terça-feira, novembro 30, 2021

A NOSSA TERRA E O SILÊNCIO DAS RELIGIÕES

Se as organizações religiosas prolongarem por muito mais tempo o discurso sobre o outro mundo em desvaloração deste; se continuarem a confundir os fiéis de que caminho para Deus é sinónimo de caminho para o outro mundo; se teimarem em minimizar a vida, porque curta, fugaz e ilusória, a um episódio existencial de menor importância e apenas trampolim para uma realidade paralela invisível; se continuarem a transmitir aos fiéis que o mundo está mau, numa observação de fora para dentro, isto é, “nós não temos nada a ver com isso porque somos os bons”; se continuarem a ser focos de influência político-partidária ao invés de caminhos para Deus, na procura da santidade e do bem-fazer desinteressado; se continuarem a ser máquinas ao serviço do sofrimento, manipulando a sensibilidade dos mais vulneráveis; se continuarem a estar acima da lei com práticas como pedofilia, homicídio, terrorismo, xenofobia, racismo, discriminação de género, machismo, feminismo, etc., e todos os exageros em nome da boa moral e bons costumes; se continuarem a ser empresas altamente lucrativas, então conduzirão a população do planeta à rejeição total da sua condição de terrestre/humana, retirando-lhes o que resta de bom senso num mundo onde se atingiu o vale tudo. É certo que todos somos espíritos, ou melhor, almas, isto é, espíritos num corpo de carne osso. Também não é menos verdade que um dia vamos passar para um mundo que, por hora, desconhecemos. E nesta sequência de verdades todos sabemos que este planeta é a nossa casa, pelo menos por enquanto, casa que foi feita por Deus, onde temos tudo o que é preciso para viver. Ora por isso mesmo pisamos solo sagrado, que o ar que respiramos insuflado nas narinas do barro de que somos feitos, ou melhor, na lama pois somos feitos de barro e água, têm que ser o alvo preferencial dos nossos momentos de oração. Ninguém ama ninguém se não amar a terra. A terra é o maior referencial identitário de um povo. Podemos correr mundo, podemos até nunca mais lá voltar, mas ela persegue-nos, para o bom e para o menos bom. Porém, ela perpetua-se numa presença sem fim. Mas os humanos estão contra a terra, esquecendo-se de que ela é fonte de alimento. Os fogos florestais, os desperdícios alimentares, o plástico por todos os lados, a utilização excessiva do avião, a energia fóssil, entre uma infinidade de outros factores estão a levar à situação de calamidade. O crente que rejeita o planeta porque almeja um mundo de delícias no além, vive no seu egocentrismo doentio. Para esse, o fim da vida no planeta é o encerrar de um ciclo evolutivo para dar origem a outro mais puro e subtil, mais desmaterializado, uma espécie de refinação espiritual. Mas o fim da vida no planeta não é comparável com uma refinaria, nem os seres humanos estão num processo de destilagem e consequente decantação. Assim, por oposição ao fanatismo estéril das religiões, são os que se dizem ateus, aqueles para quem o planeta é o maior valor, que se ocupam verdadeiramente com ele, juntamente com um bando de crentes livres para quem este planeta é espaço sagrado. De dia para dia a paisagem de verde se torna negra, há cada vez mais detritos nos mares e nos rios. Os alertas dos cientistas não são levados a peito e os valores monetários sobrepõem-se à vida. Com a desertificação e a consequente alteração da paisagem, a terra deixou de ser um espaço cósmico. Ora, a terra é tão cosmos como qualquer outra parte do universo, com a sua identidade própria. Merece, porque é a nossa casa, todo o nosso respeito e amor. A tecnologia, que tanto nos ajuda, não pode ser uma força contra a natureza, no sentido de se impor abstraindo-se da terra. A tecnologia não pode ser um desterro, implementando-se através de agentes poluentes, criando dependências, interferindo na relação inter-subjectiva; um telemóvel não pode sobrepor-se a uma boa e alegre cavaqueira entre famílias e amigos. O oculto, o invisível, o que se esconde, enfim, sempre fascinou o ser humano. Desde sempre se atribuiu ao desconhecido a fonte de tudo quanto existe, as causas profundas da linha de vida, os fundamentos seminais da existência humana. O desterro tem sido todo um processo que progressivamente tem vindo a afirmar-se fazendo parte integrante de todas as áreas do conhecimento. Na filosofia, começámos a ser desterrados com os Gregos na medida em que este mundo é algo que aparece, facto que gravita em torno de dois grandes princípios, a imutabilidade e a mudança, isto é, o ser de Parménides e o ser de Heraclito; na teologia, com os Hebreus, temos o Ser Absoluto a Quem devemos a feitura e a existência de tudo, origem e fundamento da Lei das leis; na tecnologia, temos “finalmente” os meios para alcançar o infinitamente grande, o para lá, o espaço sem fim. E pergunta-se: E depois? E a fé? Os robôs convertem-se na nova imagética de adoração, poderosos e perfeitos, bons ouvintes, precisos, bondosos, compreensivos? Que lugar para a lama que nos fez e que continuamos a ser? Olhar para o céu estrelado em noite de luar, ou muito azul em dias limpos é permitir a transcendência sem sair do lugar, é estar munido de categorias como amor e fé, desejo, prazer, fusão com o incomensurável. Ao infinitizar o olhar, o humano toma identidades, torna-se um diplomata entre Espíritos, os Espíritos dos profetas que gravitam em torno deste planeta onde o Belo é o factor predominante, e onde tantos outros se acercam dele a fim de pedir uma oração. Porém, olhar para o céu também é sentir-se olhado por ele. O pontinho pequenino em que se encontra é tão importante como todas as outras coisas que o céu possui. Tudo tem a mesma origem. Assim, é tempo de compreender a terra, descer às profundezas da natureza humana. A fé não é uma nave espacial do inconsciente humano. É urgente assentar os pés em chão firme, pois que, muito falar do espanto e das ideias como arquétipos, do Deus Supremo e do outro mundo e de tecnologia imparável levar-nos-á a corrermos o risco de perdermos este mundo onde vivemos; o espanto não será pela pluralidade de coisas ao nosso redor, mas pela observação de terra queimada, da desolação das florestas em cinzas; Deus, empobrecido, de Criador e Pai amantíssimo, passará a ser odiado porque permitiu que tudo isso acontecesse; a tecnologia imporá outros deuses, o Paganismo, qual culto da Natureza, cairá pela frieza de uma infalibilidade que nos supera, que nos põe a um canto, que nos torna dispensáveis. Uma autêntica loucura onde a tecnologia é o carrasco. Todos querem um mundo feliz? Então comecem já hoje. Combatam o egoísmo, a vaidade tola, deixem de ser corruptos, virem as costas à maior desgraça que é a inveja. É ingénuo dizê-lo, impossível de o praticar?! Depende do ponto de vista, do lugar em que se coloca. Quando aparece uma doença incurável, quando surge a dor da perda de um filho, quando a vida tomba e cai em desgraça não muda tudo e de forma repentina? Pense. Que universo de esperança oferecem as religiões para este mundo? Que lutas pela melhoria das condições de vida? Oferecem caridade? Mas a caridade não é alimentar a pobreza, mantê-la onde está e fazer do necessitado um ser inferior, eternamente dependente e à espera de uma gratificação no céu através de um copo de leite de um benfeitor? Não será uma forma de alimentar a corrupção daqueles que continuam a, doentiamente, querer tudo só para eles? Precisamos do religioso mas como forma de amar o mundo, de fazer dele um lugar confortável onde todos têm lugar, de que todos fazem parte, onde todos são igualmente necessários. Isso é o que justamente se pode chamar ocupação com os desígnios de Deus. Não precisamos de organizações religiosas que alimentem o exclusivismo, a loucura da ambição desenfreada, da insaciedade, da indiferença pela miséria de que são, quantas vezes, os mais directos responsáveis. Não podemos querer um religioso que camufle o desprezo e o ódio pela humanidade sob o pretexto de mexer com desígnios de Deus. As organizações religiosas não podem continuar a absolutizar o seu natural relativismo doutrinário, desenvolvendo discursos etnocêntricos e abstraindo os crentes da terra sob o pretexto de os esperar um mundo de prazer sem fim, não mais que o prolongamento de causas e comportamentos desprezíveis, de problemas sexuais mal resolvidos, do rebaixamento da mulher como ser inferior e feito para servir o homem. O ecumenismo tem uma palavra a dizer em defesa da paz. Porque o diálogo nunca está esgotado, a bendizer ele ainda mal começou, deve promover um encontro universal em defesa da Terra; defender a real laicização dos estados face ao religioso; sensibilizar e criar o hábito de participar numa oração universal; confrontar a humanidade com a sua mesma fragilidade, a sua impotência a fim de perceber que, pelos dos seus próprios meios, não é capaz de superar a sua situação de problematicidade, que Deus é uma presença constante nas nossas vidas amparando e auxiliando. Sem os princípios de uma verdadeira fraternidade, a humanidade corre o risco de desaparecer mais depressa do que se pensa, não apenas fisicamente, mas como uma irmandade dos filhos de Deus. Porém, indiferentes a tudo, os insensatos, de sorriso nos lábios, certos de que vão todos para o mundo dos felizes, indiferentes ao que destruíram e devastaram neste em nome de uma suposta pureza não mais que xenofobia vil, dormem sobre o assunto: missão cumprida, combateram o impuro, aquele que apenas orava de forma diferente. A ser verdade que somos no lado de lá o que somos do lado de cá, então esta humanidade, com tudo o que a caracteriza, só irá fazer noutro lado o que fez aqui. E tudo se repetirá. Então, pela via das dúvidas, é melhor começar aqui e agora a modificar-se, a arrepiar caminho e arregaçar as mangas pelo planeta que é a nossa casa. Amar a Deus é amar a Sua magnífica obra, a nossa Terra. Margarida Azevedo

sexta-feira, novembro 19, 2021

LIVRA-NOS, SENHOR, DOS PROFISSIONAIS DA MORAL

1. E alguns dias depois entrou de novo em Cafarnaum. E ouviu-se dizer: “Ele está em casa”. 2. E reuniram-se muitos, ao ponto de já não haver espaço nem mesmo diante da porta. E ele anunciava-lhes a palavra. 3. E vêm trazendo para ele um paralítico transportado por quatro. 4. Não podendo levá-lo até ele, por causa da turba, destelharam o telhado por cima do sítio onde ele estava. E tendo feito um buraco descem o catre em que o paralítico jazia. 5. E Jesus, vendo a fé deles, diz ao paralítico: “Filho, os teus pecados estão perdoados”. 6. Ora, alguns escribas estavam lá, sentados. Ruminam nos seus corações: 7. “Porquê este fala assim? Ele blasfema! Quem pode perdoar pecados senão o único, Deus?” 8. E Jesus, conhecendo no seu espírito que assim estão ruminando em si-mesmos, diz-lhes de imediato: “Por que ruminais tais coisas nos vossos corações? 9. Que é mais fácil: dizer ao paralítico “os teus pecados estão perdoados”, ou dizer-lhe “levanta-te, toma o teu catre e caminha”? Ora, para que saibais que 10. o filho do homem tem o poder de perdoar pecados sobre a terra… 11. (diz ao paralítico): a ti digo: ‘levanta-te, toma o teu catre e vai para tua casa’ “. 12. E ele levantou-se, e de imediato, tendo pegado no catre, saiu à vista de todos, pelo que todos ficaram fora de si e glorificavam Deus dizendo: “Jamais vimos uma coisa assim!” Mc 2: 1-12. (1) Texto explosivo para os fariseus, também para os que fazem do sofrimento o grande estandarte da salvação. De igual modo, para aqueles que pregam grandes morais, rígidas e vazias de conhecimentos sobre a natureza humana. São os virtuosos que, perante um texto provocador como este, afirmam que o autor deturpou a mensagem sob a desculpa de não compreender nem a história nem os protagonistas, neste caso Jesus e toda a envolvência geográfica, histórica e teológica. Por mais que cause desconforto, Jesus não foi um moralista, e esta perícopa é disso um excelente exemplo. Aliás, transportá-la para a moral seria apoucar o sentido profundo a que ela nos convida a entrar. À partida, temos que perceber que a dignidade humana não se avalia mediante preceitos morais que, tal como a doutrina kardecista explica, o que hoje é moral amanhã pode não o ser. Sabemos que uma serie de factores conjunturais, tais como o auditório e respectivos interesses e vivências, relativizam a moral colocando-a no lugar das coisas mutáveis, perecíveis e transitórias.* É importante perceber o que o texto não diz mas que certamente seríamos nós a dizer. Alguns, perdidos em doutrinazinhas onde não falta a verdade, o saber, o absolutismo e os clichés, impetuosos discursos imporiam através das suas visões limitadas, defendendo-se com a tradicional afirmação: “está escrito aqui ou ali. Foi Jesus quem o disse…”. Dando mais atenção à dor do que ao sofredor, não falta quem diga que o reino de Deus se atinge mediante uma moral, que julgam sempre em ligação directa com os decretos divinos. Ora moral e divino não são a mesma coisa, nem uma tem ligação à outra. Sequencialmente, não se confunda moral, natureza humana e caminho para Deus, nem se faça da doença e do sofrimento um massacre salvífico. No Jesus de Marcos não temos a doença, motivo de exclusão social à época e hoje (lembremos, p.ex.,os doentes de SIDA e Covid, bem como doenças que causam alterações visíveis no corpo) como uma virtude. Pelo contrário, a doença impõe-se, nesta perícopa, como protagonista pois é ela a grande preocupação de Jesus. Preocupação que não é como as nossas, que mais não são que pré-ocupações e que habitualmente nos conduzem ao que poderíamos chamar ditaduras de fé. São as tais situações em que há preocupação com coisas que não valem a pena, ou, sendo importantes, esbarram com a falta de desapego face ao que “não tem remédio”. Com Jesus, porém, estamos perante um acto pedagógico que nos ensina três coisas: 1. a doença não é castigo divino; 2. não se combate pela pregação de uma moral; 3. a cura não acontece em nome de uma doutrina. Então qual o objectivo? A cura está ao serviço da pregação do reino de Deus, que é aqui e agora. Trata-se de um acto antecipador de qualquer coisa nova, e para o qual a saúde é fundamental. No que diz respeito ao paralítico, efectivamente o paralítico somos nós e a paralisia o próprio pecado. É ela e só ela que mantém o doente na inércia característica de quem vive na horizontalidade. Pergunta-se: O que é que motivou a cura? A fé deles. Do lado dos que assistem, a estupefacção não resulta de belas palavras, que nem sabemos quais, mas do gesto curador, livre porque independente de valores e retórica. Dito de outro modo, a cura espantosa não consiste numa avaliação comportamental, mas em conferir a autonomia para uma vida em plenitude. Curar é libertar do jugo da dor e da dependência aprisionadora. Esta perícopa não está ao serviço de um bom comportamento, que iria supostamente culminar no merecimento da cura, mas de outra coisa a um outro nível, isto é, não é de moral que precisamos para caminhar e seguir em frente, mas do incentivo e da coragem para começar o caminho, o que é totalmente diferente. Mais, é ignorando totalmente causas e efeitos, culpas e arrependimentos, pesos e medidas valorativos, que a cura acontece. Ela é um acto de total entrega, amor incondicional, gratuidade absoluta. Quanto à paralisia, que somos todos nós, é o móbil libertador, donde o perdão é o encontro de nós connosco mesmos, introdução num outro mundo, pois só a força do perdão é capaz de nos transportar ao outro mundo, aqui e agora. Perdoar é um acto cósmico: universaliza, transcende. Verifica-se que há um sentido que cai numa fundura que nos transporta para lá do sentido do aparecente que é a paralisia. Trata-se de uma realidade ontológica que só aquele que dá sem que lhe seja pedido consegue ver. Ora, o paralítico não pediu para que os pecados lhe fossem perdoados. Jesus antecipou-se porque o perdão dos pecados é a maior graça antecipadora ofertada por Deus ao ser humano. Não depende de pressupostos de espécie alguma, das mundanas falácias das regras de conduta, sempre traçadas à luz da visão míope de uma moral (se a ajuda divina viesse pelo merecimento, quem seria verdadeiramente ajudado?). O perdão dos pecados é tão livre, tão espontâneo e tão espantoso, tão puro e subtil que abdica de ser pedido. Por isso, nascemos perdoados, filhos da transcendência e do amor incondicional, porque amados sem fim. O passado esquecido de que fala o kardecismo, para aqueles que ainda o lêem uma vez que não são poucos os que dizem que já não é preciso, toma aqui o seu lugar: o esquecimento do passado já é uma forma de perdão, porque o passado não pode ser um fantasma que nos persegue. A cristianização da teoria das reencarnações é a cereja que faltava em cima do bolo. Sem a assimilação do conceito de perdão, como amor infinito, não nos podemos dizer cristãos. Quanto ao passado, é remetê-lo para o baú das velharias e dizer com Jesus: “Levanta-te, toma o teu catre e vai para tua casa.” Mas que casa? “Tu próprio. Tu és a tua casa”. Quem era o paralítico? Qual era a sua fé? Não sabemos o seu nome, é um doente apenas, o paralítico, e chega. Há uma identidade que se esconde na horizontalidade no catre. Quanto à paralisia, significa não ser capaz de tomar conta de si próprio, dependência, não identidade; ser incapaz de caminhar por si mesmo, de seguir um caminho, é estar incompleto. Ora, perdoar faz parte do caminho de quem perdoa e aguça no perdoado o gosto pela aventura, porque estar perdoado é a coisa mais desafiante que há. Este acto de amor inclassificável corta o tempo em dois, há um antes e um depois do perdão. Com ele, surge espontaneamente outro tempo (gr. Καιρός, kairós), o momento especialíssimo como o grande acontecimento existencial que se impõe ao tempo cronológico. Dantes o paralítico, agora o perdoado, vertical e de catre nas mãos, para espanto de todos, que vai para casa pelo seu próprio pé. Ora é nesta inter-acção entre paralisia e cura que está a raiz de ter ou não ter caminho. Assim, devemo-nos perdões para encetarmos caminhos, pois ninguém se levanta sozinho do seu catre. A graça do perdão é ela mesma um caminho de fé porque significa estar ido ao outro, contributo imprescindível para que ele seja, efectivamente, pessoa. O perdão persegui-lo-á para sempre, jamais será esquecido pelo amor infinito que o caracteriza. Por isso, a acção de Jesus constrói no paralítico uma identidade estranha: aquele que é perdoado adquire outra identidade, supera-se, transcende-se, infinitiza-se. Jamais será o mesmo. Que pecados cometeu o paralítico? Que pecados cometemos nós? Que sentido teria e que impacto nas nossas vidas sabê-lo? Se isso fosse importante para o reino de Deus certamente que Jesus tê-lo-ia dito. Mas não. Jesus nunca refere quais os pecados nem diz como nos libertarmos deles. A libertação de Jesus é outra coisa porque o pecado é algo demasiado corriqueiro. Quanto ao passado, não o define, nem tão pouco o refere. Para quê? Pura perda de tempo. Jesus projecta cada um de nós para o futuro, porque o perdão é isso mesmo, um acto escatológico. É no caminhar para casa que o caminho começa. No entanto, a ênfase está na ordem: “levanta-te”… Aprendemos com Jesus que o sofrimento e a doença não podem estar ao serviço de uma condenação. A moral condenaria o paralítico: “ Estás aí porque és mau. O que é que tu fizeste de tão grave?” Aprende-se com esta perícopa que o perdão conduz ao encontro de cada um de nós consigo mesmo, que pegar no catre e andar não é uma cura qualquer, mas uma mudança radical na vida que irrompe espontaneamente pela força da fé. A identidade nunca poderia estar no catre, porque só fora dele somos capazes de olhar para o horizonte, isto é, o futuro, rumo a um reino sem fim. Contrariamente, deitados no catre só olharíamos para o céu, finitizando-o. De pé, descobrimos as maravilhas da natureza e a partilha da vida com o outro. O céu virá depois, muito depois. É urgente libertar Jesus de crendices miserabilistas e estapafúrdias. Jesus não pode continuar a ser o jesuzinho das nossas convicçoezinhas nem dos profissionais da moral. Jesus não tem nada a ver com isso. Margarida Azevedo • Consultar, sobre a relatividade das leis, KARDEC, A., O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. XXII, item 2, que, embora noutro contexto, aplica-se à temática em epígrafe. (1) Trad. Pr. Dimas de Almeida, Grupo Ecuménico de Carcavelos.