sábado, março 29, 2014

PALAVRAS, LEVA-AS O VENTO



            “ Ò minha amiga, não se preocupe!
O que eles querem é palmadinhas nas costas.”
Comentário de um leitor habitual, do Forum Espírita.

            O que se fala, dentro do Espiritismo, é obra. O chorrilho de encontros sobre temas no eterno retorno do mesmo, do tipo pescadinha de rabo na boca, é impressionante. Os powerpoints não dão mãos a medir. É só abrir o computador e lá vai. Depois é ler o que está no ecrã, fazendo do público uma massa de analfabetos.
O ano inteiro vem gente de fora, porque os de dentro são sempre os mesmos a botar faladura. Assim, para não haver novidade, vêm de longe os que estão na mesma sintonia, ou seja, vêm dizer nada, ou muito pouco. Ainda há dias, na Federação Espírita Portuguesa, aconteceu um seminário subordinado ao tema da educação espírita, no qual quem palestrava vinha partilhar os seus conhecimentos e experiências na área da Evangelização Espírita Infanto-juvenil. Como o público não tinha, nem é obrigado a isso, formação em pedopedagogia, achou a apresentação interessante, mas para a maioria a cadeira já tinha picos. Assim, à boca fechada, alguém da própria federação dizia: “Mas isto é elementar. Isto é matéria que se aprende nas primeiras semanas do curso de Educadores de Infância! Outros comentavam: “A realidade a que esta pessoa alude não tem nada a ver com a nossa.” Palavras estas que o Sr. Presidente da Federação pronunciou, com toda a razão, no fim do seminário, aquando dos agradecimentos.
Com isto, o movimento espírita continua precisado de lufadas de ar fresco. Caiu numa estagnação tal que se ouve, escreve e lê apenas a si mesmo. Os demais seres humanos desta vastíssima Criação Divina ainda não atingiram o seu nível, e por isso os espíritas mais “convictos” não leem nada que se relacione com outras doutrinas, não as ouvem, nem querem saber delas para nada. Receiam as suas influências perniciosas, os seus maus pendores, uma vez que esses não aceitam, assim julgam, que se pode conversar com os Espíritos.
 Que pena! Não para os que não falam com os Espíritos, mas para os que ainda não conseguem ouvir os homens e as mulheres de carne e osso. A história da irmandade de todos os seres humanos ficou na gaveta, esquecendo-se de que ela é um dos pilares do Cristianismo. Ela é a Fraternidade que tanto apregoam.
A clausura não significa apenas viver num claustro. Talvez essa seja a menor ou a mais fácil. A pior, de longe, é a clausura das ideias, a distância do outro, o pensar que se sabe tudo, que se pode viver em autogestão, auto-suficiência, autodidactismo.
Há os que pensam que Jesus falou para os espíritas, que as passagens sobre os feitos mediúnicos, se assim lhes podemos chamar, são para os espíritas. São muitos os que pensam que é assim. São os exclusivistas das trevas, que querem à viva força travar a livre expansão do Cristianismo, ou melhor, da mensagem de Jesus. Como não procuram a universalidade, como temem o pluralismo, não compreendem a universalidade de Jesus.
Criar fronteiras do tipo bons e maus é candidatar-se à felicidade do insensato que pensa como é bom ser esclarecido, ter a sua doutrina, que é a melhor do mundo. Como não leem os Evangelhos, certamente desconhecem a resposta que Jesus dá a quem não pensa.
O insensato desconhece que as doutrinas passam, são feitas por gente de carne e osso ou em experiências místicas, pois todas, de alguma forma, fazem referência ao mundo invisível, segundo os seus credos. Mas o que fica, de todas elas, é o comportamento, é a vivência, é o modo como se interage com o outro. Ser bom, só Deus, não nós. Por isso, ao insensato, Jesus responde assim: “Contou ainda esta parábola para alguns que, convencidos de serem justos, desprezavam os outros: “Dois homens subiram ao Templo para orar; um era fariseu e o outro publicano. O fariseu, de pé, orava interiormente deste modo: ´Ò Deus, eu te dou graças porque não sou como o resto dos homens, ladrões, injustos, adúlteros, nem como este publicano; jejuo duas vezes por semana, pago o dízimo de todos os meus rendimentos´. O publicano, mantendo-se à distância, não ousava sequer levantar os olhos para o céu, mas batia no peito dizendo: ´Meu Deus, tem piedade de mim, pecador! ´Eu vos digo que este último desceu para casa justificado, o outro não. Pois todo o que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado”. (Lc 18: 9-14. Bíblia de Jerusalém).
Com tudo isto, lamentavelmente, o Espiritismo deixou de ser uma doutrina apelativa à modificação interior, à renovação do ser humano. Cada um está mais fechado que o outro, quer nas suas ideias, quer no seu pedantismo, na sua vaidade, nos seus aforismos ocos em que muito se fala mas nada se diz.
Sentimos falta do Espiritismo da oração, do Evangelho, do recolhimento, da humildade; temos saudade dos tempos em que vinham às sessões pessoas de outras doutrinas, em que havia troca de impressões objectivando a necessidade de caminhar para Deus na paz com tudo e com todos; sentimos muita falta das multidões, que cheias de curiosidade e desejosas de esclarecimento, vinham até ao Centro espírita porque sabiam que nele encontravam uma palavra de conforto.
Vão longe os tempos de um Espiritismo vocacionado para os tratamentos espirituais, salvo raríssimas excepções, um Espiritismo servidor, defensor da humildade.
Onde estão os tribunos? Os que faziam da Doutrina um facho ao serviço do Bem? Hoje fazem do Bem um prisioneiro da Doutrina.
Fiquemos com um pensamento de um ateu, para escândalo de alguns.
“A maior sabedoria é reconhecer quando ela nos falta. Atingi este ponto e confesso que no campo da intuição e do subconsciente eu nada sei, senão que estes segredos estão abertos para a grande artista Natureza. Por isto o meu louvor se dirige a ela. Se não confessasse minha própria incapacidade de atingir a grandeza da natureza criadora, estaria tateando como um cego sem rumo, por atalhos sem saída, pensando que ao redor de mim espaços infinitos se expandiam.”*




·         STANISLAVSKI, C., (2008), A Construção da Personagem, RJ, Civilização Brasileira, 17ª edição, p.396.  

domingo, março 23, 2014

O QUE E COMO LEMOS?


Nada é mais difícil do que ler. As nossas conclusões, sempre provisórias, são o nosso cárcere se elevadas a verdades absolutas. A vertente selectiva do nosso cérebro, não raro perigosa se não estivermos devidamente despertos para a sua acção limitadora e redutível, cria departamentos, estruturas dependentes do meio social e religioso, (etc.), as mais fáceis de detectar, e da nossa vivência interior, isto é, o arquivo sem fundo da nossa memória, dos nossos genes.
Qualquer bruxo de renome ficaria siderado com a análise de um leitor perante um qualquer texto. Mediante a interpretação, qualquer ouvinte experiente define o âmbito intelectual em que o leitor se move, os conhecimentos que possuí, aspectos da personalidade. Na leitura somos nós, apenas nós, com tudo a que somos permeáveis. A leitura é uma forma de nudez.
Não é descabido afirmar que ler é um acto mais psicológico que intelectivo. A sensibilidade sobrepõe-se, muitas vezes ou quase sempre, infelizmente, aos conhecimentos adquiridos. O gostar de uma determinada matéria já é uma condicionante, muito embora seja simultaneamente o móbil da investigação. É uma espécie de peão que com capa não anda e sem ela não pode andar. Esse brinquedo filosófico tem aplicabilidade em uma infinidade de situações existenciais, nomeadamente esta que estamos a tratar.
Se por um lado o amor é um sentimento que faz dizer muitas coisas descabidas e ver o negro em tons rosa, numa agradável deturpação do real, também é a mola impulsionadora da descoberta.
 Por exemplo, quando um cientista afirma que uma ave possui plumagem exactamente da mesma cor do seu habitat, para se camuflar dos predadores, pergunta-se: A ave sabe-o? Ela transportou-se a esse ambiente para se proteger? O que sabemos é o que é ou o que dizemos ser? A ave não deixa de estar em perigo, nem a plumagem a protege do predador perspicaz. Em que ficamos? É o amor, na sua vertente deturpada que anseia por protecção, ou na sua vertente impulsionadora de descoberta que se apaixona e espanta com a realidade à sua volta?
Se se transpuser esta dinâmica para os Evangelhos, cuja leitura segue idêntica estrutura, nós dizemos que tudo o que deles se afirma, ou quase tudo, é o que pretendemos que o texto diga, e não o que lá está. É o amor desejoso de protecção que fala. Mais, é o amor e a fé, um outro condicionante, pois ler um texto na base da fé não é de todo lê-lo sem ela. Daí a dificuldade, para muitos, em compreender e aceitar o Jesus histórico e a respectiva leitura dos Evangelhos segundo o método histórico-crítico.
Há ainda outra barreira, a saber, aspectos ideológicos. Aquilo que deveria ser uma libertação é, para muitos, factor aprisionante. Daí a pobreza das ideologias, porque limitadoras, quando não sujeitas aos factores de crescimento que lhes devem estar implícitos.
            Ora, os Evangelhos estão sujeitos a tantas interpretações quantos os homens e as mulheres. E tem que ser assim. São as nossas experiências que leem, as nossas dores, as nossas interrogações, os nossos surtos, ímpetos, furores, desejos, sensualidades… É claro que queremos uma resposta, e temo-la, na medida em que o momento reverte a razão em voz universal.
            Impõe-se saber ouvir o outro. O texto cresce tão mais quanto a troca de ideias for um imperativo para a inteligibilidade dos seus conteúdos. Com isso se democratiza o texto. Por outras palavras, ouvir o outro é democratizar a leitura.  
  Há leres, não há ler. Sem o contributo do outro caímos nas nossas incongruências, amarramo-nos perigosamente aos nossos sentidos e razão, tornamo-nos o centro universal do nosso umbigo.
Há quem não esteja lembrado que Deus não precisa das religiões para nada, nem das igrejas, nem das ideologias; não precisa de ritos nem de doutrinas. Somos nós que precisamos e por isso os criámos.
  Muitos afirmam que a pluralidade de interpretações empobrece o sentido da mensagem de Jesus de que os Evangelhos são a voz. Puro erro. Defender que devia haver apenas uma interpretação seria aprisionar o texto a um parecer, fazer dela uma interpretação perfeita, totalitária, um autoritarismo. Seria afirmar a maior estupidez: ”Não preciso de reflectir ou pensar, tenho quem o faça por mim. Sigo um grande líder!”Os grandes ditadores começaram assim.
É natural que as pessoas se agrupem por simpatias interpretativas. As igrejas dentro das religiões são disso o mais vivo exemplo. Porém, isso jamais poderá ser um processo de estagnação. Se tudo evolui, à excepção de Deus, essas leituras doutrinárias não escapam à regra. Todos são chamados, ou pelo menos devem sê-lo, à responsabilidade de estudar afincadamente as suas doutrinas, com espírito crítico e honestidade intelectual.
Por vezes acontece que determinado local é mais propenso a um tipo de trabalho interpretativo do que outro. Aí múltiplos factores se conjugam: porque sujeito a idênticas influências, por tradição cultural, ou até por semelhança vivencial. Isso não significa que o texto seja propriedade desse grupo. Por exemplo, podemos dizer que o Vaticano é a pátria do Evangelho? Não, é a pátria de determinada organização dentro do Cristianismo, a qual gira em torno de leituras de ordem diversa, de vivências, de ritos. Assim, o Vaticano é a sede do mundo católico, não do Evangelho, nem tão pouco se pode dizer que seja a sede de todas as suas interpretações. Qualquer que seja a igreja ou doutrina, ela assenta sempre na pluralidade interpretativa que, quanto mais divergente, maior a proximidade junto dos crentes, maior a capacidade de resposta às suas questões.  
            E ainda que houvesse um país muito santo, muito puro, muito seguidor dos preceitos evangélicos, ele jamais seria a pátria do Evangelho, porque a mensagem de Jesus será sempre universal, as bem-aventuranças serão sempre para aqueles a quem se dirigem, porque serão sempre os doentes que precisarão de médico, porque a Cruz é universal, porque uma santidade imposta nunca será uma verdadeira santidade, nem a pureza nem os preceitos, porque crer em Jesus, como um exemplo em tudo o que há de melhor, é liberdade, é virtude, é sabedoria. Tudo isto, e muito mais, infinitamente mais, significa Cristo. Daí a afirmação de Paulo, bastante complexa, ininteligível, “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim.” (Bíblia de Jerusalém)


Margarida Azevedo  

domingo, março 02, 2014

O ROMPIMENTO ENTRE CHICO XAVIER E BACELLI


Nota prévia:
Embora este texto já não seja novo, nem por isso deixa de estar actual. Desta forma, achamos que é de todo o interesse dá-lo a conhecer aos nossos Leitores. As advertências nele contidas são preciosas e devem ser partilhadas. Espiritismo sem espírito crítico é falho de discernimento, e sem discernimento torna-se uma doutrina muribunda, porque entregue às forças trevosas. O texto que se segue alude a esse facto e apela à razão. Muito obrigada ao seu autor, e que  as bençãos de Deus o iluminem.
Margarida 

Texto de JORGE RIZZINI (jorge.rizzini@gmail.com)

                      Escreveram alguns confrades que com a desencarnação de Chico Xavier encerrou-se o ciclo dos chamados “grandes médiuns”.
                      Ora, a mediunidade é inerente ao ser humano. A ausência dos “grandes médiuns” deve-se, a nosso ver, ao fato de os centros espíritas no Brasil e no estrangeiro não darem a devida ênfase (como outrora faziam) à prática sistemática da mediunidade e seu estudo.
                       Por outro lado, devemos ser cautelosos ao surgir alguém  com poderoso potencial mediúnico. Porque poderá, mais tarde, trazer-nos graves problemas se demonstrar desejo insaciável de elogios, deixar-se contaminar pelo vírus da ganância ou, ainda, não resistir às tentações da sexualidade. Encontrei em minhas longas caminhadas no Movimento Espírita companheiros que por uma dessas razões fracassaram em sua missão espiritual. Tomemos, como exemplo, o   mais recente caso no Brasil, lembrando, porém, que ao fazê-lo outro objetivo não temos senão alertar.
                        Posto isto, vamos aos fatos dolorosos ocorridos em Uberaba e que envolveram, inclusive, o mais notável psicógrafo de todos os tempos, o nosso inesquecível Chico Xavier.
                        Li com a maior atenção os disparates contidos nas mais recentes obras do médium Carlos A. Bacelli. Os textos, da primeira à última página, são mais uma prova de que ele está com os parafusos mentais desatarraxados. Continua vítima de um processo obsessivo que se tornou intenso a partir de l993, ano em que Chico Xavier se viu obrigado a romper o relacionamento com ele por medida de precaução. Dir-se-ia que Carlos Bacelli sofrera um desvio mórbido que o leva, inclusive, a redigir textos que contrariam, frontalmente, ensinamentos transmitidos a Allan Kardec pela excelsa Falange do Espírito de Verdade.
                    Nesse mesmo ano de l993, estando já cerca de dois meses excluído das sessões mediúnicas ao lado de Chico Xavier, eis que Bacelli enviou-lhe uma carta no dia primeiro de fevereiro, da qual divulgaremos alguns trechos (temos em mãos cópia xerocada da carta. Mas os leitores poderão lê-la, integralmente, na reportagem histórica assinada por Gislene Martins e estampada no “Jornal da Manhã”, de Uberaba, edição do dia cinco  de  julho de l997 e intitulada “Correspondência confirma rompimento de Carlos Bacelli e Chico Xavier”).
                    É, realmente, incrível que esse fato de importância histórica (por envolver o nome glorioso de Chico Xavier) haja sido ocultado do Movimento Espírita Brasileiro pelos confrades de Uberaba e cidades vizinhas.
                    Escreve Carlos Bacelli:
                    “Não sei o que aconteceu (ele finge não saber) que, desde dezembro, não temos tido oportunidade de visitá-lo e abraçá-lo pessoalmente. Sinceramente, de minha parte, creio não ter feito nada para magoá-lo. Se algo fiz que o aborreceu, foi de forma inconsciente. Eu jamais o feriria  no que quer que seja.”
                    E acrescenta:
                    “Sempre existiram “forças” tentando distanciarmos... Quantas intrigas foram urdidas com tal objetivo, eu não saberia dizer...” (Bacelli sugere aqui que Chico Xavier acreditou nas intrigas).
                    E mais:
                    “Na semana passada, fui ao consultório do Eurípedes (filho adotivo de Chico Xavier)  e pedi a ele que perguntasse a você sobre a possibilidade de nos reencontrarmos. Permaneço na expectativa de uma resposta positiva. Se não der para ser como antes, ou seja, toda semana, que pelo menos possa ser de vez em quando...” (Como nota o leitor, algo de muito grave acontecera...)
                    Chico Xavier, dotado que era, inclusive, da capacidade de ler o pensamento alheio, acautelou-se, alegou que estava adoentado. Sua resposta foi, como não podia deixar de ser, amável, mas incisiva:
                    “Espero que você e a Márcia (esposa de Bacelli) me desculpem se não posso reatar agora os nossos encontros doutrinários das quartas-feiras e esperemos o tempo. Como sempre confiamos em Deus. Peço-lhes perdoar-me”,etc.
                     E, desde então, Carlos A. Bacelli (atenção redobrada, leitores) NUNCA MAIS  esteve com Chico Xavier. Nunca mais. Nove anos e alguns meses sem vê-lo, embora vivessem na mesma cidade. Oportuno acrescentar que livros seus relatando casos atribuídos à vivência com Chico Xavier perderam totalmente a credibilidade, inclusive,  por outras razões também graves que apontaremos no decorrer deste trabalho.
                      Carlos Bacelli é médium, mas os Espíritos que fazem uso de seu dom psicográfico não são confiáveis. Chico Xavier deu-lhe conselhos, que caminhasse em linha reta com o Cristo, mas Bacelli deixou-se fascinar pelos desocupados do Além (como diria Leon Denis) e com eles rolou ladeira abaixo.
                     Dizia Herculano Pires com sua providencial sabedoria kardeciana que os médiuns não são luminares, nem santos, mas criaturas falíveis que podem cair a qualquer instante de seus falsos pedestais.  E podem cair (acrescentemos) mesmo conhecendo as características psicológicas dos delinqüentes desencarnados e suas técnicas para iludir os médiuns.  Bacelli fez parte da Mocidade Espírita de Uberaba, mas em l994 – um ano após ser impedido de participar das sessões do Grupo Espírita da Prece ao lado de Chico Xavier, lançou o livro “Irmãos do Caminho”, em cujas páginas incluiu mensagens primárias, com um só estilo (o seu), paupérrimas do ponto de vista doutrinário, que ousou atribuir, inclusive, a três notáveis mestres da literatura espírita brasileira – Carlos Imbassahy, Deolindo Amorim e José Herculano Pires.
                      Importante ressaltar que os jornalistas e escritores espíritas não perceberam a mistificação. Ou, se alguns perceberam, colocaram sobre a face a máscara da hipocrisia fraterna e... silenciaram. Diante da indiferença das nossas “lideranças” continuou Bacelli com seu sinistro comportamento, agora mais ousado. Recordam-se os leitores que a partir do ano de l993 teve ele vetada a entrada no Grupo Espírita da Prece, mas Chico Xavier desencarnara em 2OO2 e, então (perguntará alguém), que atitude tomara  Bacelli?
                      De início, plagiou o texto de autoria de Marlene Nobre publicado no jornal “Folha Espírita” sobre a desencarnação de Chico Xavier. E, posteriormente redigiu um texto melífluo, meloso, que divulgou como sendo “mensagem” do Espírito Chico Xavier, mas... sem citar o código que o saudoso e inesquecível médium deixara para identificação do seu Espírito. Quem faz essa denúncia é o filho adotivo de Chico Xavier, o dentista Eurípedes Higino dos Reis.

                       E ainda mais fez Carlos A. Bacelli. Mistificou os Espíritos André Luís e o célebre psiquiatra Inácio Ferreira, desencarnado em setembro de l988 aos oitenta e quatro anos de idade após dirigir com grande competência e extrema dedicação o Sanatório Espírita de Uberaba durante cinqüenta e cinco anos consecutivos.
                       Causam indignação os textos bestializantes atribuídos aos dois grandes médicos do Além. Citemos, para a comprovação dos leitores, alguns colhidos nos livros psicografados por Carlos Bacelli. O primeiro, inegavelmente tem por objetivo aterrorizar os leitores. Eis o que está escrito na página  l48 de “Infinitas Moradas”:
                       “Muitos irmãos encarnados, durante o sono (...) podem, nas dimensões  espirituais, sofrer determinadas lesões perispirituais que lhes comprometem a saúde, inclusive, podendo levá-los à desencarnação em conseqüência.”
                       E o terrorista (na verdade, galhofeiro) insiste, ocultando um sorriso sarcástico:   
                       “Muitos do que, por exemplo, sofrem parada cardíaca durante o sono, não foram simplesmente vítimas de um problema arterial...”
                       Os leitores notaram que o vadio do Além escreve como se não existissem leis na Espiritualidade criadas pelo Senhor da vida e dos mundos e, nem sequer, Espíritos Superiores.
                       Examinemos outra aberração, desta vez contida nas páginas 215-216. Abro aspas e transcrevo:
                       “O sexo além da morte é instrumento de sublimação”. E os obsessores de Bacelli acrescentam que nas colônias espirituais os Espíritos engravidam... e dão à luz!”
                        Idéia bestialógica, que agride e nega os ensinamentos contidos  em “O Livro dos Espíritos”, de Allan Kardec.
                        Não pretendo comentar todas as tolices que recheiam  os livros de Carlos Bacelli porque nosso companheiro Cirso Santiago já prestou tal serviço. Quanto a este meu artigo divulgo-o  mais uma vez porque – conforme acentuou o saudoso filósofo Herculano Pires – “diante de um patrimônio cultural assim sólido (como é o Espiritismo), até hoje inabalável em todas as suas dimensões, não podemos admitir que pessoas ou grupos incientes se atrevam  a alterar, modificar, corrigir pretenciosamente aquilo que não estão sequer à altura de bem compreender” (vide a obra “Na Hora do Testemunho”, edições Paidéia).
                        O caso Bacelli é constrangedor, mas os leitores hão de compreender que o Movimento Espírita não podia continuar a ignorar que esse nosso confrade ficara dez anos impedido de participar das sessões mediúnicas  ao lado de Chico Xavier – a pedido, aliás, do próprio Chico Xavier, conforme atestam as cartas de ambos publicadas com destaque no “Jornal da Manhã”, de Uberaba.
                        Finalizemos. Reconheço que este meu artigo poderá chocar leitores mais sensíveis, mas ele deve ser entendido como um ato de caridade. Porque Carlos A. Bacelli, continuando a praticar delitos contra a Doutrina Espírita codificada por Kardec sob a supervisão do insígne Espírito de Verdade, terá de arcar com as conseqüências inevitáveis nesta e na próxima encarnação.


sábado, março 01, 2014

O TRIGO E O JOIO


            As associações Espíritas de Portugal têm tido desde sempre as suas portas abertas aos palestrantes brasileiros o que tem contribuído para o estabelecimento de laços fraternais entre os espíritas dos dois países. Infelizmente, ter-se como natural da Pátria do Evangelho*, como se isso fosse possível, pois não passa de uma afirmação xenófoba, como é natural, não pode constituir garantia de sapiência doutrinária.
Ora, se têm vindo até nós irmãos que nos trazem excelentes trabalhos, outros melhor fora que não se tivessem dado ao trabalho de cruzarem o Atlântico. Vem isto a propósito de uma conferência sobre Saúde Mental e Evangelho. A aludida conferência, que encheu a sala, não mencionou uma palavra sobre uma coisa, ou sobre a outra. Foi totalmente omissa.
            O orador, de vasta obra literária publicada, utilizava o nome de Chico Xavier porque, sabendo que no Espiritismo quem se intitule amigo carnal do referido médium tem cartão de entrada livre em tudo o que é Centro Espírita, não se poupou a exemplos biográficos, a referências ao seu trabalho como médium, a pormenores do convívio com ele numa tentativa de incutir no auditório que estava perfeitamente à altura da confiança do referido mentor.
            A saúde mental ficou pelo caminho, as citações do Evangelho também, e o que o orador pensa a propósito de tudo isso, em que se baseou e quais os objectivos da conferência ainda dormem no tinteiro da impressora. Nem palavra.  
            Mas não se pense que o público desarmou. Bem pelo contrário. Estava embevecido. O discurso expelia luz a cada palavra, a cada sílaba, a cada olhar mais ou menos intenso. O discurso implicou, envolveu, tornou cúmplice cada ouvinte, fazendo-o sentir-se espelhado em cada palavra, envolvendo-o na perigosa suposta evidência da explanação, e assim silenciando cada cérebro de per si. Podemos dizer que todos se sentiram privilegiados por terem a felicidade de estar ligados a uma doutrina que os presenteia com tão nobres quão sublimes lições de luz.
Numa espécie de transe discursivo, galvanizando o auditório e transpondo-o a sensações de alegria e de felicidade que diríamos extáticas, ninguém pestanejava, numa perturbação entregue a um misto de desconforto e libertação. Primeiro por todos concluírem que estavam cá muito em baixo, eram muito inferiores ao orador, que tinham muito que caminhar para chegar ao seu nível, segundo porque as palavras ouvidas eram libertadoras dos grilhões das trevas, que o discurso se tornou um passe qual bálsamo do tipo água-benta purificadora.
Piorando um pouco mais, alimentou-se a ideia, muito comum porque pré-estabelecida, de que o tão grande médium tinha ao seu redor e ao seu serviço Entidades de grande gabarito, que o inspiram na escrita e na oralidade. Ouvi-lo e lê-lo é estar em contacto com as referidas Entidades, receber os seus gloriosos ensinamentos.
Daí, porque sobejamente conhecido pelo perspicaz orador, não lhe foi difícil perscrutar as mentes, dizer o que estas queriam ouvir, tornando-se-lhe fácil a tarefa enganosa. Ele soube, numa dose quanto baste, tornar perturbador o discurso, manipular as consciências ávidas de alva pureza, utilizar os mais ocos sentidos das palavras, mascarando-as e travestindo-as de conceptualizações científicas. Do livro cujo título tem o mesmo nome da conferência, e que terá sido ditado por uma das Entidades que se comunicam com o orador, também se pouco falou, até porque o livro estava á venda e quem quiser saber mais… é só comprar!
            É lamentável que o público espírita seja tão intolerante quando não o deve ser, e tão submisso aos aparatos da retórica falaciosa de pessoas sem escrúpulos, que espalham a sua ignorância como verdades absolutas.
            É certo que todos estamos a caminho de qualquer coisa que denominamos Bem, mas nem todos estão no caminho. O Espiritismo tem vindo a revelar-se uma doutrina fácil para os charlatães desde que enveredou pelo caminho da ignorância. Falam de ciência, mas onde estão os profissionais das mais diversas áreas, dos diferentes colégios de especialidades? Não os vemos a trabalhar nos Centros. Porquê? “Porque não são espíritas”, respondem alguns. Mas então, há átomos espíritas e não espíritas, células, animais, plantas; há matemática espírita, notas musicais espíritas? Desconhecíamos.
            E quanto às literaturas e línguas, à história e à filosofia. Há verbos e gramáticas espíritas?
Só é história a história do espiritismo, e a filosofia também?
            Por isso a Doutrina está completamente isolada face às demais, socialmente marginalizada, confundida com bruxaria, artes adivinatórias, remetida para o sótão onde predominam as teias de aranha. Entregue ao preconceito de que quem está no Espiritismo está no bom caminho, não precisa da opinião de mais ninguém, vive o devaneio do orgulhosamente só, presa nas mãos de uns quantos que vêm nela o meio de se evidenciarem, numa ânsia doentia de protagonismo estéril e inconsequente, gente sem escrúpulos que não olha a meios para atingir os fins.
            Isolada, a Doutrina tornou-se palco de teorias sem nexo, onde tudo é possível ser dito, excluindo o indispensável espírito crítico, salutar quão libertador, uma vez que os entendidos nas matérias são os excluídos, alvos preferenciais das bocas maldizentes das trevas inescrupulosas.
            Oração e Evangelho é do que se precisa. Libertar-se de retóricas, das seduções discursivas. É hora de a Doutrina se envolver de verdades vividas por cada um de nós, pois todos possuímos a nossa verdade sentida na carne, na luta de cada dia, no crescimento difícil e árduo, por vezes ou sempre, neste caminhar para um cimo que não definimos, mas que queremos com todas as forças.
 Mas também é hora de nos envolvermos com ela com veemência e determinação, e dizermos aos discursos fúteis das trevas “Não vos queremos cá, apartai-vos de nós”.
Precisa-se da troca urgente de testemunhos, da partilha de experiências, do convívio são e honesto; precisa-se da luta pela verdade acima de todas as coisas. Não é por falar de amor que mais se ama. É no terreno que se dão provas do amor.
Vigiar e orar, passar tudo pela razão. Porém, se estes adoecerem, estamos perdidos.
Não é por muito vigiar, nem por muito orar, nem por muito usar a razão que está o garante da verdade e do amor. É na sapiência de com estes se afinizam que está o segredo.
Fica apenas esta sugestão: procurar, antes de tudo, o Reino de Deus, tudo o mais…

Margarida Azevedo
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·        * Entendemos por Pátria do Evangelho o coração do homem/mulher renovado e livre, entregue ao bem-fazer, com o objectivo de atingir o Reino de Deus. Foi desse Reino que Jesus veio dar testemunho.

Reduzir tal expressão a uma dimensão geográfica, ou a outra qualquer é aprisiona-la, retirando-lhe a universalidade.