PALAVRAS, LEVA-AS O VENTO
“ Ò minha amiga, não se preocupe!
O que eles querem é
palmadinhas nas costas.”
Comentário de um
leitor habitual, do Forum Espírita.
O
que se fala, dentro do Espiritismo, é obra. O chorrilho de encontros sobre
temas no eterno retorno do mesmo, do tipo pescadinha de rabo na boca, é
impressionante. Os powerpoints não
dão mãos a medir. É só abrir o computador e lá vai. Depois é ler o que está no
ecrã, fazendo do público uma massa de analfabetos.
O ano inteiro
vem gente de fora, porque os de dentro são sempre os mesmos a botar faladura.
Assim, para não haver novidade, vêm de longe os que estão na mesma sintonia, ou
seja, vêm dizer nada, ou muito pouco. Ainda há dias, na Federação Espírita
Portuguesa, aconteceu um seminário subordinado ao tema da educação espírita, no
qual quem palestrava vinha partilhar os seus conhecimentos e experiências na área da
Evangelização Espírita Infanto-juvenil. Como o público não tinha, nem é
obrigado a isso, formação em pedopedagogia, achou a apresentação interessante, mas
para a maioria a cadeira já tinha picos. Assim, à boca fechada, alguém da
própria federação dizia: “Mas isto é
elementar. Isto é matéria que se aprende nas primeiras semanas do curso de
Educadores de Infância! Outros comentavam: “A realidade a que esta pessoa alude não tem nada a ver com a nossa.”
Palavras estas que o Sr. Presidente da Federação pronunciou, com toda a razão,
no fim do seminário, aquando dos agradecimentos.
Com isto, o
movimento espírita continua precisado de lufadas de ar fresco. Caiu numa
estagnação tal que se ouve, escreve e lê apenas a si mesmo. Os demais seres
humanos desta vastíssima Criação Divina ainda não atingiram o seu nível, e por
isso os espíritas mais “convictos” não leem nada que se relacione com outras
doutrinas, não as ouvem, nem querem saber delas para nada. Receiam as suas influências
perniciosas, os seus maus pendores, uma vez que esses não aceitam, assim
julgam, que se pode conversar com os Espíritos.
Que pena! Não para os que não falam com os
Espíritos, mas para os que ainda não conseguem ouvir os homens e as mulheres de
carne e osso. A história da irmandade de todos os seres humanos ficou na
gaveta, esquecendo-se de que ela é um dos pilares do Cristianismo. Ela é a
Fraternidade que tanto apregoam.
A clausura não
significa apenas viver num claustro. Talvez essa seja a menor ou a mais fácil.
A pior, de longe, é a clausura das ideias, a distância do outro, o pensar que
se sabe tudo, que se pode viver em autogestão, auto-suficiência,
autodidactismo.
Há os que pensam
que Jesus falou para os espíritas, que as passagens sobre os feitos mediúnicos,
se assim lhes podemos chamar, são para os espíritas. São muitos os que pensam
que é assim. São os exclusivistas das trevas, que querem à viva força travar a
livre expansão do Cristianismo, ou melhor, da mensagem de Jesus. Como não
procuram a universalidade, como temem o pluralismo, não compreendem a universalidade
de Jesus.
Criar fronteiras
do tipo bons e maus é candidatar-se à felicidade do insensato que pensa como é
bom ser esclarecido, ter a sua doutrina, que é a melhor do mundo. Como não leem
os Evangelhos, certamente desconhecem a resposta que Jesus dá a quem não pensa.
O insensato
desconhece que as doutrinas passam, são feitas por gente de carne e osso ou em
experiências místicas, pois todas, de alguma forma, fazem referência ao mundo
invisível, segundo os seus credos. Mas o que fica, de todas elas, é o
comportamento, é a vivência, é o modo como se interage com o outro. Ser bom, só
Deus, não nós. Por isso, ao insensato, Jesus responde assim: “Contou ainda esta parábola para alguns
que, convencidos de serem justos, desprezavam os outros: “Dois homens subiram
ao Templo para orar; um era fariseu e o outro publicano. O fariseu, de pé,
orava interiormente deste modo: ´Ò Deus, eu te dou graças porque não sou como o
resto dos homens, ladrões, injustos, adúlteros, nem como este publicano; jejuo
duas vezes por semana, pago o dízimo de todos os meus rendimentos´. O
publicano, mantendo-se à distância, não ousava sequer levantar os olhos para o
céu, mas batia no peito dizendo: ´Meu Deus, tem piedade de mim, pecador! ´Eu
vos digo que este último desceu para casa justificado, o outro não. Pois todo o
que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado”. (Lc 18:
9-14. Bíblia de Jerusalém).
Com tudo isto,
lamentavelmente, o Espiritismo deixou de ser uma doutrina apelativa à modificação
interior, à renovação do ser humano. Cada um está mais fechado que o outro,
quer nas suas ideias, quer no seu pedantismo, na sua vaidade, nos seus
aforismos ocos em que muito se fala mas nada se diz.
Sentimos falta
do Espiritismo da oração, do Evangelho, do recolhimento, da humildade; temos
saudade dos tempos em que vinham às sessões pessoas de outras doutrinas, em que
havia troca de impressões objectivando a necessidade de caminhar para Deus na
paz com tudo e com todos; sentimos muita falta das multidões, que cheias de
curiosidade e desejosas de esclarecimento, vinham até ao Centro espírita porque
sabiam que nele encontravam uma palavra de conforto.
Vão longe os
tempos de um Espiritismo vocacionado para os tratamentos espirituais, salvo
raríssimas excepções, um Espiritismo servidor, defensor da humildade.
Onde estão os
tribunos? Os que faziam da Doutrina um facho ao serviço do Bem? Hoje fazem do
Bem um prisioneiro da Doutrina.
Fiquemos com um
pensamento de um ateu, para escândalo de alguns.
“A maior sabedoria é reconhecer quando ela nos
falta. Atingi este ponto e confesso que no campo da intuição e do subconsciente
eu nada sei, senão que estes segredos estão abertos para a grande artista
Natureza. Por isto o meu louvor se dirige a ela. Se não confessasse minha
própria incapacidade de atingir a grandeza da natureza criadora, estaria
tateando como um cego sem rumo, por atalhos sem saída, pensando que ao redor de
mim espaços infinitos se expandiam.”*
·
STANISLAVSKI,
C., (2008), A Construção da Personagem,
RJ, Civilização Brasileira, 17ª edição, p.396.