MORTE É FELICIDADE XLIII
A PROBLEMÁTICA DA MORTE NO EVENGELHO
(Continuação)
g) a Cruz
A cruz é o momento poético da nossa morte. De facto, a espécie humana tem destas coisas, um instrumento de tortura é transformado em marco definitivo na nossa história da mil e uma passagens pela Terra, dos mil e um desencarnes a que esta nos expõe.
Porque o Espírito é uma realidade épica, protagonista de uma epopeia cuja história é dedicada a Deus nas alturas, repleta de fracassos, desaires e lágrimas, o clímax da sua experiência é mostrado ao mundo no calvário para que todos vejam e percebam “Homem, vê o que te espera, vê quem tu és, afinal!”
Tem morte e não é um rito fúnebre, tem um caminhar doloroso e não é uma tortura. A cruz é um grito de dor na profunda alegria de uma adeus à Terra, nem que seja por um intervalo de um punhado de anos, ou uns largos milhares, ou até nunca mais. Inumando o sofrimento, ela é esperança para todos os crentes que estão a aprender a viver com a sua realidade muito própria.
Ou se aceita, e vivemos na alegria do sofrimento, ou se rejeita e se vive a felicidade da besta. Ninguém foge à cruz que lhe está destinada, ninguém vive sem cruz. Todos carregamos o madeiro das nossas incongruências. Por isso, a cruz é apenas isto, um binómio inseparável: dor e morte. Daí a linguagem e experiência plásticas que ela concretiza. Porque atrai, porque seduz, porque é bela ela não permite palcos fictícios onde cada um representaria o melhor possível a personagem que reencarna. A cruz é um surrealismo espiritual que não permite luzes, cores, brilho, mas tão somente a humildade. Ora, eis-nos chegados ao papel que ainda não representámos.
Até a nossa mediunidade faz parte da cruz. Muitos são os que pensam que os médiuns não sofrem porque tudo adivinham e, naturalmente, sabem evitar erros e fracassos. Não é assim. A experiência mediúnica é um agir que expõe o médium às mais duras provas a fim de preseverar na sua caminhada. Mediunidade é arranjo, ajuste com a vida e não existe para adivinhar, mas tão somente, e já não é pouco, colaborar com a vida, ser uma espécie de suporte a quando de situações mais dolorosas.
O médium é uma porta aberta ao bom e ao mau. Cabe-lhe saber discernir. Quando não sabe, cai em sofrimento profundo. Jesus foi o médium directo de Deus, comunicava com frequência com as Entidades superiores e, de uma natureza espiritual muito para além da nossa, sofreu mais que todos nós. É esta a leitura espírita da Cruz de Cristo. Ele veio ensinar-nos a sermos médiuns apesar de todos os contratempos.
A cruz é uma mãe que acolhe o filho sempre que este fracassa, isto é, algo que penetrou com profunda intensidade no nosso inconsciente e por isso dele dependemos como raiz causal, princípio e fim das nossas vidas. Foi esse o exemplo de Jesus. Também Ele foi recebido nos braços de Sua Mãe, também esta sofreu a dor da humilhação, da incompreensão, o peso do ódio.
No entanto, percebendo a natureza transcendente dessa alma tão nobre, Maria limitou-se a tratar as chagas da humanidade no corpo de Seu filho muito amado, a fim de que este fosse depositado no túmulo dos insultos, mas também do arrependimento.
Complementemos a nossa análise com uma breve abordagem ao simbólico da cruz.
2. O que significa ou simboliza a cruz, para o Espiritismo?
Composta por quatro ângulos rectos, ela simboliza a justiça, a solidez do carácter, a perseverança, mas também o muito sofrimento como a única força libertadora.
Já alguém viu algum homem sem cruz? Há porventura alguém sem sofrimento à face deste planeta azul? Haverá alguém que ainda não tenha derramado uma lágrima, por mais ligeira, por mais disfarçada que fosse?
Todos carregamos a nossa cruz, que mais não é que o nosso sofrimento, a nossa libertação, a nossa morte. Ricos e pobres, deficientes e não deficientes, nacionais e estrangeiros, apátrios, todos sem excepção sofremos e transportamos a nossa cruz.
Quantas vezes nos queixamos de que nada fizemos para a merecer, que um mero acaso nos trouxe aquele tão grande sofrimento, ou um surto intempestivo de ingenuidade, o nosso “Quem mal não pensa, mal não julga”. São tantas as vezes em que dizemos ser a nossa presença no Universo um esquecimento de Deus, que parece que todos os problemas do mundo nos caíram em cima.
A cruz, muito embora para a maioria o não pareça, é um encontro com a justiça na sua máxima expressividade, a eloquência de um ajuste de contas com o que fizemos, aguçando-nos o sentido para que, num futuro não longínquo, tenhamos a tão ambicionada paz no coração.
O amor é um filho muito querido desses quatro ângulos rectos. O amor é a justa medida entre todas as coisas, visíveis e invisíveis. Filho de uma dor muito profunda, para os orientais ele é o lótus que nasce no lodo das nossas fraquezas, na opacidade da nossa cegueira para florir, lindíssimo, no Espírito; para os ocidentais ele é a rosa vermelha do sangue que quantas vezes ele exige que derramemos, que entreguemos a vida pelo que muito sentimos, pela representação que nos fazemos de um equilíbrio que nos faz vibrar o íntimo das nossas almas, garantindo-nos a libertação e, consequentemente, a felicidade para sempre.
Sem cruz, como garantir a felicidade, o sorriso, o gosto doce da vitória? Como alcançar a noção da nossa urgência em nos modificarmos? Como saber que a dor que causámos magoou, ofendeu, perturbou? Como saber que o nosso não gostar de alguém porque diz, faz ou pensa de forma oposta à nossa, ou simplesmente diferente, não é um modo nem modelo correcto de vida? Que é, no fim de contas, a cruz?
O ódio, o rancor, a maledicência, a inveja, o ciúme que, no seu conjunto, matam mais que qualquer doença física, são parte da cruz; a outra parte são as nossas doenças do corpo, as complicações de que a vida se reveste, o inesperado doloroso que nos entra portas dentro; o falso amigo, o excesso de confiança em alguém que não merecia, as desilusões, uma ligação amorosa que terminou de forma intempestiva; a solidão, o sentir-se incompreendido, desprezado, estrangeiro no seu próprio país, a falta de partilha de ideias e ideais, a luta incansável mas sem frutos, o sentir-se controlado por algo que não sabe explicar, e tudo o mais que a vida nos traz, é a nossa cruz.
Mas é este o sentido de cruz que nos advém do Evangelho? É esta a imagem que Jesus nos legou ao ser crucificado, a saber, a vitória dos maus sobre os bons, ou a de um sofrer por sofrer? Não, não é essa a mensagem do Mestre.
Com Jesus nós aprendemos que a dor é doce bálsamo que eleva o Espírito às mais altas falanges do Universo magnífico, que o sofrimento não é igual para todos, mas que todos sofremos e que, por isso mesmo, devemo-nos mutuamente a ajuda para carregar as nossas dívidas até ao calvário, que nos transportará à sublimidade do amor eterno.
Se conseguíssemos perceber, ainda que ao de leve, o que Jesus sofreu ao dar a vida por nós de forma tão incisiva, tão crua e tão objectiva. Se conseguíssemos compreender como deve ter sido dolorosa aquela experiência espiritual, mostrando-nos que a vida se prolonga, reinante para os que não vacilarem, os que tiverem coragem e souberem dizer não à negatividade.
Mas não compreendemos nem sentimos nem imaginamos, sequer, como terá sido aquela manifestação de um tal amor tão grande. Somos tão egoístas, queremos tanto só para nós, lemos tão mal o Evangelho, sentimo-lo tão pouco, estamos tão mais preocupados com as opiniões dos outros (sempre inferiores ás nossas), que nos colocamos em pedestal de tola vaidade pensando que somos alguma coisa, que a nossa vontade é soberana.
Estamos tão longe dessa capacidade de amar, estamos tão infinitamente noutro lado do universo, que não temos, ainda que ao de leve, uma noçãozinha da mais ténue sombra da grandiosidade da alma de Jesus.
Para os espíritas, a advertência do codificador envolve-se perfeitamente nesta problemática quando apela “Espíritas, em primeiro lugar amai-vos, mas em segundo instruí-vos.” A que amor e a que instrução se refere Kardec? Ao esclarecimento, no seu conjunto. Na ignorância não há amor sincero, não há instrução válida. Na ignorância a cruz é um erro de Deus. Por isso, não faltam os leitores de sina, os adivinhos da boa fortuna que, usando e abusado da credulidade alheia, mexem no sagrado de forma desonrosa.
Os espíritas sabem que só o amor e depois a instrução garantem a noção de verdade, tão necessária para compreendermos o sofrimento que nos acompanha do nascer ao morrer. Somos humanos na medida em que nos acompanhamos nesse sofrimento, nos amparamos e deixamos tudo para acudir a um amigo, a um necessitado qualquer. E tudo o que fizermos a esses é ao Mestre que o fazemos, porque nada fica esquecido, nada está perdido. Fazer o bem, sempre, seja a quem for.
O verdadeiro espírita é um cristão na máxima autenticidade, como todos os que pretendem apenas fazer o bem. Esses são o que suportam sem revolta, sem queixume, sem tristeza. A cruz é para eles o símbolo da evolução do Espírito, a assunção deste a Jesus e daí ao Pai Supremo.
É no sofrimento que tomamos a noção de que as nossas teorias nada valem, a nossa racionalidade é mínima e entra em colapso, as sensações, advindas numa multitude de direcções, tomam-nos e, caso não tenhamos uma fé fortalecida no Evangelho, vacilamos e entramos em colisão connosco mesmos.
É nessa altura que se cometem as maiores loucuras, praticam as acções mais irreverentes e impensadas, em que se dizem muitas coisas que, mais tarde, trazem amargos arrependimentos. Todavia, em sua sabedoria feita de luz, o Pai Supremo absorve esse arrependimento e converte-o em força para o Espírito sedento de amor. É quando a cruz se torna mais incisiva. Senão, como contrair uma dívida e não a pagar? Mais, a perfeição é tão grande que, na directa proporção das nossas capacidades cognoscitivas, assim nós sentimos a necessidade de pagar o nosso erro repondo a ordem que afinal não se perdeu, apenas mostrou o seu lado ainda primário.
Neste sentido, a morte nunca poderia ser um fracasso, mas uma viagem ao mundo dos sonhos, a magnificência dos príncipes e princesas, das fadas-madrinhas que preenchem o nosso universo espiritual e alentam-nos a vida, entidades que não são mais que a pluralidade dos Espíritos que vivem e povoam o cosmos, a volta à simplicidade representada nas crianças, o menino que somos mau grado a representação que nos fazemos de nós mesmos. Morrer é ingressar noutro reino, expor-se a outras leis, enfrentar-se e perder temeridades.
Morrer na cruz é ingressar no palácio da nossa consciência que, se for pesada, apenas nos conduzirá às masmorras nas caves profundas e tenebrosas. Há que estar vigilante, há que cuidar dos pensamentos para que estes não sejam porta aberta ao lobo mau ou às feiticeiras e bruxas más. Há que lutar sempre e com força e coragem, perseverança para que a cruz não se repita e, em cada vida que se vai seguindo, ela seja progressivamente mais leve.
A cruz de Jesus não foi ingresso no vazio desconhecido e incerto. Jesus veio acalmar a humanidade assustada dizendo-lhe "Eu também estou sujeito à passagem!" Sendo o nosso maior conflito o dos nossos mesmos valores, Jesus veio mostrar que a cruz é a todos indispensável, porque todos expostos a idênticas provas, capazes dos mesmos anseios, mas também e por isso mesmo companheiros da mesma viagem, da qual Jesus é esse companheiro maior.
Um dia, dessa cruz nascerá rosa que nós somos, por agora em embrião, perfumada e bela, macia e cheia de viço. Será quando o nosso Espírito tiver superado este fado reencarnacionista, quebrado todas as ansiedades, todo o sofrimento e, leves e belos, povoaremos o Universo de agradáveis perfumes.
A cruz é o momento poético da nossa morte. De facto, a espécie humana tem destas coisas, um instrumento de tortura é transformado em marco definitivo na nossa história da mil e uma passagens pela Terra, dos mil e um desencarnes a que esta nos expõe.
Porque o Espírito é uma realidade épica, protagonista de uma epopeia cuja história é dedicada a Deus nas alturas, repleta de fracassos, desaires e lágrimas, o clímax da sua experiência é mostrado ao mundo no calvário para que todos vejam e percebam “Homem, vê o que te espera, vê quem tu és, afinal!”
Tem morte e não é um rito fúnebre, tem um caminhar doloroso e não é uma tortura. A cruz é um grito de dor na profunda alegria de uma adeus à Terra, nem que seja por um intervalo de um punhado de anos, ou uns largos milhares, ou até nunca mais. Inumando o sofrimento, ela é esperança para todos os crentes que estão a aprender a viver com a sua realidade muito própria.
Ou se aceita, e vivemos na alegria do sofrimento, ou se rejeita e se vive a felicidade da besta. Ninguém foge à cruz que lhe está destinada, ninguém vive sem cruz. Todos carregamos o madeiro das nossas incongruências. Por isso, a cruz é apenas isto, um binómio inseparável: dor e morte. Daí a linguagem e experiência plásticas que ela concretiza. Porque atrai, porque seduz, porque é bela ela não permite palcos fictícios onde cada um representaria o melhor possível a personagem que reencarna. A cruz é um surrealismo espiritual que não permite luzes, cores, brilho, mas tão somente a humildade. Ora, eis-nos chegados ao papel que ainda não representámos.
Até a nossa mediunidade faz parte da cruz. Muitos são os que pensam que os médiuns não sofrem porque tudo adivinham e, naturalmente, sabem evitar erros e fracassos. Não é assim. A experiência mediúnica é um agir que expõe o médium às mais duras provas a fim de preseverar na sua caminhada. Mediunidade é arranjo, ajuste com a vida e não existe para adivinhar, mas tão somente, e já não é pouco, colaborar com a vida, ser uma espécie de suporte a quando de situações mais dolorosas.
O médium é uma porta aberta ao bom e ao mau. Cabe-lhe saber discernir. Quando não sabe, cai em sofrimento profundo. Jesus foi o médium directo de Deus, comunicava com frequência com as Entidades superiores e, de uma natureza espiritual muito para além da nossa, sofreu mais que todos nós. É esta a leitura espírita da Cruz de Cristo. Ele veio ensinar-nos a sermos médiuns apesar de todos os contratempos.
A cruz é uma mãe que acolhe o filho sempre que este fracassa, isto é, algo que penetrou com profunda intensidade no nosso inconsciente e por isso dele dependemos como raiz causal, princípio e fim das nossas vidas. Foi esse o exemplo de Jesus. Também Ele foi recebido nos braços de Sua Mãe, também esta sofreu a dor da humilhação, da incompreensão, o peso do ódio.
No entanto, percebendo a natureza transcendente dessa alma tão nobre, Maria limitou-se a tratar as chagas da humanidade no corpo de Seu filho muito amado, a fim de que este fosse depositado no túmulo dos insultos, mas também do arrependimento.
Complementemos a nossa análise com uma breve abordagem ao simbólico da cruz.
2. O que significa ou simboliza a cruz, para o Espiritismo?
Composta por quatro ângulos rectos, ela simboliza a justiça, a solidez do carácter, a perseverança, mas também o muito sofrimento como a única força libertadora.
Já alguém viu algum homem sem cruz? Há porventura alguém sem sofrimento à face deste planeta azul? Haverá alguém que ainda não tenha derramado uma lágrima, por mais ligeira, por mais disfarçada que fosse?
Todos carregamos a nossa cruz, que mais não é que o nosso sofrimento, a nossa libertação, a nossa morte. Ricos e pobres, deficientes e não deficientes, nacionais e estrangeiros, apátrios, todos sem excepção sofremos e transportamos a nossa cruz.
Quantas vezes nos queixamos de que nada fizemos para a merecer, que um mero acaso nos trouxe aquele tão grande sofrimento, ou um surto intempestivo de ingenuidade, o nosso “Quem mal não pensa, mal não julga”. São tantas as vezes em que dizemos ser a nossa presença no Universo um esquecimento de Deus, que parece que todos os problemas do mundo nos caíram em cima.
A cruz, muito embora para a maioria o não pareça, é um encontro com a justiça na sua máxima expressividade, a eloquência de um ajuste de contas com o que fizemos, aguçando-nos o sentido para que, num futuro não longínquo, tenhamos a tão ambicionada paz no coração.
O amor é um filho muito querido desses quatro ângulos rectos. O amor é a justa medida entre todas as coisas, visíveis e invisíveis. Filho de uma dor muito profunda, para os orientais ele é o lótus que nasce no lodo das nossas fraquezas, na opacidade da nossa cegueira para florir, lindíssimo, no Espírito; para os ocidentais ele é a rosa vermelha do sangue que quantas vezes ele exige que derramemos, que entreguemos a vida pelo que muito sentimos, pela representação que nos fazemos de um equilíbrio que nos faz vibrar o íntimo das nossas almas, garantindo-nos a libertação e, consequentemente, a felicidade para sempre.
Sem cruz, como garantir a felicidade, o sorriso, o gosto doce da vitória? Como alcançar a noção da nossa urgência em nos modificarmos? Como saber que a dor que causámos magoou, ofendeu, perturbou? Como saber que o nosso não gostar de alguém porque diz, faz ou pensa de forma oposta à nossa, ou simplesmente diferente, não é um modo nem modelo correcto de vida? Que é, no fim de contas, a cruz?
O ódio, o rancor, a maledicência, a inveja, o ciúme que, no seu conjunto, matam mais que qualquer doença física, são parte da cruz; a outra parte são as nossas doenças do corpo, as complicações de que a vida se reveste, o inesperado doloroso que nos entra portas dentro; o falso amigo, o excesso de confiança em alguém que não merecia, as desilusões, uma ligação amorosa que terminou de forma intempestiva; a solidão, o sentir-se incompreendido, desprezado, estrangeiro no seu próprio país, a falta de partilha de ideias e ideais, a luta incansável mas sem frutos, o sentir-se controlado por algo que não sabe explicar, e tudo o mais que a vida nos traz, é a nossa cruz.
Mas é este o sentido de cruz que nos advém do Evangelho? É esta a imagem que Jesus nos legou ao ser crucificado, a saber, a vitória dos maus sobre os bons, ou a de um sofrer por sofrer? Não, não é essa a mensagem do Mestre.
Com Jesus nós aprendemos que a dor é doce bálsamo que eleva o Espírito às mais altas falanges do Universo magnífico, que o sofrimento não é igual para todos, mas que todos sofremos e que, por isso mesmo, devemo-nos mutuamente a ajuda para carregar as nossas dívidas até ao calvário, que nos transportará à sublimidade do amor eterno.
Se conseguíssemos perceber, ainda que ao de leve, o que Jesus sofreu ao dar a vida por nós de forma tão incisiva, tão crua e tão objectiva. Se conseguíssemos compreender como deve ter sido dolorosa aquela experiência espiritual, mostrando-nos que a vida se prolonga, reinante para os que não vacilarem, os que tiverem coragem e souberem dizer não à negatividade.
Mas não compreendemos nem sentimos nem imaginamos, sequer, como terá sido aquela manifestação de um tal amor tão grande. Somos tão egoístas, queremos tanto só para nós, lemos tão mal o Evangelho, sentimo-lo tão pouco, estamos tão mais preocupados com as opiniões dos outros (sempre inferiores ás nossas), que nos colocamos em pedestal de tola vaidade pensando que somos alguma coisa, que a nossa vontade é soberana.
Estamos tão longe dessa capacidade de amar, estamos tão infinitamente noutro lado do universo, que não temos, ainda que ao de leve, uma noçãozinha da mais ténue sombra da grandiosidade da alma de Jesus.
Para os espíritas, a advertência do codificador envolve-se perfeitamente nesta problemática quando apela “Espíritas, em primeiro lugar amai-vos, mas em segundo instruí-vos.” A que amor e a que instrução se refere Kardec? Ao esclarecimento, no seu conjunto. Na ignorância não há amor sincero, não há instrução válida. Na ignorância a cruz é um erro de Deus. Por isso, não faltam os leitores de sina, os adivinhos da boa fortuna que, usando e abusado da credulidade alheia, mexem no sagrado de forma desonrosa.
Os espíritas sabem que só o amor e depois a instrução garantem a noção de verdade, tão necessária para compreendermos o sofrimento que nos acompanha do nascer ao morrer. Somos humanos na medida em que nos acompanhamos nesse sofrimento, nos amparamos e deixamos tudo para acudir a um amigo, a um necessitado qualquer. E tudo o que fizermos a esses é ao Mestre que o fazemos, porque nada fica esquecido, nada está perdido. Fazer o bem, sempre, seja a quem for.
O verdadeiro espírita é um cristão na máxima autenticidade, como todos os que pretendem apenas fazer o bem. Esses são o que suportam sem revolta, sem queixume, sem tristeza. A cruz é para eles o símbolo da evolução do Espírito, a assunção deste a Jesus e daí ao Pai Supremo.
É no sofrimento que tomamos a noção de que as nossas teorias nada valem, a nossa racionalidade é mínima e entra em colapso, as sensações, advindas numa multitude de direcções, tomam-nos e, caso não tenhamos uma fé fortalecida no Evangelho, vacilamos e entramos em colisão connosco mesmos.
É nessa altura que se cometem as maiores loucuras, praticam as acções mais irreverentes e impensadas, em que se dizem muitas coisas que, mais tarde, trazem amargos arrependimentos. Todavia, em sua sabedoria feita de luz, o Pai Supremo absorve esse arrependimento e converte-o em força para o Espírito sedento de amor. É quando a cruz se torna mais incisiva. Senão, como contrair uma dívida e não a pagar? Mais, a perfeição é tão grande que, na directa proporção das nossas capacidades cognoscitivas, assim nós sentimos a necessidade de pagar o nosso erro repondo a ordem que afinal não se perdeu, apenas mostrou o seu lado ainda primário.
Neste sentido, a morte nunca poderia ser um fracasso, mas uma viagem ao mundo dos sonhos, a magnificência dos príncipes e princesas, das fadas-madrinhas que preenchem o nosso universo espiritual e alentam-nos a vida, entidades que não são mais que a pluralidade dos Espíritos que vivem e povoam o cosmos, a volta à simplicidade representada nas crianças, o menino que somos mau grado a representação que nos fazemos de nós mesmos. Morrer é ingressar noutro reino, expor-se a outras leis, enfrentar-se e perder temeridades.
Morrer na cruz é ingressar no palácio da nossa consciência que, se for pesada, apenas nos conduzirá às masmorras nas caves profundas e tenebrosas. Há que estar vigilante, há que cuidar dos pensamentos para que estes não sejam porta aberta ao lobo mau ou às feiticeiras e bruxas más. Há que lutar sempre e com força e coragem, perseverança para que a cruz não se repita e, em cada vida que se vai seguindo, ela seja progressivamente mais leve.
A cruz de Jesus não foi ingresso no vazio desconhecido e incerto. Jesus veio acalmar a humanidade assustada dizendo-lhe "Eu também estou sujeito à passagem!" Sendo o nosso maior conflito o dos nossos mesmos valores, Jesus veio mostrar que a cruz é a todos indispensável, porque todos expostos a idênticas provas, capazes dos mesmos anseios, mas também e por isso mesmo companheiros da mesma viagem, da qual Jesus é esse companheiro maior.
Um dia, dessa cruz nascerá rosa que nós somos, por agora em embrião, perfumada e bela, macia e cheia de viço. Será quando o nosso Espírito tiver superado este fado reencarnacionista, quebrado todas as ansiedades, todo o sofrimento e, leves e belos, povoaremos o Universo de agradáveis perfumes.
Queridos Amigos, como é habitual, nesta altura do ano fazemos uma interrupção de um mês. Umas boas férias, para aqueles que vão de férias e que vos Deus abençoe a todos.
Barbara Diller