto, não deixa de ser curiosa esta atracção pelo passado, ainda que se diga que foi pior que o presente, vil, trevoso, sangrento, e todas as demais congéneres qualificações que lhe queiramos imprimir.

Porém, a questão é mais específica. Não se trata apenas da temeridade de cair num presente desenraizado, mas de lhe conferir uma singular debilidade de tal forma que a procura do passado se apresenta como uma luta pela raiz profunda, fundamento de elementos identitários que o presente não é capaz de conferir. Por outras palavras, o presente é frágil, insatisfatório, insuficiente, parco e, não raro, rejeitado porque demasiado fugaz. Em suma, não devemos procurar o passado, não somos capazes de viver um presente total, isto é, não estamos preparados para viver cem por cento o presente.

Por mais que a Doutrina ensine, peremptoriamente, que o passado está adormecido e, como tal, há que não pensar nele, a realidade vivencial remete para o incumprimento dessa máxima à qual se sobrepõe com veemência a temeridade de cair no anonimato. Mais, afirmar que o passado está adormecido não significa que esteja ausente; afirmar que o presente se constitui em prolongamento do passado é trazê-lo, de alguma forma, ao presente. Como exigir que ele seja ignorado? Olvidado? Nós dizemos que é praticamente impossível.

Não temos nenhuma garantia de que o que está em latência não se torne consciente. Não somos herdeiros de uma casa arrumada. O tempo antigo e o lugar confuso de onde somos oriundos não raro trazem à superfície comportamentos que nos são estranhos, face à estrutura do presente. Donde provêm os pensamentos impetuosos que conduzem a actos espantosamente inesperados, de onde emergem os pensamentos que não foram aprendidos, os cálculos e os raciocínios que não foram matéria dos bancos de escola?

Esse é o lado que desoculta pequeníssimos traços, laivos indeléveis do pretérito que, na ânsia de ir mais longe, são abordados como fenómenos transcendentes. Mas isso não pode implicar a sua procura, uma espécie de renascimento constante, revivência sem parar. A Doutrina ensina que é nocivo porque perturbador, causador de distúrbios de toda a ordem. Há que deixar que esses fenómenos aconteçam pois, seja qual for a sua espectacularidade, emergem na real dimensão da necessidade de novas contextualidades.

O passado não pode ser transformado em presente contínuo num artificialismo do presente. O passado só poderá ser fundamento para o presente quando for esquecido, desprezado. As próprias marcas por ele deixadas são, elas mesmas, para ter em pouca conta.

A viver na imensidade de problemas, o ser humano depara-se a par e passo com a sua limitude, despreza a ausência de justificações. Viver tem sido ao longo dos séculos a procura incessante das primeiras causas e dos primeiros princípios, já Aristóteles dizia que a filosofia é a ciência dessas causas e desses princípios. Somos pesquisadores da nossa mesma arquê. Os seres humanos não passam de arqueólogos à procura dos seus arquétipos, os seus paradigmas.

O interessante é que, por mais que se diga que o passado é sempre mais tenebroso que o presente, o certo é que ele foi sempre atractivo. Por meio dele, a individualidade perde o anonimato, assim parece, assim pensam alguns.

Há uma preocupação colectiva em saber quem foi no passado, de tal forma que este surge numa perseguição aprisionadora, impeditiva de viver o presente em plenitude.

Ora, esquecer o passado não é viver anonimamente, mas salvaguardar a lucidez que o presente impõe e desfrutar dele como saudável pedagogia. O anónimo deixa de o ser na medida em que conseguir impor o bem a cada nova existência. O bem conhece todos os seus agentes, todos os que trabalham ao seu serviço. A reencarnação é uma superação, temos que a entender como tal, e o pretérito é um tempo que não definimos.
Margarida Azevedo
Bibliografia
TORGA, Miguel, O Paraíso, (Farsa), Coimbra Editores, Coimbra, 1977, p.119.

quarta-feira, abril 03, 2013

O QUE NÓS GOSTARIAMOS DE TER VISTO NOS CENTROS ESPÍRITAS


As portas abertas de par em par a toda a gente, indiscriminadamente.

Ambiente alegre e festivo.

Sorrisos francos nos rostos.

Vivência fraternal.

Leituras comparativas das passagens do Evangelho referentes à Páscoa.

Reflexão sobre quem é Jesus.

Profundo recolhimento em oração.

Apelo a uma profunda vivência cristã.

Gosto em servir.
Os Centros não podem fechar portas nesta altura. O Espiritismo é dos movimentos cristãos com menos vivência pascal (e também natalícia). Ao fazer da doação de bens aos pobres um acto prioritário, fez dele, simultaneamente, um substituto da necessária reflexão e estudo cristológico.

Nada é substituível. A caridade das organizações religiosas não anula o imprescindível estudo que alimenta o espírito e engrandece a fé. Dar, qualquer um dá, mas a fé é virtude grandiosa do Espírito em digressão pelo universo que não pode ser descurada.

O Espiritismo não pode estar reduzido à crença de que a vida continua além-túmulo, através das comunicações com os Espíritos. Para isso não precisamos de ser espíritas, pois os Espíritos comunicam com os seres encarnados em toda a parte.

Quem é trabalhador no Centro espírita sabe que exerce nobre trabalho em prol da paz do mundo. É urgente trabalhar o Evangelho com espírito de recolhimento e sede de aprendizado.

O Espiritismo tem discursos a mais, livros a mais que se repetem, e parte significativa diz nada. O Espiritismo precisa de oração e de recolhimento. Precisa de alimentar a fé com a força de uma palavra que faça acreditar mais em Deus e menos nos Espíritos, que seja apelativa a uma nova vivência espiritual. O Espiritismo precisa de investir na renovação/modificação de todos os que o procuram.

A Páscoa é um bom momento para fortalecer a fé e projectá-la para o inabalável, os alicerces que nos tornam servos do Divino.

Palavras, leva-as o vento. Acções é que se precisam. Acções de oração que apelem à modificação interior. Que a Páscoa seja um momento de profunda renovação.

Que a sua Páscoa tenha sido celebrada com muita santidade.
Margarida Azevedo

PÁSCOA EM ORAÇÃO


A quadra que atravessámos encerra o dogma mais importante do Cristianismo, a morte e ressurreição de Jesus. Independentemente das interpretações que os diversos grupos cristãos lhe conferem, o certo é que podemos dizer, sem ferir susceptibilidades igrejeiras, que a Paixão e Morte de Jesus dão à morte um carácter transitório, relativizando-a.

Se por meio do Paganismo celebramos os ritos de passagem, que acompanham as fases da vida como a Natureza as estações do ano, com Cristo somos introduzidos num novo sentido vivencial, mais abrangente, a saber, a morte é a grande passagem para um reino que não é deste mundo.

Este novo conceito de morte introduz o crente na relativização e efemeridade da vida. Viver é inaugurar uma dimensão escatológica, isto é, lutar por um fim de beatitude, um juízo final justo e uma ressurreição em graça. A vida deixa de ter valor em si mesma. O seu valor reside nesse projecto e na perseguição do mesmo.

Vida, o que é a vida? Viver em Cristo, procurar o Reino de Deus que, sem ele, não é possível atingir.

O que procuramos, nós cristãos, com a Páscoa? Que universo de esperança nos traz uma morte na cruz que marcou para sempre a humanidade?

Procuramos o juízo final, chamemos-lhe assim. Um juízo que seja o último de todos os nossos feitos, o derradeiro aval de todos os nossos actos. Precisamos de saber, de uma vez por todas, a que mundo iremos pertencer, qual a nossa escala de valores, que peso tem a nossa fé, que índole a nossa consciência. Temo-nos sempre em grande conta, mas temos também uma voz que, lá bem no fundo, diz que há qualquer coisa que não está bem.

Procuramos a parusia. O regresso em glória de Cristo, a segunda vinda, no fim dos tempos, isto é, quando for chegada a hora do términus desta falsa civilização. Como ensina o Evangelho, Jesus voltará para separar as ovelhas dos cabritos, os mansos serão recompensados e os maus seguirão em outras direcções, outros rumos em novas catarxis.

Procuramos o reino messiânico. Uma vivência de paz que só é possível num reino sem história. Queremos uma vida sem interesses, sem ambições, sem desavenças. Um lugar e um tempo completamente superados pelo ideais humanos e nos quais a nossa discursividade seja palavra gloriosa.

Com Cristo e por meio da Cruz aprendemos que o comportamento ético faz sentido, porque inserido num quadro espiritual que o projecta para novos e mais abrangentes horizontes de esperança.

Podemos observar tudo isto num contexto profético. Não são nem foram poucos os avisos que fomos recebendo, ao longo da História. Somos herdeiros de um historial imenso de propostas de saída da nossa situação de problematicidade, incoerências perdidas em existências gastas no falacioso característico das ambições. Jamais nos faltaram os profetas, somos vivência de “nãos” que se foram acumulando.

Mas também podemos encarar tudo isto numa perspectiva apocalíptica. Acreditamos num mundo renovado, uma nova civilização, um novo contexto da fé, um fim radical, definitivo, sem apelo nem agravo, de todas as estruturas que por ora fazem sentido. Temos fé num fim destas verdades, destas certezas, destes saberes, desta fé. Sabemos que iremos ter uma nova fé, uma nova religiosidade, uma nova espiritualidade, um novo querer, novos desejos. Temos fé na transformação do mundo e da História.

O que é transformar? É uma coisa passar a ser outra; adquirir uma configuração que nada tem a ver com a primeira. Nós somos essa massa humana que aguarda a nova configuração da fé, e de todas as outras coisas das quais não temos a menor noção.

A Páscoa é essa transformação. A Morte é Vida. Assim, a vida não tem apenas sentido mediante uma luta por melhores condições materiais; ela passa à condição de meio para atingir fins que transcendem essas condições, torna-se caminho para um reino que não é deste mundo.

Com os evangelhos sinópticos, o Reino de Deus que Jesus pregou é um espaço que está fora de nós, mas ao nosso alcance mediante o modo como vivemos a fé, a qual depende do modo como estamos no mundo. No evangelho copta e gnóstico de Tomé, o reino de Deus está dentro de nós, no mundo.

Podemos dizer que a espiritualidade encerra estes dois aspectos: procuramos qualquer coisa que está fora, mas cujo caminho está dentro de nós. Dito de outro modo, vivemos uma dicotomia espiritual, o interior e o exterior, o que está dentro e o que está fora, nesta luta constante pela superação dos nossos erros, limites, as nossas finitudes.

Um dos aspectos centrais da Páscoa, e que percorre toda a vida pública de Jesus, centra-se no problema da identidade. Quem é realmente Jesus? (Mt 26: 63; 27:11 Mc 14: 61; 15:2; Lc 22: 67, 70; 23: 3; Jo 18: 33, 37). Infelizmente, esta questão está longe de ser respondida. A Páscoa pode imortalizá-lo, mas o sentido profundo da questão permanece em aberto. Jesus, o Cristo, o Filho do Deus vivo, tudo isto são demasiados conceitos que a nossa vivência espiritual ainda não descortina.

Porém, tal não é problema para os pagãos, que continuam a desempenhar um papel preponderante na identificação de Jesus. Cabe a um centurião romano, aos pés da cruz, a afirmação “Verdadeiramente este era filho de Deus “( Mt 26:54. Também em Mc 15: 39; Lc 23: 47)

A Páscoa convida-nos à reinterpretação, a uma flexão dos nossos pensamentos sobre esta presença dentro e fora de nós.

O Reino de Deus eterniza a nossa necessidade de modificação interior. Há sempre um resíduo de insatisfação, os nossos actos apoucam-se, por mais céleres que sejam; o nosso horizonte hermenêutico está dependente e é fruto do aqui e agora. A vida dita as linhas interpretativas, mas a fé é sempre insaciável na sua ânsia sobre-humana desse Reino.

A Páscoa faz-nos procurar as nossas virtudes. A santidade é a mais rica. Para atingi-la, há que viver escatologicamente a fé. Cada dia é o último, cada dia é uma derradeira oportunidade que jamais se repetirá. Caminhamos irremediavelmente para um fim deste sentido que possuímos, ainda tão desconexo, mas também para o fim da nossa situação de problema, das labutas e das dores que todos os dias nos acompanham.

Margarida Azevedo