domingo, setembro 29, 2019

AS ORGANIZAÇÕES RELIGIOSAS,UM SUSTO

 
(continuação)

O MUNDO DE QUE NÃO FALAM 

A maior incógnita da humanidade, haverá vida após a morte?, não se resolve no desprezo por esta vida, mas em encetar esforços para compreendê-la. Já Sto. Agostinho dizia que ninguém ama o desconhecido. Isto significa que crer na vida após a morte não significa de modo algum que se saiba como ela é. Ninguém sabe. Assim sendo, o mundo sensível é aquele que nos caracteriza, logo é com ele que nos devemos ocupar.

As questões da sobrevivência e Deus, desde sempre acopladas, têm condicionado os nossos comportamentos ao longo dos séculos. No entanto, pergunta-se: Cabe às organizações religiosas, exclusivamente, a abordagem das mesmas? Serão elas os espaços privilegiados de debate da sobrevivência e da existência de Deus? Não é difícil perceber que, sendo estas questões o móbil existencial estruturante do humano, a Mitologia, a Ciência e a Fé também têm aí o seu campo de acção. Dito de outro modo, naveguemos por onde navegarmos, a imortalidade é o fundamento de todas as pesquisas e de todas as experiências. Sobreviver num plano qualquer, ir parar a qualquer lado é o maior anseio de sempre.

A mitologia conta uma história para explicar o que os outros saberes não explicam, a maior, como surgiram todas as coisas, porquê um cosmos? Os mitos das origens com as suas cosmogonias, os deuses e as suas lutas, a trama complexa em prol da supremacia humana são um maravilhoso representado por seres estranhos e por nós mesmos, tão estranhos como eles.

A ciência observa, investiga, pesquisa, experimenta; baseia-se em evidências. Conclui que há leis imutáveis numa organização brilhante. Procura a objectividade da linguagem criando novos conceitos. Temos cada vez mais vocábulos, cada vez mais sentido para os que já possuímos, nesta constante curiosidade pelo saber.

A fé é transformadora. Por ela se fazem milagres; o maior é a luta contra todas as evidências, face a um problema sem solução. A própria evidência é uma afronta, que o digam as mães que pela oração lutam contra a doença incurável de um filho; ou a esperança de que apelando a forças incomensuráveis tudo pode ser de outro modo. Isto porque a fé não é uma coisa vulgar, no sentido que habitualmente damos ao vocábulo. Por meio da fé uma planta não é simplesmente um vegetal, mas algo portador de uma força que a razão desconhece porque não capta. Pela fé, todas as coisas são portadoras de muitas coisas, outras, protagonizando uma cadeia de forças. O mesmo com o ser humano. Cada homem/mulher é outra coisa que não apenas o masculino e o feminino da espécie humana, mas seres capazes de momentos inefáveis.

Numa época em que a sobrevivência da humanidade parece que está em risco, é oportuno reflectir sobre o importante contributo de todos os saberes. A Mitologia, a Ciência e a Fé, com toda a legitimidade, podem e devem partilhar a pergunta: O que vai ser de nós? Sim, porque a Natureza não vai morrer, nem a ciência, nem os mitos, nem a fé. Elas  não serão nem um pouco abaladas com isso. As respostas é que serão diferentes. Parecce, no entanto, que a questão não deve colocar-se pela sobrevivência, mas antes o que irá sobreviver de nós? Será o mito, a ciência? A fé? Todos? Irá algum prevalecer sobre as outros?

Ainda que tudo acabasse, algures no pluriverso infinito, podemos imaginar seres a escrever romances, ficções e mitos nos seus mundos. Quem sabe se sobre nós também, à luz do seu imaginário, insignificantes habitantes de um  planeta pequeno e periférico num sistema solar. Um planeta também ele plural e rico em civilizações e do qual se sabe que muita coisa desapareceu para dar lugar a outras coisas. Um planeta de memória.

Será a nossa memória a imortalidade? Será que outros seres, muito curiosos, andarão pelo espaço à procura do nosso memorial? Parece que somos muito importantes, a ponto de se construírem naves para procurar memórias vivas de gente tão cientifica e tecnologicamente primária.

Vão descobrir, seguramente, que não há sociedades sem fiéis, nem fiéis sem sociedade; que o nosso mundo é um espaço teológico onde se espelha a diversidade de fés; que temos em comum com eles a curiosidade, o espírito de aventura e, muito naturalmente, o instinto de sobrevivência.

Vêm para nos destruir, há quem pense, para extorquir os nossos recursos energéticos. Mas nós temos a energia do Sol e do vento, e temos a terra fértil e jamais alguém os levou. Por quê inventar um cosmos povoado de ladrões? Por que não pensar se os habitantes dos outros mundos não andarão à procura da sua mesma imortalidade, tal como nós? Pela força dos deuses a que obedecem, vão à aventura enfrentando o desconhecido? Terão também um povo escolhido que lhes veio falar de um Deus Supremo? Que profetas, que leituras serão as suas? Terão orações cósmicas? A nossa é o Pai Nosso. Porquê pensar neles apenas sob o plano tecnológico, científico e sob todas as superioridades do intelecto? Porque não ir também à fé?

Porém, estas não serão as questões que mais nos preocupam? Está-se a projectar no universo os medos do desconhecido, sempre com o aspecto de infernos,  adamastores, seres monstruosos que nos vêm devorar? O mais importante será ocuparmo-nos com o muito que há para fazer na nossa rua, na terra a que pertencemos, a localidade em que habitamos?

Separar, hoje, a fé do mundo físico e da ecologia, do respeito pelo outro num sentido universal e, consequentemente, da noção de integridade humana, é conduzir os fiéis a um túnel sem uma luz ao fundo.  As organizações religiosas não podem continuar a conduzir os fiéis rumo a uma constante pré-ocupação com o além abstracto sem antes os ocupar com o aqui e agora. A  imediatez do nosso tempo também pode ser vista como uma referência organizativa da nossa fé, rumo a um futuro que se chama sobrevivência física. Não é pecado estar vivo e de boa saúde. As organizações religiosas não podem ser constantes movimentos desvalorativos da vida no seu sentido mais mundano. Não podem prometer um mundo de bem-aventuranças, de prémios ou felicidade infinita a quem, meramente ao seu serviço, destruir ou retardar o progresso, desigualar homens e mulheres, sociedades, povos.

Nada há de pior que temer o próximo. Nisso se baseia a falta de diálogo, de observação atenta, de abertura e, principalmente, do narcisismo de fés que se têm como superiores. É certo que podemos dar a conhecer ao outro a nossa forma de fé. Porém, isso torna imperioso que o ouçamos a ele na sua fé também. Os contágios naturalmente daí decorrentes serão uma mais-valia, sem que isso implique necessariamente que cada um deixe de ser quem é.

Ora mais ocupadas em assustar as pessoas, criando-lhes o medo dos infernos eternos, as organizações religiosas têm sido isso mesmo, organizações ao serviço dos infernos ardentes, da destruição em massa, da morte impune, da manipulação de interesses, culminando numa acumulação de fortunas incalculáveis.

É comum ouvir-se os lamentos da falta de valores do nosso tempo, mas ninguém refere o que foi semeado ao longo dos séculos. O maior valor das  organizações religiosas tem sido o vil metal. Contudo, de uma coisa temos que nos lembrar: nada dá saltos. É importante perceber que a nossa evolução é lenta. As nossas acções representam a nossa natureza recôndita, o grau evolutivo que transportamos e ao qual estamos apegados no pavor de nos perdermos. Somos incógnita, oriundos de algo que desconhecemos. Perpetuamos a ignorância a cada existência no esquecimento que nos caracteriza. Enfim, viver mais não é que aceitar, para não enlouquecer, que sobrevivemos no desconhecido de nós mesmos. Ora a fé também é uma força muito presente no combate a esse desconhecido.

            Temos o Amor como a grande religião do mundo, mas ainda não há organização religiosa que o tenha como o móbil principal. Quem lê 1Cor 13, 1-13 tem aí a mais bela das bases, um hino para quem muito quer amar, e com isso evoluir.

            Que não se faça dos erros de ontem uma justificação para os desentendimentos de hoje, alimentando desaires e ódios. O perdão é a grande mensagem de Jesus.

            Seria tão bom se o mundo se congregasse apenas, apenas, imagine-se, para adorar a Deus, glorificá-Lo na alegria de estarmos todos neste mundo, no prazer de nos vermos, de nos olharmos; seria tão bom viver num mundo de fé, tão simplesmente de fé e nada mais; crer porque se crê.

            Não são as políticas que conduziram o mundo ao actual estado caótico. Foram as organizações religiosas, porque nunca souberam actualizar os seus discursos. Quando os eruditos se perguntam, muito academicamente, porque é que os discursos religiosos falharam, eles têm que assumir a resposta: As organizações religiosas não tiveram em conta a natureza humana na sua intimidade e, por isso, não trabalharam em parceria com ela. Combateram-na, e esse foi o grande erro. O maior fracasso é não aceitar a humanidade, isto é, como nós somos. Só nessa base nos podemos modificar.

A sexualidade, para algumas organizações religiosas, oscilou entre o acto vergonhoso e o deboche, ou então um ímpeto do diabo, reduzindo-a exclusivamente a fins procriativos, como nos animais; a natural atracção entre homem/mulher passou ao estatuto de doença espiritual desviante de Deus, o celibato forçado a grande virtude.

            Lamentavelmente, estamos longe do fim de tais aberrações, mas um dia tudo será diferente. Vamos ter fé.

            Que Deus abençoe esta Terra.

 

Margarida Azevedo

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Sites e bibliografia consultados:

Os mesmos dos da primeira parte.

KARDEC, A., O Livro dos Espíritos, CEPC, Lisboa, 1984, Livro Terceiro, As Leis Morais, cap. II, Lei de Adoração, pp. 275-284.

LE BOM, Gustave, Psicologia das Multidões, Publicações Europa-América, Mem-Martins, s/d.

Sites:

Father George Coyne Interveiw (1/7) Richard Dawking

Faith in the Future: The Promise and Perils of Religion in the 21st Century

Marcelo Gleiser – Ciência e religião: em busca do desconhecido

Richard Dawking:

Fala sobre religião e ateísmo

A força da religião

O que a religião pode fazer com alguém

R.D. e os perigos da Fé e das religiões com suas crenças injustificadas

Deus, Um Delírio, o Vírus da Fé

 

 

 

domingo, setembro 15, 2019

ORGANIZAÇÕES RELIGIOSAS, UM SUSTO

 

Em qualquer organização religiosa há a distinguir três tipos de pessoas, com interesses bem distintos:

1 - os que constróiem o edifício teológico, traçam as linhas ideológicas identitárias da organização, estabelecem as regras de conduta, elaboram a orgânica administrativa – teólogos e investigadores, elementos mais proeminentes da hierarquia sacerdotal e professores universitários;

2 - os que zelam pelo cumprimento dos seus preceitos, por isso mais próximos dos fiéis: elementos da base da hierarquia sacerdotal, acólitos, catequistas e demais leigos, segundo a organização em causa;

3 – os fiéis em geral: seguidores, crentes, simpatizantes.

Vamos debruçar-nos sobre os primeiros.

Entre as organizações importantes, as religiosas são as mais importantes. Devemos-lhes, entre uma multiplicidade de aspectos inerentes a cada uma de per si, a educação e respectivas correntes pedagógicas, cuidados de saúde, de ajuda aos mais necessitados, e, muito especificamente, o levantamento da fé como algo estruturante do indivíduo, factor privilegiado de socialização. No entanto, dificilmente explicável, ou não, falharam redondamente. Porquê?

Em vez de traçarem um caminho dos fiéis rumo à felicidade, fizeram do sofrimento um meio virtuoso de chegar a Deus; divindindo o panorama religioso em dois, o pagão e o monoteísta, criaram dois tipos de crentes, dois tipos de fiéis, dois tipos de pessoas, com dois graus de importância, com dois caminhos de fé, com dois objectivos distintos, a saber, a felicidade na terra, para os pagãos, a felicidade no céu, para os monoteístas.

Ao imporem comportamentos que vão ao arrepio da natureza humana, construiram um mundo à parte, isolaram-se, facto que se tem perpectuado até aos nossos dias.

Assim, estabelecendo um paralelismo entre o mundo terreno e o mundo celestial, fizeram daquele um mundo de malefícios e de vícios, incompatível com a boa-ventura do mundo celestial. Criaram preceitos e práticas sacrificiais, supostamente salvíficas, ritualística complexa para agradar a Deus/deuses.

Minimizando o natural sofrimento do ser humano, ou enaltecendo-o, conforme os interesses, excluindo-o, habitualmente, de uma abordagem espiritual, sobrepuseram a este um segundo sofrimento, artificial, muito maior, o qual consiste na descontextualização sociológica da existência humana, apresentando o mundo como um palco de males a abater o que, naturalmente, culmina em comportamentos alucinados.

A felicidade neste mundo foi sempre encarada com temor e desconfiança, uma vez que retira ao céu  a primazia e a exclusividade da mesma. Dito de outro modo, só no céu é que é possível ser-se feliz.

No entanto, esse céu exclusivista e ciumento mais não é que o prolongar dos prazeres do inconsciente, no seu pior, tais como: sensualismo e machismo - um mundo de orgasmos eternos, onde o fiel vive rodeado de virgens; avareza/egoísmo - posse do mais fino ouro, numa riqueza sem fim; gula - um banquete farto de excelentes iguarias; preguiça/ócio - um festim eterno, dança e riso permanentes, onde ninguém trabalha; desprezo/não-perdão – os inimigos foram destruídos para sempre;  ignorância – ausêcia de perspectivas intelectuais pois não faz falta estudar… e muitos mais poderíamos citar, todos contrários à santidade e pureza espirituais.

Profundamente conhecedoras das fraquezas humanas, mais especificamente com os seus fetiches, e por isso mais ocupadas com estes do que propriamente com a salvação das almas, as organizações religiosas têm mexido habilmente com os anseios mais profundos dos seus fiéis: saúde, paz e prosperidade para sempre, sobretudo, prazer eteno. Nada interessadas em tornar o mundo melhor, prometem tudo isso no além. O preço é cumprir rigorosamente com as práticas impostas e desprezar o  mundo.

De tribais a ordens militares, impuseram-se pela força semeando terror. Foi assim que impuseram os seus deuses, encabeçando o destino dos povos e, dessa forma, desenvolvendo a subserviência, garantindo riqueza para si, honrarias, lugares de destaque político. Hoje, não é diferente, apenas sociologicamente descontextualizado, ou pelo menos deveria sê-lo.

Era suposto a humanidade ter evoluído na sua fé e na sua religiosidade, só que as organizações religiosas não o permitem. Cinicamente indo procurar na História os seus piores momentos, há quem desculpe os actos violentos com os comportamentos de outrora; uma espécie de pena de Talião, olho por olho e dente por dente, ou pela lei do karma, “fizeste no passado estás a pagar no presente”. Ora a História é uma ciência que nos descreve o nosso caminhar no mundo, a manifestação da nossa espiritualidade no mesmo, rumo a nada mais importante que a felicidade. As batalhas de ontem não são as de hoje. Convém dar essa impressão, mas não é bem assim.

Estamos a viver momentos históricos singulares, problemas acutilantes onde o principal é a sobrevivência da própria humanidade. Isto é novo. Isto levanta questões como: Que humanidade estamos a construir? Que influência terão os robots no seu percurso existencial? Qual o seu real contributo? Por outro lado, os recursos naturais estão a esgotar-se, o respeito pela Natureza desapareceu, a pessoa humana tem… outro valor: que outro e que valor? As organizações religiosas não estão a dar resposta.

 É urgente sensibilizar os fiéis para a mudança de comportamentos de fé pois há que rejeitar os belos discursos. Há que agir em prol de uma paz estável, o que já não significa apenas na Humanidade inteira, mas abrange também a relação desta com a Natureza. Aliás, verdeiramente, nunca deixou de o ser. Quem não estiver em conformidade com o mundo natural também não está com o seu semelhante, e vice-versa. Nem com Deus.

 É chegado o tempo em que as  organizações religiosas têm que encarar este mundo como uma das moradas do Pai, desenvolver esforços no sentido de criar um céu aqui e agora, porque amanhã pode ser demasiado tarde. Praticar o bem é sempre uma urgência.

Mas se teimarem, cada uma por seu lado, a impôr-se como verdades absolutas, então elas prolongam o desfazamento e desconforto sociais nos fiéis, e estes, assustados com o diferente porque é mau, agrupam-se, criando espaços/localidades exclusivamente deles, autênticos guetos.

São as micro-sociedades, com leis próprias, escolas e curricula particulares, não raro a-científicos e com preceitos ético-axiológicos perigosos. A consequente desvaloração deste mundo confere aos fiéis a ilusão de que dessa forma têm Deus do seu lado, transformando-a em acto virtuoso.

Ora o mundo é uma irmandade de gente filha do mesmo Deus. A  dessocialização cria o cancro do isolamento: a ilusão de que se é privilegiado por pertencer a esta ou àquela congregação, o não-mundo porque este não presta e nós somos bons, os bons, os melhores. A nossa escola é a que melhor prepara para a vida, a mais intelectual, rumo aos campeões da ciência, a mais segura e longe de todos os perigos, não interessando dar à sociedade sugestões para acabar com a insegurança nas escolas públicas, nem traçar objectivos de vida aos jovens, implicando os fiéis numa ressponsabilidade que é de todos.

Mas onde estão, verdadeiramente, as causas de tudo isto?  Como é que se chegou a este ponto, de tal forma que gente com mais bases intelectuais tem comportamentos que supostamente já não deveria ter? Como é que um pedreiro se iguala a um juíz? A  natureza humana é permeável à subserviência, e esse é que é o problema. A carência afectiva ou um grande problema existencial podem conduzir a qualquer pessoa a actos da maior irracionalidade. No sofrimento somos todos iguais, estamos todos em linha recta para o desespero, logo todos igualmente expostos à manipulação. É tudo uma questão de tempo e de: um rosto simpático que surge quando menos se espera; uma palavra acertiva nuns lábios risonhos; um rosto de olhos brilhantes, um discurso bem elaborado....

Por isso não é difícil às organizações religiosas manobrar o inconsciente colectivo. Aguçar o narcisismo é fácil. Isolar a pessoa da família, desmembrando-a, dos colegas de profissão, fazendo perigar o próprio posto de trabalho e, consequentemente, conduzir à dependência e sujeição; excluir de práticas desportivas e artísticas, de lazer, etc., chegando ao ponto de fazer expulsar do lar os filhos indesejados, maridos/esposas que, por algum motivo, deixaram de pertencer à organização religiosa da família.

A rejeição dos filhos, por exemplo, está a tornar-se cada vez mais comum, remetendo cidadãos equilibrados afectiva, psicológica e socialmente para os insondáveis quão turtuosos caminhos da desilusão, do desprezo familiar, do ateísmo pela falta de humanidade a que a família se votou, em nome de uma organização que, tão vituperiante quão feroz, ensina a excluir tudo o que se lhe oponha. Os fiéis, drasticamente hipnotizados pela promesssa da felicidade no além e no suposto agrado a Deus, sempre as velhas promesssas, excluem de suas casas o bem mais precioso que Deus lhes ofereceu e do qual são os responsáveis por fazer cidadãos correctos e equilibrados, o maior amor das suas vidas, e que passou para segundo plano.

Os filhos passsam ao estuto  de representantes do maligno, diabos dentro de casa, infiéis malditos, o que há que excluir definitivamente. E assim vão semeando a deshumanização. Dito de outra forma, para o topo das organizações religiosas, ainda que muitas digam que não é assim,  e seria bom que de facto não fosse, a humanidade reduz-se a um bando de infiéis. É pena.

Não basta não usar armas de fogo ou outras. é fundamental enterrá-las, sejam elas de que natureza forem.

(continua)

Margarida Azevedo

Bibliografia consultada:

KARDEC, A., O Livro dos Espíritos, CEPC, Lisboa, 1984, Livro Terceiro, As Leis Morais, cap. II, Lei de Adoração, pp. 275-284.

LE BOM, Gustave, Psicologia das Multidões, Publicações Europa-América, Mem-Martins, s/d.

Sites:

Father George Coyne Interveiw (1/7) Richard Dawking

Faith in the Future: The Promise and Perils of Religion in the 21st Century

Marcelo Gleiser – Ciência e religião: em busca do desconhecido

Richard Dawking:

Fala sobre religião e ateísmo

A força da religião

O que a religião pode fazer com alguém

R.D. e os perigos da Fé e das religiões com suas crenças injustificadas

Deus, Um Delírio, o Vírus da Fé





 

segunda-feira, setembro 02, 2019

OS PROBLEMAS DE GÉNERO JÁ CHEGARAM ÀS CASAS-DE- BANHO


            Só para que fique claro, quem escreve estas linhas, sexualmente démodées, apresenta-se como sendo do sexo feminino desde que nasceu, não é produto de proveta porque na segunda metade do século passado tal coisa ainda não existia, era tudo muito naturalzinho; não tem quaisquer problemas com a sua sexualidade perfeitamente definida; é apreciadora do sexo oposto e está profundamente apaixonada por um dos seus exemplares, que por graça de Deus Nosso Senhor tem a felicidade de ser a pessoa com quem vive; que na sua extrema ignorância e desconhecimento de si própria e do mundo fantástico que por aí existe, gostaria de incongruentemente pedir a Deus que a respectiva relação se prolongasse no lado de lá; que sem interrogações e alaridos não lhe passa pela cabeça mudar de sexo, que mais não fosse só para ver como é, e assim, por tal mercê, agradece ao Poderoso tão maravilhosa ignorância; que desde a escola primária às instituições públicas e privadas sempre que precisa de utilizar os sanitários jamais teve, tem ou terá problemas sobre quais utilizar; em suma, alguém que sem lhe causar quaisquer problemas tem perfeitamente claro qual o sítio por onde faz xixi, e por onde saíu a criança que deu à luz há mais de duas décadas, também ela concebida segundo os mais naturais impulsos da Mãe Natureza, o que significa um orgasmo fecundante e visível nove meses mais tarde. Como se vê,tudo muito corriqueiro.

Assim sendo, e perante as mais recentes preocupações acerca da sexualidade dos nossos alunos, desde a pré-primária à universidade, há a dizer o seguinte:

A educação, que está tão bem, professores e alunos, pais e encarregados de educação não podem estar mais satisfeitos, tudo em maré alta, tem agora um gravíssimo problema entre mãos para resolver,  a saber, como já não há masculino nem feminino, coisa de gente ignorante, mas género, que casas-de-banho construir para a tão rica diversidade humana. No alto da mais fecunda tolerância para com tanto género, é caso para perguntar, que linhas irão traçar os arquitectos para tão díspares instalações? Se calhar nem o engenho e a arte de um Miguel Ângelo dariam conta de tamanha presunção arquitectónica, com vista a tão específica democracia.  Até porque os nus dos artistas de todos os tempos podem estar em desconformidade com o género e, assim, a reflexão artística ver-se-á a braços com mais uma complexidade da perspectiva.

Por outro lado, para construir uma escola, quase haverá tantas casas-de-banho quantas as salas pois o género, e a avaliar pelos espíritos mais enlanguescidos, pode tornar-se infinito, uma vez que as mais singulares expressões do humano no seu melhor, ainda que em número reduzido, têm direito à sua identidade, impondo-se um a milhões de pessoas, se é que esse um existe, é claro.

É claro que, qual cereja em cima do bolo, uma democracia que é capaz de resolver o problema dos xixis e dos cocós é um democracia fecunda e próspera, uma vez que resolveu a fundo os problemas da educação. Percebê-lo é garantir um futuro melhor para o país, quiça para a humanidade inteira.

Mas, reflictamos: como é que dois orifícios tão perfeitamente definidos são responsáveis por tão alta responsabilidade? É fácil. Um dia, no exercício das suas profissões, os nossos trabalhadores lembrarão que devem o seu sucesso, ou não, ao modo como foi tratado o seu género. De tão bem assumido, estarão à altura de o saber aplicar sempre que neccessário. Assim, quando descontentes com chefes e colegas, sem complexos, farão cocó e xixi  para eles, tendo a certeza de que o fazem com o seu género perfeitamente erguido, pois foi para isso que estudaram. Por outras palavras, se as urinas e as fezes se tornaram fundamentais para o bom funcionamento dos estabelecimentos de ensino, elas são, consequentemente, decisivas para o ensino-aprendizagem e, consequentemente, para um bom desempenho profissional, o garante de uma boa cidadania. Que mais podemos desejar?

Por isso é que o Ministério da Educação,  os sindicatos de professores, as associações de estudantes e as associações de pais, o Parlamento e a sociedade civil têm um grave problema sanitário entre mãos para resolver. Quem é que quer que uma rapariga, no seu género, vá à casa-de-banho das raparigas se ela não é do género feminino? Ninguém. Vai à dos rapazes, que são de outro género, o que é mais apropriado. Mas isso também não resolve nada, porque pode dar-se o caso de o género não estar em conformidade. Convém, por isso, que os governantes se decidam quanto antes, não vá dar-se o caso de, no meio de tanta confusão, os alunos acabem por fazer as necessidades pelas pernas abaixo, e ninguém quer os futuros cidadãos de calças molhadas, ou pior, ainda por cima sob pena de serem acusados de falta de respeito para com os colegas de outra facção.

E a propósito, já perfeitamente ciente do seu profissionalismo, um aluno de uma universidade de Lisboa, da licenciatura de Serviço Social e, segundo ele, inspirado num deputado alemão, antes de apresentar um trabalho oral, dirige-se à turma nestes termos:

“- Caros hetero-sexuais, caros homo-sexuais, prezadas lésbicas e bi-sexuais, caros pan-sexuais, caros bi-curiosos, caros poli-sexuais, prezados mono-sexuais, prezados alo-sexuais, caros andro-sexuais, caros gino-sexuais, caros questiono-sexuais, caros assexuais, prezados demi-sexuais, caros cinzento-assexuais, caros perioro-sexuais, caros benditos variocêntricos, prezados hetero-normativos, caros erra-sexuais, caros dois espíritos, caros terceiro género, caros não-género, caros tétris-género, caros cis-género, caros cis-het, caros poli-amorosos…”

Vendo que o aluno nunca mais acabava, a professora reclama:

“Já chega. Agradecia que passasse de imediato à exposição do trabalho porque está a perder demasiado tempo ao dirigir-se aos seus colegas de forma tão minuciosa.”

O aluno, porém, adverte:

“Não, não. Eu não quero ser acusado de discriminação de género. “e continua:

“Prezados mono-amorosos, prezados trans-sexuais, caros trans-espécies, caros trans-géneros, caros queer, caros ally, prezados género-fluídos, caros binários, caros não-binários, caros agéneros ou géneros vazios, prezados bigéneros, prezados poligéneros, caros neutróis, caros inter-géneros, caros aporagéneros, caros mavrique, prezados novigéneros, caros trans-femininos, caros trans-masculinos, caros femme, caros indecisos…”

Não estão cá todos porque são cerca de sessenta. Cabe ao/à Sr./a Leitor/a, como trabalho para casa, e é mera sugestão de quem escreve estas linhas, a pesquisa do que tudo isto significa, em noite de trovoada, substituindo o peçonhento livro de mesa-de-cabeceira.

E asssim se vão desenvolvendo os mecanismos da criação de problemas, inventando desconfortos, ocupando as mentes com pequenos grandes nadas para que  outros vão garantindo a sua cadeira no poder. Criar um problema é grande habilidade. Maior ainda é fazer parar tudo em redor do mesmo, isso só para os ditadores.

Acoplado ao problema segue-se a necessidade de o resolver e esta, movida pela ilusão da expectativa de garantir uma sociedade mais justa, e a felicidade a cada um de per si, move-se como uma marioneta sem se dar conta. Criar um problema é um bom mecanismo para atingir metas: cair governos, subir outros ao poder na condução dos cidadãos a que fins?

 

Margarida Azevedo