AS ORGANIZAÇÕES RELIGIOSAS,UM SUSTO
O MUNDO DE QUE NÃO FALAM
A
maior incógnita da humanidade, haverá
vida após a morte?, não se resolve no desprezo por esta vida, mas em
encetar esforços para compreendê-la. Já Sto. Agostinho dizia que ninguém ama o
desconhecido. Isto significa que crer na vida após a morte não significa de
modo algum que se saiba como ela é. Ninguém sabe. Assim sendo, o mundo sensível
é aquele que nos caracteriza, logo é com ele que nos devemos ocupar.
As
questões da sobrevivência e Deus, desde sempre acopladas, têm condicionado os nossos
comportamentos ao longo dos séculos. No entanto, pergunta-se: Cabe às organizações
religiosas, exclusivamente, a abordagem das mesmas? Serão elas os espaços
privilegiados de debate da sobrevivência e da existência de Deus? Não é difícil
perceber que, sendo estas questões o móbil existencial estruturante do humano,
a Mitologia, a Ciência e a Fé também têm aí o seu campo de acção. Dito de outro
modo, naveguemos por onde navegarmos, a imortalidade é o fundamento de todas as
pesquisas e de todas as experiências. Sobreviver num plano qualquer, ir parar a
qualquer lado é o maior anseio de sempre.
A
mitologia conta uma história para explicar o que os outros saberes não explicam,
a maior, como surgiram todas as coisas, porquê um cosmos? Os mitos das origens
com as suas cosmogonias, os deuses e as suas lutas, a trama complexa em prol da
supremacia humana são um maravilhoso
representado por seres estranhos e por nós mesmos, tão estranhos como eles.
A
ciência observa, investiga, pesquisa, experimenta; baseia-se em evidências. Conclui
que há leis imutáveis numa organização brilhante. Procura a objectividade da
linguagem criando novos conceitos. Temos cada vez mais vocábulos, cada vez mais
sentido para os que já possuímos, nesta constante curiosidade pelo saber.
A
fé é transformadora. Por ela se fazem milagres; o maior é a luta contra todas
as evidências, face a um problema sem solução. A própria evidência é uma
afronta, que o digam as mães que pela oração lutam contra a doença incurável de
um filho; ou a esperança de que apelando a forças incomensuráveis tudo pode ser de outro modo. Isto porque a fé não é uma
coisa vulgar, no sentido que habitualmente damos ao vocábulo. Por meio da fé
uma planta não é simplesmente um vegetal, mas algo portador de uma força que a
razão desconhece porque não capta. Pela fé, todas as coisas são portadoras de
muitas coisas, outras, protagonizando uma cadeia de forças. O mesmo com o ser
humano. Cada homem/mulher é outra coisa que não apenas o masculino e o feminino
da espécie humana, mas seres capazes de momentos inefáveis.
Numa época em que a sobrevivência
da humanidade parece que está em risco, é oportuno reflectir sobre o importante
contributo de todos os saberes. A Mitologia, a Ciência e a Fé, com toda a
legitimidade, podem e devem partilhar a pergunta: O que vai ser de nós? Sim, porque a Natureza não vai morrer, nem a
ciência, nem os mitos, nem a fé. Elas não
serão nem um pouco abaladas com isso. As respostas é que serão diferentes.
Parecce, no entanto, que a questão não deve colocar-se pela sobrevivência, mas antes
o que irá sobreviver de nós? Será o mito, a ciência? A fé? Todos? Irá algum
prevalecer sobre as outros?
Ainda que tudo acabasse, algures no
pluriverso infinito, podemos imaginar seres a escrever romances, ficções
e mitos nos seus mundos. Quem sabe se sobre nós também, à luz do seu
imaginário, insignificantes habitantes de um
planeta pequeno e periférico num sistema solar. Um planeta também ele
plural e rico em civilizações e do qual se sabe que muita coisa desapareceu para
dar lugar a outras coisas. Um planeta de memória.
Será a nossa memória a
imortalidade? Será que outros seres, muito curiosos, andarão pelo espaço à
procura do nosso memorial? Parece que somos muito importantes, a ponto de se
construírem naves para procurar memórias vivas de gente tão cientifica e
tecnologicamente primária.
Vão descobrir, seguramente, que não
há sociedades sem fiéis, nem fiéis sem sociedade; que o nosso mundo é um espaço
teológico onde se espelha a diversidade de fés; que temos em comum com eles a
curiosidade, o espírito de aventura e, muito naturalmente, o instinto de
sobrevivência.
Vêm para nos destruir, há quem
pense, para extorquir os nossos recursos energéticos. Mas nós temos a
energia do Sol e do vento, e temos a terra fértil e jamais alguém os levou. Por
quê inventar um cosmos povoado de ladrões? Por que não pensar se os habitantes
dos outros mundos não andarão à procura da sua mesma imortalidade, tal como
nós? Pela força dos deuses a que obedecem, vão à aventura enfrentando o
desconhecido? Terão também um povo escolhido que lhes veio falar de um Deus Supremo?
Que profetas, que leituras serão as suas? Terão orações cósmicas? A nossa é o
Pai Nosso. Porquê pensar neles apenas sob o plano tecnológico, científico e sob
todas as superioridades do intelecto? Porque não ir também à fé?
Porém, estas não serão as questões que
mais nos preocupam? Está-se a projectar no universo os medos do desconhecido,
sempre com o aspecto de infernos, adamastores,
seres monstruosos que nos vêm devorar? O mais importante será ocuparmo-nos com
o muito que há para fazer na nossa rua, na terra a que pertencemos, a
localidade em que habitamos?
Separar,
hoje, a fé do mundo físico e da ecologia, do respeito pelo outro num sentido universal
e, consequentemente, da noção de integridade humana, é conduzir os fiéis a um
túnel sem uma luz ao fundo. As organizações
religiosas não podem continuar a conduzir os fiéis rumo a uma constante pré-ocupação com o além abstracto sem
antes os ocupar com o aqui e agora. A
imediatez do nosso tempo também pode ser vista como uma referência organizativa da nossa fé, rumo a um
futuro que se chama sobrevivência física. Não é pecado estar vivo e de boa
saúde. As organizações religiosas não podem ser constantes movimentos
desvalorativos da vida no seu sentido mais mundano. Não podem prometer um mundo
de bem-aventuranças, de prémios ou felicidade infinita a quem, meramente ao seu
serviço, destruir ou retardar o progresso, desigualar homens e mulheres, sociedades,
povos.
Nada
há de pior que temer o próximo. Nisso se baseia a falta de diálogo, de
observação atenta, de abertura e, principalmente, do narcisismo de fés que se
têm como superiores. É certo que podemos dar a conhecer ao outro a nossa forma
de fé. Porém, isso torna imperioso que o ouçamos a ele na sua fé também. Os
contágios naturalmente daí decorrentes serão uma mais-valia, sem que isso
implique necessariamente que cada um deixe de ser quem é.
Ora
mais ocupadas em assustar as pessoas, criando-lhes o medo dos infernos eternos,
as organizações religiosas têm sido isso mesmo, organizações ao serviço dos
infernos ardentes, da destruição em massa, da morte impune, da manipulação de
interesses, culminando numa acumulação de
fortunas incalculáveis.
É
comum ouvir-se os lamentos da falta de valores do nosso tempo, mas ninguém refere
o que foi semeado ao longo dos séculos. O maior valor das organizações religiosas tem sido o vil metal.
Contudo, de uma coisa temos que nos lembrar: nada dá saltos. É importante
perceber que a nossa evolução é lenta. As nossas acções representam a nossa
natureza recôndita, o grau evolutivo que transportamos e ao qual estamos apegados no pavor de nos perdermos.
Somos incógnita, oriundos de algo que desconhecemos. Perpetuamos a ignorância a
cada existência no esquecimento que nos caracteriza. Enfim, viver mais não é
que aceitar, para não enlouquecer, que sobrevivemos no desconhecido de nós
mesmos. Ora a fé também é uma força muito presente no combate a esse
desconhecido.
Temos o Amor como a grande religião do mundo, mas ainda
não há organização religiosa que o tenha como o móbil principal. Quem lê 1Cor
13, 1-13 tem aí a mais bela das
bases, um hino para quem muito quer
amar, e com isso evoluir.
Que não se faça dos erros de ontem uma justificação para os
desentendimentos de hoje, alimentando desaires e ódios. O perdão é a grande
mensagem de Jesus.
Seria tão bom se o mundo se congregasse apenas, apenas, imagine-se,
para adorar a Deus, glorificá-Lo na alegria de estarmos todos neste mundo, no
prazer de nos vermos, de nos olharmos; seria tão bom viver num mundo de fé, tão
simplesmente de fé e nada mais; crer porque se crê.
Não são as políticas que conduziram o mundo ao actual
estado caótico. Foram as organizações religiosas, porque nunca souberam
actualizar os seus discursos. Quando os eruditos se perguntam, muito
academicamente, porque é que os discursos religiosos falharam, eles têm que
assumir a resposta: As organizações religiosas não tiveram em conta a natureza
humana na sua intimidade e, por isso, não trabalharam em parceria com ela. Combateram-na,
e esse foi o grande erro. O maior fracasso é não aceitar a humanidade, isto é,
como nós somos. Só nessa base nos podemos modificar.
A
sexualidade, para algumas organizações religiosas, oscilou entre o acto
vergonhoso e o deboche, ou então um
ímpeto do diabo, reduzindo-a exclusivamente a fins procriativos, como nos
animais; a natural atracção entre homem/mulher passou ao estatuto de doença
espiritual desviante de Deus, o celibato forçado a grande virtude.
Lamentavelmente, estamos longe do fim de tais aberrações,
mas um dia tudo será diferente. Vamos ter fé.
Que Deus abençoe esta Terra.
Margarida
Azevedo
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Sites e bibliografia consultados:
Os mesmos dos da
primeira parte.
KARDEC,
A., O Livro dos Espíritos, CEPC,
Lisboa, 1984, Livro Terceiro, As Leis
Morais, cap. II, Lei de Adoração, pp. 275-284.
LE
BOM, Gustave, Psicologia das Multidões, Publicações
Europa-América, Mem-Martins, s/d.
Sites:
Father
George Coyne Interveiw (1/7) Richard
Dawking
Faith in the Future: The Promise and
Perils of Religion in the 21st Century
Marcelo
Gleiser – Ciência e religião: em busca do
desconhecido
Richard
Dawking:
Fala sobre religião e ateísmo
A força da religião
O que a religião pode fazer com alguém
R.D. e os perigos da Fé e das religiões
com suas crenças injustificadas
Deus, Um Delírio, o Vírus da Fé